09 Março 2023
Uma das organizações representativas do povo indígena entrou com uma Ação Civil Pública contra o governo federal pedindo indenização por danos ambientais; ministra do Meio Ambiente esteve em Roraima e anunciou o segundo posto de fiscalização para evitar a invasão do Território Yanomami.
A reportagem é de Felipe Medeiros, publicada por Amazônia Real, 07-03-2023.
A Urihi Associação Yanomami pede 6,6 bilhões de reais como indenização por danos ambientais provocados pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY). Movida contra o governo federal, a Ação Civil Pública, que veio a público no sábado (4), aponta a falta de ações por parte do governo federal para combater a extração criminosa de ouro que resultou no desmatamento, na poluição dos rios, nas doenças e nas mortes de centenas de indígenas.
“A gente precisa que a União reveja esses danos. Então por isso a gente entra com essa ação, para cuidar do povo Yanomani”, explicou Junior Hekurari, presidente da Urihi e do Conselho Distrital de Saúde (Condisi-YY). Para Junior Hekurari, independente de quem esteja à frente da gestão do governo federal, se Jair Bolsonaro (PL) ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os estragos devem ser reparados, o que justifica uma indenização por danos ambientais causados à TIY.
Questionada pela Amazônia Real, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, reconheceu a importância de se recuperar o direito à vida para os Yanomami, mas que a destruição ambiental e social, vista lá do alto, é difícil de ser até contabilizada: “É um processo imensurável. A perda, digamos assim, da função para o povo indígena, do rio com seus peixes, com sua água limpa. Isso é um processo que é muito complexo para ser restaurado, recuperado, mas haverá também um esforço. Estamos buscando meios para fazer essa restauração”, disse, sem se referir ao pedido de indenização por danos ambientais.
O líder indígena Davi Kopenawa Yanomami alertou que o mercúrio contamina por completo o rio Branco, de onde sai a maior parte da água consumida em direção a Boa Vista, capital de Roraima. “Destruíram nossa fonte. A água que a gente toma aqui no rio Branco é água que sai lá no montanha [Terra Yanomami]. A água nunca vai ficar boa como antigamente”, resumiu.
Marina Silva, que esteve em Roraima para acompanhar as ações de combate ao garimpo ilegal, informou que a descontaminação da água da região de garimpo é uma atividade muito complexa. A contaminação se dá no rio e também nos solos onde é depositado o mercúrio. A ministra lembra que o produto tóxico que vai parar nos peixes é extremamente perigoso, porque contamina diretamente o sistema nervoso central de qualquer pessoa que come do pescado.
“Mas nós acionamos uma força-tarefa para o Programa das Nações Unidas para o meio ambiente e estamos também nos articulando com instituições dos Estados Unidos para buscar caminhos para essa descontaminação. É uma engenharia bem complexa, repito, e que o que fizermos nunca será na magnitude do tamanho do dado feito”, explicou a ministra.
O valor da indenização por danos ambientais de 6,6 bilhões de reais pode até soar estratosférico, mas pouco se comparado aos estragos deixados pelo garimpo ilegal. “É a degradação ambiental, é a degradação econômica da riqueza natural dos povos indígenas, mas é também na destruição de vidas, de mulheres que foram violentadas, de pessoas que foram assassinadas, de crianças que morreram. É algo que não tem como ser reparado, mas pode ser estancado. E é isso que o presidente Lula está comprometido em fazer”, explicou Marina.
A indenização por danos ambientais, por enquanto, é uma reivindicação da Urihi Associação Yanomami, e não conta, por enquanto, com o apoio de outras entidades representativas, como a Hutukara Associação Yanomami (HAY), presidida por Davi Kopenawa, principal líder de seu povo.
Ministra Marina Silva e Davi Kopenawa Yanomami em coletiva de imprensa, na Superintendência do Ibama, no último dia 4, em Boa Vista. (Foto: Felipe Medeiros | Amazônia Real)
Uma semana após o ataque a agentes de fiscalização do Ibama, Marina Silva sobrevoou a TIY e visitou a base atacada de Palimiú, no Rio Uraricoera, e a região de Surucucu. Garimpeiros tentavam fugir da TIY, quando partiram para o ataque. Um garimpeiro ficou ferido. A ministra anunciou, em coletiva em Boa Vista, um novo ponto de fiscalização fluvial, este no rio Mucajaí. “A gente espera com isso fechar mais uma porta de entrada para o garimpo ilegal, fechar a porta de entrada para o garimpo ilegal por meio fluvial”, contou Rodrigo Agostinho, novo presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Além de Marina e Agostinho, a comitiva contou com a presença do diretor de proteção ambiental do órgão, Rio Uraricoera; o superintendente do Ibama em Roraima, Diego Bueno; a coordenadora da Frente de Proteção EtnoAmbiental Yanomami e Ye’kuana da Fundação Nacional do Índio (Funai), Elaine Maciel e Davi Kopenawa.
A ideia das autoridades à frente da operação composta por órgãos do governo federal e das Forças Armadas é “estrangular a logística de suprimento ao garimpo”, reforçou Diego Bueno. Ele informou que os agentes estão orientados a “impedir que a logística de combustível, de alimento, de suprimentos, materiais, equipamentos, seja transportado até o garimpo na terra indígena através dos rios, os dois principais rios que dão acesso a terra indígena hoje, que é o rio Uraricoera e o rio Mucajaí”.
O superintendente fez um alerta: “Aqueles garimpeiros que insistem em ficar dentro da terra indígena, o recado para eles é que vão para as suas casas e encontrem outras atividades para trabalhar, porque o garimpo na Terra Indígena Yanomami vai ser contido.”
A comitiva pediu apoio da sociedade brasileira e de Roraima para combater o garimpo ilegal e preservar o meio ambiente. Segundo a ministra Marina Silva, o governo federal tem investigado os financiadores deste crime. “A Constituição proíbe o garimpo criminoso nas terras indígenas, está do lado dos direitos humanos, da vida, da proteção à vida. A vida é mais importante do que o ouro. E aonde eu vou, fora do Brasil, eu tenho dito. Disse recentemente lá na Suíça que muita gente pode estar se adornando com ouro a custo de sangue, muita gente pode estar se adornando com ouro a custo de vida, de violência e muita gente que financia essa infraestrutura precisa pagar o preço.” A série de reportagens Ouro do Sangue Yanomami, publicada em junho de 2021 pela Amazônia Real e a Repórter Brasil, rastreou justamente o funcionamento dessa cadeia criminosa do ouro ilegal.
A Operação Yanomami, um dos primeiros atos do governo Lula, completou 30 dias. O Ibama apreendeu 19 toneladas de cassiterita, destruiu três aviões, um trator, 15 barcos foram destruídos, meio quilo de ouro, além da apreensão de carros. Mas os órgãos federais ainda não informam quantos garimpeiros já saíram da TIY e tampouco quantos faltam sair. Segundo a comitiva, o período com muitas nuvens carregadas dificulta o controle e o acompanhamento do desmatamento na região do garimpo ilegal.
A ministra informou que recursos do Fundo Amazônia devem ser utilizados para reparação da Terra Yanomami, mas não explicou quanto, a partir de quando ou como será feita essa recuperação. “Já estão sendo viabilizados alguns projetos que foram parados durante o governo Bolsonaro, 14 projetos. Na última reunião do Fundo Amazônia, o Conselho do Fundo, o Cofa, que eu presido, juntamente com a sociedade civil, o representante das comunidades, da comunidade científica, nós aprovamos priorizar projetos emergenciais para socorro ao povo Yanomami. Na área de segurança alimentar, na área de sustentação das pessoas para os aspectos voltados para a saúde e a proteção de seus territórios”, disse.
Manifestantes durante a coletiva de marina Silva em Boa Vista. (Foto: Felipe Medeiros | Amazônia Real)
Movimentos sociais e a militância do Partido dos Trabalhadores (PT) aproveitaram a visita de Marina Silva a Roraima para pedir apoio ao nome que indicam para a superintendência do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Há rumores de que o próximo superintendente do órgão seja alguém ligado a políticos roraimenses que, no cenário nacional, fazem parte do Centrão, e estão envolvidos no escândalo do garimpo ilegal.
Os movimentos sociais tentam emplacar o nome do antropólogo e servidor de carreira do Incra, José da Guia Marques, e rechaçam o nome de Pedro Paulino Soares, que também é servidor do Incra, mas é indicação do deputado federal Francisco Albuquerque (Republicanos). Paulino Soares tem o aval da cúpula do PT em Roraima, o que provocou o racha com a militância partidária.
Albuquerque é do mesmo partido e ligado ao senador Mecias de Jesus (Republicanos), responsável pelas indicações dos últimos três coordenadores do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami. Foi na gestão deles que a saúde dos indígenas na área Yanomami se agravou. Eles também respondem a diversas acusações, como desvio de medicamentos destinados para os indígenas.
Os manifestantes contrários à indicação de nomes pró-garimpo foram até a sede do Ibama em Boa Vista com cartazes com frases “Fora garimpo” e “Todo apoio ao Da Guia, Marina Silva”. Mais tarde, a ministra os recebeu no hotel onde estava hospedada. Durante a coletiva, ela disse que a orientação do presidente Lula é a de que os “cargos sejam dados para pessoas que tenham capacidade técnica, responsabilidade e compromisso técnico com as agendas”.
Durante o encontro com a ministra, os representantes dos movimentos sociais entregaram um manifesto de apoio ao nome indicado pelos Movimento sem Terra (MST), Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Boa Vista (STRBV) e Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras de Roraima (Fetraferr), com o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Um documento foi criado para repudiar a indicação dos Republicanos e encaminhado ao ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira. Destacam ainda que a iniciativa está relacionada “à preocupação com os rumos do Incra, que é um órgão federal considerado estratégico para quem defende a implementação de uma reforma agrária justa e o fortalecimento da agricultura familiar.”
O antropólogo José da Guia Marques é servidor efetivo do Incra desde 2006. É Analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário, com Habilitação em Antropologia. Como servidor do Incra, nesses 16 anos realizou pesquisas científicas de campo e produziu laudos antropológicos visando a regularização fundiária de Territórios Quilombolas.
Produziu laudos antropológicos sobre diferentes quilombos do Brasil, sendo 1 no Tocantins, 1 no Pará, 2 no Amapá, 1 no Piauí e 15 no Ceará. Tem experiência de trabalho com gestão pública e privada. É graduado em Ciências Sociais, com habilitação em Antropologia, e mestre em Antropologia Social, todos os títulos pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). É filiado e militante do Partido dos Trabalhadores, além de ser parceiro e amigo dos Movimentos Sociais do Campo em Roraima.
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Yanomami pedem 6,6 bilhões de reais de indenização por garimpo ilegal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU