27 Março 2023
Difícil evitar um sorriso de canto de boca quando lemos alguém dizer que uma IA como o chatgpt apenas "finge saber".
O comentário é de Bruno Cava Rodrigues, publicado em sua página do Facebook, 23-03-2023.
Bruno é graduado em Engenharia pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA e em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, publicado por Rede Universidade Nômade - UniNomade, 19-03-2023. Autor de várias obras, além do livro A vida da moeda: crédito, imagens, confiança (MAUAD X, 2020), também publicou A multidão foi ao deserto (Annablume, 2013) e, com Alexandre Mendes, A constituição do comum (2017).
Primeiro, porque pragmaticamente, se os efeitos pretendidos forem os mesmos, pouco importa.
Imagine que se podem descarregar numa versão futura do bot as obras completas de Marx (e toda a bibliografia que ele leu ou poderia ter lido), depreendendo assim uma sintaxe e um estilo do modo como Marx decodificava o material e escrevia. E aí descarregar um milhão de livros de economia política desde a morte de Marx e, como o chatbot é multimodal, cem milhões de dados de econometria e bolsa de valores. E ordenar ao bot que escreva, sob o heterônimo Marx, Das Kapital para o século 21.
Esse experimento será possível em breve.
Já há um protótipo do que estou falando, com o duplo bot de debate entre Zizek e Herzog, rodando em modo contínuo.
Segundo, por um motivo mais sutil, que há mais no fingimento do que a simulação.
Fingir prazer não é uma via para o prazer?
Fingir a fé não é um traço intensivo dela (Pascal)?
O poeta não finge a dor que deveras sente?
A objeção do fingimento lembra o Platão anti-artista de 'A República': crítica das cópias e das cópias de cópias, em nome de ideias puras.
Terceiro, por um motivo ainda mais profundo, porque pressupõe o dualismo metafísico. Como no 'Discurso sobre o Método', de Descartes, haveria o mundo mecanicista dos corpos e forças, e o mundo anímico, lugar da alma e da linguagem.
É a crítica chomskyana: o aprendizado de máquina ficaria no mecanicismo, mas jamais ascenderia ao caráter anímico da experiência humana.
É a objeção teológica: as máquinas não têm alma.
Essa objeção, de que a IA seria apenas uma ferramenta ou razão instrumental, contorna todas as pesquisas da terceira onda da cibernética e a dita filosofia pós-estruturalista. Ou seja, contorna a Emergência.
Como se nós, os tais inteligentes, não fôssemos máquinas e não tivéssemos emergido de corpos acéfalos e processos biológicos, em última instância, da própria não-vida das forças ecológicas e geofísicas.
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ChatGPT, o algoritmo que finge saber. Comentário de Bruno Cava - Instituto Humanitas Unisinos - IHU