18 Julho 2023
O teólogo Martin M. Lintner quer afrouxar a moral sexual da Igreja Católica. Agora o Vaticano bloqueia a nomeação do professor como reitor do Studio teológico acadêmico de Bressanone no sul do Tirol. Visita a uma pessoa que continua a lutar pela sua Igreja e que continuar a confiar no Papa Francisco.
A reportagem é de Lisa Maria Gasser, publicada por Zeit Online, 05-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Junto com o badalar do campanário, ouve-se o estrondo de um trovão. Uma tempestade de verão está para desabar sobre Bressanone, Tirol do Sul. Martin M. Lintner olha pela janela da biblioteca barroca do Studio teológico acadêmico. Ele só se deixa fotografar diante dos livros que estão ali há séculos. Mas ele não quer fazer a entrevista aqui, numa atmosfera antiquada, muito ligada ao passado. As suas publicações e o seu ensino como professor de teologia moral sempre os orientaram para frente. Segundo o Vaticano, até demais. Por isso houve um estrondo – quase como o relâmpago e o trovão acima de Bressanone.
Porém, o professor não se expressaria nesses termos, ele tem um jeito de falar muito tranquilo. Ele diz: “Não se trata de um problema que o Vaticano tenha comigo, ou vice-versa. Mas de um problema institucional”. Vamos em ordem: em novembro de 2022 o Colégio Executivo do Studio Acadêmico teológico de Bressanone (STA) escolheu Lintner como novo reitor, à frente de onze professores titulares. Mas Roma lhe negou o nihil obstat, a liberação para a nomeação do reitor. O veto veio do dicastério da cultura e educação. A aprovação foi negada “por causa das publicações do prof. Lintner sobre questões de moral sexual católica”, comunicou o bispo do sul do Tirol Ivo Muser no final de junho.
Pedra do escândalo: de acordo com Lintner “um pequeno livro”. A obra “La riscoperta dell’eros. Chiesa, sessualità e relazioni umane” [A redescoberta de eros. Igreja, sexualidade e relações humanas] publicado em 2011. O fato de que agora ele esteja sendo punido por isso surpreendeu não só ele. O teólogo moral já foi presidente da Sociedade Europeia de teologia católica e presidente da rede internacional das Sociedades de teologia católicas. Sobre os temas de ética sexual e animal está entre os mais renomados de sua disciplina no ambiente de língua alemã e desfruta também de alta consideração na Itália. A onda de solidariedade após o veto do Vaticano é, portanto, realmente forte e para Lintner até “inesperada”. Os representantes das faculdades de teologia católica alemãs condenam a decisão como uma “expressão de desconfiança e de controle”.
Várias associações (como a International Vereinigung für Moraltheologie und Sozialethik, e os grupos de trabalho Arbeitsgemeinschaft Moraltheologie e Arbeitsgemeinschaft Christliche Sozialethik) criticam em seus posicionamentos a “demonstração do poder curial”. O teólogo italiano Marcello Neri convida com uma carta aberta a apoiar Lintner. Seu colega no sul do Tirol, Robert Hochgruber, traduziu a carta em alemão e comentou: “Sem atacar o magistério eclesiástico, Martin M. Lintner se empenha nas reformas. O fato disso ser avaliado em Roma como um ataque mostra a grande medo que ali domina mesmo diante de pequenas mudanças”.
Conseguir introduzir mudanças na Igreja Católica Romana, à qual se sente pertencente, “mas por causa da qual às vezes também sofre”, Lintner considera uma tarefa vital. Completará em breve 51 anos, cresceu em uma fazenda no sul do Tirol, frequentou cursos de teologia em Innsbruck, Viena e Roma. Em 1993 ingressou na Ordem dos Servitas. Desde 2009 leciona no STA de Bressanone, desde 2011 como professor titular. Experiências pessoais de doença e de infortúnios “o tornaram sensível à vulnerabilidade da vida”. Ele não quer dizer mais nada sobre isso: “Só que o que vivi me marcou profundamente”. Por trás das lentes dos óculos, seu olhar vagueia pela nova biblioteca da faculdade, na qual Lintner parece estar mais confortável do que entre as obras amareladas pelo tempo. O ensinamento da Igreja deve, em sua opinião, colocar em primeiro plano não uma série de normas, mas valores cristãos, a dignidade e a vulnerabilidade das pessoas, “justamente no âmbito da sexualidade, onde o ser humano é muito vulnerável tanto física quanto psiquicamente”. Isso é demonstrado, por fim, mas não menos importante, pelo escândalo dos abusos na Igreja, que o levou a escrever o livro agora criticado.
Martin M. Lintner sabe como advertir com leveza. Fala com voz suave, com as mãos entrelaçadas. Escolhe suas palavras com prudência, mas com precisão. “Como professor de teologia tenho a função de transmitir o ensinamento da Igreja”. Ele para por um instante. “Mas transmiti-lo também de forma crítica”.
“A homossexualidade é quista por Deus”, dizia o bispo de Aachen Helmut Dieser na entrevista ao Christ&Welt de 2022. “A homossexualidade está presente na natureza e nesse sentido é quista por Deus”, concorda Lintner. O teólogo não procura conflitos, mas também não se esconde, quando não consegue tirar nenhum sentido das teorias eclesiásticas geralmente aceitas.
Lintner apoia abertamente a bênção das uniões do mesmo sexo e a necessidade de enfrentar os abusos sexuais na Igreja do Tirol do Sul, pede a existência de diálogo sobre as pesquisas de gênero e que “as pessoas, inclusive as transexuais, sejam reconhecidas e respeitadas também em sua identidade de gênero”. Ele é a favor da superação de “uma moral predominantemente baseada em normas como ordens e proibições, como aquela moral que continua a ser percebida como a doutrina católica sobre a sexualidade”. Porque a realidade da vida de muitos que deixam a Igreja, na maioria das vezes não tem nada em comum com as teses magisteriais. Em encontros frequentes com as pessoas, com as histórias de suas vidas e o peso do sofrimento a que muitas vezes estão expostas, ele entendeu que no acompanhamento humano e espiritual não se trata de sobre “como eu julgo alguém moralmente”, mas sobre “como eu posso ajudar as pessoas a se aceitarem, a se integrarem na sociedade e a serem acolhidas nela”.
O contato com o Vaticano “nem sempre foi necessariamente procurado” por Lintner. Porém considera o papa Francisco como um precursor, embora tenha encontrado uma atitude de bloqueio em temas relacionados ao gênero e “mensagens ambivalentes” sobre a homossexualidade: “Nos dez anos de seu pontificado algo foi posto em movimento”. Perpassa um leve sorriso em seu rosto pálido. No documento papal “Amoris laetitia” de 2016 teólogos e teólogas de todo o mundo veem a possibilidade de uma abertura.
Pelos posicionamentos sobre o seu caso, parece que para os colegas na Alemanha as posições de Lintner encontram “consenso dentro da teologia moral de língua alemã e muito além”. Colegas italianos assumem que o dicastério para a doutrina da fé, que é empregado como consultor nas decisões relativas ao nihil obstat, tenha impedido que Lintner se tornasse reitor “para atacar o Papa Francisco”.
“Muitos rejeitam sua linha e enviariam a ‘Amoris laetitia’ de bom grado para o triturador”, fala Lintner, “para isso precisa de apoio – para as mudanças que provocou e levou adiante não sejam reduzidas”. Não lhe escapou que o veto contra ele tenha sido saudado por alguns: “Sobretudo em âmbito espanhol – demonstram isso as reações na internet – alguns grupos muito conservadores receberam a notícia com grande satisfação e pedem que os teólogos como eu sejam sancionados com mais frequência”. Lintner não se intimidou. Mas conhece colegas que “se calam por medo de perder suas reputações”. Ele diz: “O medo é um meio de controle do poder frequentemente usado também pela Igreja como instituição hierarquicamente estruturada”. As manifestações de solidariedade o tem fortalecido na convicção pela qual lutou como presidente das associações teológicas: “O procedimento do nihil obstat deve ser reformado, a fim de garantir transparência e equidade”.
Demasiados teólogos e teólogas são, em sua opinião, afetados por uma práxis questionável.
Lintner deveria se tornar reitor do Studio Teológico Acadêmico. Sobre o “não” do Vaticano foi informado pelo bispo Muser. Ele ainda não conhece os motivos precisos: “Tal recusa radical sem motivação específica é muito incomum”. Se o Vaticano tem dúvidas sobre uma nomeação, normalmente pede ao candidato ou à candidata para expressar sua opinião sobre os pontos de vista considerado problemático: “Como no caso de Ansgar Wucherpfennig”. O padre e teólogo de Hanover não recebeu o nihil obstat para um terceiro mandato como reitor do PTH Sankt Georgen em 2018. O Vaticano pediu que ele revisse suas posições sobre a homossexualidade, sobre a bênção dos casais homossexuais e sobre o diaconato feminino. Quando os protestos explodiram, o Vaticano desistiu de opor resistência. Como resultado, Lintner primeiro ficou totalmente “surpreso” e depois “tristemente desconcertado” com o veto contra ele: “Não sou um mestre de heresias – só nesse caso, na minha opinião, poder-se-ia considerar essa reação adequada”.
Mas nem Muser nem Lintner vão apelar: “Não quero impor um procedimento tão longo e desgastante nem para mim nem para a faculdade”. No próximo trimestre, as eleições serão realizadas novamente no STA de Bressanone.
Lintner espera que o seu caso, “que na realidade não é um caso isolado, mas novamente mostra uma disfunção estrutural”, coloque em marcha uma reforma ao mais alto nível: “Nas pequenas decisões pessoais como a minha, o papa não se intromete pessoalmente. No entanto, imagino que fique ciente das discussões acaloradas e que se preocupe com elas”.
O papa acaba de proceder a uma nova nomeação para um dos cargos mais poderosos do Vaticano. Em 1º de julho nomeou o arcebispo argentino Manuel Fernandez como novo prefeito da Dicastério para a Doutrina da Fé. Francisco acompanhou a nomeação de seu compatriota com uma declaração que é notável, à luz do caso Lintner: no desempenho de sua tarefa de vigiar sobre a doutrina da fé, o dicastério “usou no passado métodos até mesmo imorais” e, em vez de promover a busca teológica, perseguiu eventuais erros doutrinários”, o papa escreve: “Eu certamente espero do senhor algo muito diferente”. De fato, “orientações diferentes filosóficas, teológicas e pastorais” poderiam fazer crescer a Igreja: “Este crescimento harmônico manterá a doutrina cristã mais eficaz do que qualquer mecanismo de controle”.
Se algum professor ainda estivesse procurando formulações adequadas para sua crítica ao veto contra Lintner, encontraria aqui material interessante.
Lintner reage com calma, mas não se curva: “Não sou um carreirista – faço parte desta Igreja e também gostaria no futuro de contribuir para moldá-la e transformá-la”. Ele vai continuar ensinando em Bressanone como professor. Contra a sua competência como professor, o Vaticano não tem objeções. “Ainda não”, observa Lintner com um humor sutil. Ele não se considera nem herói nem vítima. Ele se vê mais como alguém que olha para o futuro: “Na história sempre houve pensadores que foram rejeitados e condenados pelo magistério. Alguns, mesmo assim, devem avançar e perceber que o magistério não os segue com a mesma rapidez”.
Do lado de fora, o campanário toca as horas. A tempestade se afastou. Uma tempestade também pode purificar o ar – e anunciar tempos mais serenos.
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Martin M. Lintner: “Não sou um mestre de heresias” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU