11 Agosto 2023
Após as afirmações antissemitas nos encontros dos cursos de verão do Instituto Civitas, o ministro do interior francês, Gérard Darmanin, informou que iria iniciar um procedimento de dissolução. Não é a primeira vez que essa organização de extrema-direita, que reúne católicos tradicionalistas, desperta polêmicas.
A reportagem é de Juliette Vienot de Vaublanc, publicada por La Croix, 09-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Gérard Darmanin anunciou na segunda-feira, 7 de agosto, que havia iniciado o procedimento de dissolução do Civitas. A decisão do ministro do Interior decorre da sequência de afirmações feitas durante os cursos de verão da organização, que se realizaram em Mayenne de 29 a 31 de julho. Durante uma palestra filmada, transmitida em parte pelo X (antigo Twitter), o ensaísta Pierre Hillard afirma que “a naturalização dos judeus em 1791 abre as portas para a imigração”. “Antes de 1789, um judeu, um muçulmano, um budista, não podiam se tornar franceses. Por quê? Porque eram hereges”, continua, afirmando em seguida que “talvez devêssemos retornar à situação anterior a 1789”.
“O antissemitismo não tem lugar em nosso país. Condeno veementemente essas afirmações ignominiosas”, comentou Gérard Darmanin. Anunciou levar o caso ao conhecimento do Procurador da República e iniciar a instrução de um procedimento de dissolução do Civitas. Por enquanto, a organização não reagiu às declarações do ministro, limitando-se a transmitir mensagens nas mídias sociais.
O Instituto Civitas foi fundado em 1999, na linha da La Cité catholique, criada após a Segunda Guerra Mundial pelo católico fundamentalista Ousset, baseada na ideia de que a modernidade leva à catástrofe. A organização também usufrui nos seus primeiros anos da "compagnonnage" quase institucionalizado da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X que rejeita o Concílio Vaticano II, como descreve o historiador das religiões Philippe Portier. Pelas suas origens, o Civitas exerce uma "dupla cultura contestatória: a da extrema-direita e a do fundamentalismo católico", analisa o sociólogo Yann Raison du Cleuziou.
“Em suas fileiras há uma forte nostalgia da sociedade do Antigo Regime, que se deve tentar restaurar, contra a República Francesa, completou Philippe Portier, professor da Ecole pratique des Hautes Etudes. Foi a posição defendida no século XIX pelo Vaticano, especialmente pelo papa Pio IX, autor do Sílabo sobre os grandes erros do nosso tempo, que vê na modernidade uma obra satânica produzida por protestantes, judeus e maçons".
Muito distante da Igreja Católica, o Civitas contesta as orientações tomadas após o Concílio Vaticano II. “Os militantes censuram a instituição por ter feito concessões à modernidade e, em particular, ter aceito alguns axiomas modernos: liberdade de consciência, os direitos humanos, a igualdade entre os homens, o encontro com as outras religiões…”, ressalta Philippe Portier.
O Civitas, que afirma ter 1000 membros inscritos, ficou muito tempo à margem. Torna-se conhecida especialmente por meio de ações em frente a teatros, em 2022, para protestar contra espetáculos como Sur le concept du visage du Fils de Dieu e Golgota Picnic, julgando-os blasfemos. Mas o movimento ganha visibilidade ao reunir até 10 mil pessoas nas manifestações contra o “casamento para todos”. “Mesmo que defendessem a mesma causa, o Manif pour tous fez de tudo para se distanciar do Civitas, considerando os seus militantes os piores inimigos, que arriscavam confirmar todas as caricaturas”, destaca Yann Raison du Cleuziou.
Perdendo a sua incisividade, o Civitas muda seu estatuto e é admitido ao financiamento dos partidos políticos em 2016. Definiu-se então como "movimento político inspirado no direito natural e na doutrina social da Igreja Católica", que deseja "recristianizar a França". “Essa transformação leva o Civitas a adotar uma estratégia de entrismo eleitoral pouco remunerativa”, acredita Philippe Portier. Vários candidatos concorrem às eleições locais e depois às legislativas em 14 circunscrições eleitorais em 2017. Todos são derrotados no primeiro turno.
Mais recentemente, a organização, seguindo uma estratégia ofensiva, militou contra a realização de concertos em algumas igrejas, entre os quais aquele da organista Kali Malone em maio em Carnac (Morbihan) e do cantor Bilal Hassani em Metz em abril. Os dois shows foram cancelados. Além disso, o movimento, que pediu que as pessoas votassem em Eric Zemmour nas eleições presidenciais de 2022, mobiliza-se contra os projetos de centros de acolhimento para requerentes de asilo.
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Civitas: na encruzilhada entre extrema-direita e fundamentalismo católico na França - Instituto Humanitas Unisinos - IHU