30 Abril 2023
No Dia Mundial da Terra 2023 (o Dia da Terra, iniciativa nascida em 1969 para sensibilizar sobre o impacto da atividade humana no planeta), publicaremos a nossa entrevista com o prof. Giulio Marchesini, ex-professor de Ciências e Técnicas Dietéticas e chefe da Estrutura de Dietética Clínica, do Hospital Universitário Sant'Orsola-Malpighi, de Bolonha, que dedicou atenção especial em seus estudos às correlações entre alimentos, energia e meio ambiente. No dia 6 de maio, ele coordenará o debate Cuidar da casa comum, com Vittorio Marletto, Vincenzo Balzani e o jesuíta pe. Mauro Bossi.
A entrevista é de Giordano Cavallari, publicada por Settimana News, 22-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor, no último dia 28 de março o Conselho de Ministros aprovou, em regime de urgência, um projeto de lei que proíbe a produção de "carnes sintéticas". O texto fala de defesa da saúde dos cidadãos e dos modelos produtivos e culturais tipicamente italianos, bem como de autonomias alimentares. Qual é a sua primeira avaliação a esse respeito?
Digo que, mais uma vez, o projeto de lei não manifesta nenhuma visão de futuro, neste caso em relação à alimentação do futuro. Eu não sou um defensor a todo custo das carnes vegetais e cultivadas − depois explicaremos melhor o que esses termos significam − mas sou um defensor convicto da necessidade de sair da ideia que nos leva a “continuar a comer como sempre comemos”, porque essa lógica já não se sustenta sob vários pontos de vista. O que me incomoda, neste caso em particular, é a forma como querem impedir qualquer tentativa de fazer nascer o futuro por uma pura preservação da tradição, por perfis de interesse certamente importantes, por razões de popularidade e, no fundo, por motivos eleitorais: é uma política muito míope que pode dar frutos no curto prazo, mas que pode resultar prejudicial para um futuro sustentável.
Vamos tentar esclarecer. O que se entende por carnes sintéticas?
Há anos existem no mercado produtos à base de proteínas vegetais que imitam a aparência e o sabor da carne, mas não é disso que estamos falando. O projeto de lei tem por objeto as chamadas "carnes cultivadas", ou seja, produtos obtidos a partir da criação em biorreatores de células retiradas de músculos de animais vivos, que podem ser multiplicadas por meio de processos produtivos já bem codificados. Muitos fármacos "biológicos" e até fármacos comuns – a insulina, por exemplo – há muito são produzidos com essas técnicas. Trata-se de fazer com que poucas células originais se multipliquem, fornecendo-lhes nutrientes, principalmente aminoácidos de origem vegetal e energia na forma de carboidratos, em meios de cultura adequados. Imitar as características físicas e até mesmo as características de sabor comestível das carnes animais é o objetivo.
Como é possível imitar as características organolépticas de alimentos típicos?
Já está sendo feito. Não há sabor que não possa ser imitado ou reproduzido "quimicamente", sempre se reportando à natureza. O sabor do bife ou do embutido típico provavelmente sempre seria outra coisa. Eu também gosto de comer com satisfação de paladar. Mas eu me pergunto e pergunto: o que é mais importante hoje? Qual é a alimentação mais ética para o futuro da humanidade?
A ingestão dessas "carnes" poderia causar problemas de saúde a longo prazo?
O único problema que vejo são as eventuais alergias: alguns sujeitos poderiam manifestá-las quando são ingeridas, como acontece com muitos produtos "naturais". Mas o problema das alergias alimentares é bem conhecido e independe das técnicas de produção dos alimentos. É claro que a introdução de novos alimentos deveria ser cuidadosamente monitorada, por um princípio de precaução.
Francamente, portanto, não vejo nenhum risco particular em que a saúde humana possa incorrer. Pelo contrário, essas técnicas poderiam eliminar alguns dos riscos que a alimentação com carne de criadouros animais hoje comporta. Nos biorreatores de crescimento − ambientes estéreis e controlados − não haveria de fato a necessidade do uso de antibióticos ou hormônios de crescimento, hoje amplamente utilizados na criação animal. A menção à tutela da saúde no projeto de lei a que você se referiu não tem, a meu ver, nenhuma motivação científica.
Existe potencial na Itália para a produção de proteínas desse tipo?
Certamente existem estruturas científicas na Itália que trabalham com o "alimento do futuro". Elas correm o risco de serem totalmente eliminadas por medidas legislativas como aquela proposta. Além disso, o projeto de lei - se transformado em lei - não poderia impedir a importação de "carnes cultivadas" de outros países, em particular de países europeus e ocidentais como resultado de acordos de mercado existentes, países nos quais os testes estão chegando rapidamente à fase de mercado. Nem mesmo o consumo na Itália, embora presumivelmente muito limitado, poderia ser impedido. Não parece ser um bom negócio econômico para o nosso país.
Esses produtos, contudo, ainda seriam caros. Nem todos poderiam pagar por eles.
Obviamente ainda existem problemas de preço, mas com as economias de escala que seriam atingidas com a entrada maciça no mercado, as diferenças de preços poderiam ser rapidamente eliminadas, até que preços competitivos e até mais convenientes fossem obtidos: o objetivo é sem dúvida esse.
Pergunto agora ao médico: continuar comendo carnes animais faz mal?
Não sou a favor das ênfases segundo as quais o consumo de carne aumentaria o risco de desenvolver tumores a ponto de exigir, como fazem alguns, que o perigo seja impresso na embalagem, como se faz com os cigarros: há uma parte de verdade nisso, mas o mesmo poderia ser dito de outros alimentos. O que se pode afirmar com certeza, do ponto de vista científico, é que nosso corpo está continuamente sujeito a estresse pelos alimentos que ingerimos: quanto mais submetemos o nosso corpo a estresse alimentar mais provável é que ocorram erros de reprodução celular. A obesidade por excesso alimentar continua sendo provavelmente a causa mais comum de tumor.
Portanto, minha objeção fundamental ao projeto de lei não é primeiramente sanitária. Em vez disso, quero argumentar que o "cultivo" de alimentos - assim como as técnicas de agricultura vertical - pode em breve se tornar fundamental para garantir alimento para 8 bilhões de seres humanos na face da terra. Temos de encontrar as condições para uma alimentação ambientalmente sustentável: esse é o ponto.
Dê-nos um exemplo para entender melhor sua preocupação.
Em 1960, na China, consumia-se em média 40 gramas de proteína per capita diárias, e disso apenas 3-5 gramas de origem animal: praticamente nada. Hoje, na mesma China, tende-se a comer "como entre nós", ou seja, com o mesmo teor de proteína animal, equivalente a cerca de 50 gramas por dia. Agora multipliquemos esse valor por 1,5 bilhão de pessoas: esse cálculo pode nos dar uma ideia das enormes e crescentes quantidades totais de proteína animal que devem ser produzidas hoje, só na China. Neste momento, tenho diante de mim a foto de um prédio de 26 andares para a criação de 26.000 porcos, certamente entupidos de antibióticos e hormônios, em Ezhou: é impressionante!
Claro que esse é apenas um exemplo. Vamos pensar no mundo inteiro e no direito que todos os seres humanos têm de consumir uma quantidade adequada de proteína todos os dias. Fica evidente que simplesmente não é possível que todos possam se alimentar como nós, ocidentais, sem que isso implique numa dívida ecológica insustentável. Por isso considero que seja necessário "abrir-se" e praticar - já hoje - todas as alternativas possíveis e praticáveis. Isso também é profundamente ético.
A alternativa à carne animal é a alimentação totalmente vegetal? Isso seria sustentável?
Alimentar 8 bilhões de pessoas − com todos os nutrientes indispensáveis − é um grande desafio. Mas é muito mais provável que tenha sucesso com alimentos e proteínas vegetais do que com proteínas animais. Trata-se obviamente de uma questão de encontrar as proporções certas. Eu não sou a favor da alternativa tudo ou nada.
Consideremos que, atualmente, um quarto, senão um terço, da produção de cereais é direcionada para a criação de animais destinados à alimentação humana: nessa passagem alimentar, são perdidas cerca de 70% das calorias que de outra forma poderiam sustentar, diretamente, as demandas alimentares dos homens e das mulheres deste planeta. Sem considerar o custo ambiental dessa etapa.
Fiquei profundamente impressionado, em minha consciência, ao saber, por exemplo, que o conteúdo dos primeiros navios graneleiros liberados na guerra da Ucrânia foram para fazendas de criação animal na Europa, e não para as pessoas famintas nos campos de refugiados da África.
Você pode dizer brevemente quais são os efeitos ambientais do consumo de carne animal?
São necessários cerca de 100 metros quadrados de terra cultivada para produzir um quilo de carne, enquanto são suficientes entre 3 e 9 metros quadrados para produzir um quilo de frutas ou verduras. Para produzir um quilo de carne são necessários cerca de 15.000 litros de água, enquanto para produzir um quilo de frutas ou de verdura são necessários entre 100 e 600 litros de água.
Mais ainda: para produzir um quilo de carne bovina, são emitidas na atmosfera quantidades de dióxido de carbono – gases de efeito estufa – até 500 vezes maiores do que as emitidas por uma quantidade similar de frutas e verduras, sem sequer considerar o benefício da captura de gás carbônico de parte das plantas para a fotossíntese.
Além disso, há o impacto ambiental produzido pelos dejetos animais a considerar.
Qual a importância das proteínas animais na alimentação humana? Poderíamos viver sem elas?
O organismo humano não pode prescindir de alguns aminoácidos essenciais. Os alimentos vegetais não suprem a necessidade desses aminoácidos. À população estritamente vegana, portanto, eu mesmo recomendo a integração dos aminoácidos dos quais são ou poderiam ser deficientes: mas é preciso dizer que são quantidades mínimas. Tanto é assim que o que recomendo aos veganos, não preciso recomendar aos vegetarianos: de fato, lacto-vegetarianos e os ovo-vegetarianos − ou seja, aqueles que consomem produtos como laticínios e ovos, mas não a carne − podem viver sem nenhum problema de saúde ligado à sua escolha alimentar. Uma atenção especial deve ser dedicada à alimentação durante as fases de crescimento. Mas, dito isso, qualquer nutricionista pode dizer que dá para viver muito bem mesmo sem consumir carne.
Na sua visão alimentar, também há uma consideração pela condição animal?
Certamente. Não sou um ativista ideológico dos direitos dos animais, mas a vida dos animais e, acima de tudo, as condições da vida dos animais nas fazendas de criação intensiva me preocupam. Como já disse, me impressiona e me incomoda ver animais amontoados em criadouros cada vez mais intensivos, onde a vida animal é considerada pura mercadoria: carne para ser consumida. Você nem precisa ir à China para ver cenas como essa. Também o "ponto de vista animal" é uma parte importante da grande questão ética que temos pela frente.
Estamos, portanto, diante de uma nova ética alimentar?
As novidades e potencialidades da pesquisa científica podem ajudar a sair da lógica antropocêntrica em que nos metemos. É cada vez mais evidente que o homem não é dono do meio em que vive, não pode se permitir explorá-lo além de certos limites e, sobretudo, não pode proceder sem se preocupar com o futuro. É necessária uma ética cientificamente fundamentada – e como! – e é fundamental. Tenho 75 anos, 2 filhos e 5 netos. Empenhando-me nessas questões, considero que estou trabalhando agora para o futuro deles: não apenas para um futuro melhor, mas para que haja um futuro que ainda seja humano.
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“Carne sintética”: as razões do “sim”. Entrevista com Giulio Marchesini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU