26 Julho 2023
Aquela que era para ser uma palavra definitiva tornou-se a embaraçosa negação de uma questão, que não exibe um fundamento teológico além da autoridade. Um problema de “transformação da autoridade” (com o aparecimento da autoridade feminina na vida pública) é resolvido com uma “teologia de autoridade” que nega ter autoridade para superar a reserva masculina.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado por Come Se Non, 21-07-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O processo sinodal, que abordará, ao longo de duas assembleias (outubro de 2023 e de 2024), a questão da possível “ordenação ao diaconato” da mulher, ressente-se inevitavelmente e de modo profundo da solução “de autoridade” que se quis dar, há já quase 30 anos, à “ordinatio sacerdotalis”, afirmando a “reserva masculina” como um dado de fé, pertencente à “divina constituição da Igreja”.
Aquela que pretendia ser uma solução, baseada exclusivamente em uma afirmação altamente de autoridade, mas desprovida de argumentação, e que deveria ter suscitado uma reflexão teológica em apoio à decisão tomada, produziu na realidade uma situação singular em 30 anos: por um lado, a argumentação continua girando sobre si mesma, já que muitos teólogos se deixam conduzir no campo disciplinar (mas não teológico) por uma pura teologia de autoridade. A “reserva masculina” não é explicada, mas deduzida a partir de uma prática histórica não discutida e a partir de uma afirmação dotada de alta autoridade. Se um papa faz uma afirmação, para o teólogo católico essa afirmação goza de alta autoridade, mas é indiscutível como infalível apenas quando assume o valor de “pronunciamento ex cathedra”.
Por outro lado, a demanda de valorização do perfil de autoridade da mulher pede uma reflexão que não pode ser bloqueada a priori por um ato de autoridade sem mostrar razões persuasivas. O fato de a reserva masculina do ministério sacerdotal pretender ser um mistério a ser acreditado, sem razões teológicas convincentes, mostra a fragilidade da solução adotada em 1994.
Quando a autoridade não encontra razões convincentes e persuasivas, tende a perder toda verdadeira eficácia com o passar do tempo. O ponto delicado é este: nem mesmo o papa pode tornar pretas as coisas brancas. Quando a reconstrução da tradição ocorre de uma forma sumária demais, quando a tradição do passado assume uma posição baseada em pressupostos culturais preconceituosos, e essa tradição passada se torna um “absoluto” a ser repetido “fideliter”, quando as novas evidências, decorrentes da consciência cultural amadurecida durante o século XX, sequer são minimamente levadas em consideração, se até a “reserva masculina” da ordenação sacerdotal é isolada da história e da consciência, e colocada entre os “fatos a serem acreditados” sem maiores determinações, quase como uma espécie de “mistério da fé”, então fica claro que a posição do magistério se torna um “dispositivo de bloqueio” da relação entre Igreja e mundo. Não há mais “sinais dos tempos”, mas apenas “ameaças” e “confusões”.
Se, esse aspecto, por si só já problemático, se une à compreensão da função da teologia, representada pelo Código de Direito Canônico de 1983, segundo o qual em relação ao “magistério autêntico” (não só ao magistério infalível e ao magistério definitivo) o teólogo não tem outro caminho senão o assentimento da fé e o “religioso obséquio do intelecto e da vontade”, então a condição de “bloqueio” parece ser insuperável e, por isso, índice de uma patologia eclesial.
Talvez possa ser útil ler, com transparência, dois testemunhos importantes, que esclarecem como sair desse “impasse”. Por um lado, as últimas palavras de Ghislain Lafont, que, sobre o tema da “discriminação contra a mulher”, ousa avançar, em seu último livro “Un cattolicesimo diverso”, 2019, uma releitura do documento de 1994 com dois problemas de fundo (apresentei o texto aqui): por um lado, o fato de que a Ordinatio sacerdotalis reivindica uma “definitividade” que formalmente não tem; por outro, que se ocupa de um aspecto da tradição eclesial que é inevitavelmente submetido às condições históricas e que, portanto, não pode ser objeto de um saber definitivo. Esses dois aspectos, totalmente decisivos, merecem grande respeito e considerações no “canto do cisne” do grande teólogo beneditino.
Por outro lado, não é difícil notar, no texto de 1994, a mão de um redator que trata a questão de forma totalmente unilateral e que, na breve página do texto, põe em ação aquela característica que marcou grande parte de seu magistério teológico e pastoral: J. Ratzinger declarou, em seu volume “Ultime conversazioni” (2016), que o “gosto pela contradição” marcou muito profundamente seu pensamento.
A questão que hoje deve ser abordada é se um magistério eclesial, marcado há 40 anos pela “Lust am Widerspruch”, que marcou profundamente as posições sobre a liturgia ordinária e extraordinária, sobre as formas da comunhão eclesial, sobre a continuidade na interpretação do Vaticano II ou sobre os critérios das traduções do latim, pode aspirar a ser uma palavra que condicione, de forma definitiva, a relação entre Igreja e tradição, entre ministério ordenado e identidade feminina.
Aquela que era para ser uma palavra definitiva tornou-se a embaraçosa negação de uma questão, que não exibe um fundamento teológico além da autoridade. Um problema de “transformação da autoridade” (com o aparecimento da autoridade feminina na vida pública) é resolvido com uma “teologia de autoridade” que nega ter autoridade para superar a reserva masculina.
Mais do que uma solução, parece uma paralisia da experiência com pretensões autoritárias e com repercussões sancionatórias para todos aqueles que não se adequam. Onde “fielmente” corre o risco de significar apenas “como há 100 anos”. Uma abordagem “afetiva” à tradição nem sempre é uma fonte de luz para a teologia.
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A solução fracassada: as mulheres e o ministério eclesial. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU