27 Fevereiro 2023
Foram quatro mortes desde sábado; doenças e mortes se agravaram no território, tendo como principal causa o garimpo ilegal. Desde o final de janeiro, o governo federal realiza operações de apoio aos indígenas.
A reportagem é de Elaíze Farias, publicada por Amazônia Real, 22-02-2023.
Quatro indígenas Yanomami que estavam internados no Hospital Geral do Estado de Roraima (HGE) morreram entre sábado (18) e segunda-feira (20). Os corpos foram transportados em caixões nesta terça (21) para a terra indígena: três foram para a região de Auaris e outro para a região de Surucucu. São três mulheres adultas e um jovem de 16 anos que havia sido internado com malária no hospital em Boa Vista no dia 15 de fevereiro em estado grave. O rapaz pesava 36 quilos.
O Ministério da Saúde informou que uma segunda morte foi causada por Doença Renal Crônica e a terceira por pneumonia bacteriana. A quarta morte está em fase de investigação e qualificação pela equipe do hospital.
Conforme o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, os corpos chegaram nas comunidades na manhã desta quarta e foram recebidos com muita tristeza pelos parentes. Eles foram retirados do caixão para ser cremados, conforme os ritos funerários do povo Yanomami, chamados de “Reahu”.
“Agora, eles estão sendo cremados. O pessoal já está cremando. Quando chegaram todos ficaram surpreendidos. Foi um impacto muito grande, choraram bastante”, disse Júnior Hekurari, que está em Surucucu.
A morte do jovem de 16 anos causou comoção na médica Gabriela Mafra, que lhe acompanhou durante todo o tratamento. Nesta quarta, ela contou como se deu o resgate do jovem, que começou no subpolo da região de Auaris, indo até o polo base de Surucucu e finalmente, Boa Vista. Segundo a médica, ao chegar em Surucucu, o estado do rapaz já estava crítico.
Indígena sendo transportado durante a Operação Escudo Yanomami da FAB. (Foto: Sargento Lucas Nunes | FAB)
“Soubemos que o familiar que foi até o posto de saúde para avisar que havia paciente grave na comunidade caminhou dias para conseguir entregar o recado. Assim que a equipe do polo foi informada do caso, os responsáveis pela logística de resgate já enviaram um helicóptero. Porém, era o último horário possível de resgate e quando ele chegou no Surucucu já não tínhamos mais tempo de encaminhá-lo para Boa Vista” (naquele dia), conta a médica, em entrevista à Amazônia Real.
Gabriela Mafra disse que o jovem foi diagnosticado com um tipo de malária que afeta a parte neurológica, se não for tratada. Ele foi entubado para aguardar a remoção para Boa Vista no dia seguinte, em um aeromédico com ventilação mecânica, com apoio do Pelotão de Fronteira do Exército.
“Passamos a noite monitorando os sinais vitais e torcendo para que o dia chegasse logo e a chuva da madrugada passasse”, conta a médica. Mesmo com o dia nublado, a aeronave decolou.
“Estávamos todos felizes e realizados por termos conseguido entubar e manter com vida um paciente tão grave. Porém, ontem fui informada que ele não resistiu e foi a óbito no hospital”, conta Gabriela.
Nesta quarta-feira completou um mês do estado de emergência decretado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para resolver a crise humanitária entre os Yanomami, cuja principal causa é a atividade ilegal de garimpo, que se intensificou nos últimos quatro anos com Jair Bolsonaro (PL). As ações incluem retirada dos garimpeiros do território indígena e atenção de saúde e sanitária emergencial aos indígenas doentes. Os casos mais graves são atendidos no Hospital Geral de Roraima, de alta e média complexidade. A unidade de saúde pertence ao governo do estado.
De acordo com o último informe oficial do Ministério da Saúde divulgado no site do órgão, entre 1º de janeiro e 17 de fevereiro, havia 69 indígenas Yanomami internados no Hospital Geral de Roraima.
Na noite desta quarta, após a publicação desta matéria, o Ministério da Saúde atualizou o sexo dos pacientes que vieram a óbito e informou que entre adultos Yanomami com quadros mais graves, 11 seguem internados no Hospital Geral de Roraima, sendo que um deles está na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
No hospital de campanha, das Forças Armadas, foram atendidos neste período 1.373 Yanomami de 25 de janeiro a 16 de fevereiro; nos Polos Bases, dentro da Terra Indígena, 1.964 indígenas atendidos de 17 de janeiro a 15 de fevereiro; e no Hospital da Criança, 1.367, de 28 de janeiro a 16 de fevereiro.
O informe do Ministério da Saúde não traz dados sobre óbitos entre os Yanomami registrados em 2023. A Amazônia Real procurou a Assessoria de Imprensa do órgão e solicitou informações oficiais sobre óbitos em 2023, incluindo os ocorridos antes do decreto do dia 21 de janeiro. Também solicitou dados atualizados de internações de indígenas em situação grave e demais atendimentos em outras unidades de saúde e aguarda a resposta.
A Amazônia Real apurou que já houve mortes tanto dentro da Terra Indígena quanto em pacientes hospitalizados neste ano. “Já houve muitas mortes, eu só não sei o número”, confirmou Júnior Hekurari.
Ao menos duas mortes foram divulgadas na imprensa neste ano, de forma extraoficial. Uma delas foi uma mulher de 33 anos que estava hospitalizada no Hospital Geral, conforme reportagem do G1 Roraima, do dia 28 de janeiro. O Condisi-YY também confirmou a morte de um menino de 9 anos e de uma liderança indígena da comunidade Komatha, na região de Surucucu. Os dois seriam removidos para Boa Vista, de avião, mas morreram antes da chegada do transporte.
O Hospital da Criança Santo Antônio, vinculado ao município de Boa Vista, disse que três crianças morreram em janeiro na unidade, sendo duas delas Yanomami. Naquele mês, segundo o hospital, foram atendidas 219 crianças indígenas; 101 do povo Yanomami.
Em nota divulgada nesta quarta-feira (22), a prefeitura de Boa Vista informou que há 56 crianças indígenas internadas na unidade de saúde. Destas, 46 são Yanomami. Duas seguem na UTI do hospital. As principais causas dessas internações são: doença diarreica aguda, gastroenterocolite aguda, desnutrição, desnutrição grave, pneumonia, acidente ofídico e malária.
Caixões com os corpos dos Yanomami sendo transportados de volta para às aldeias na Terra Indígena Yanomami. (Foto: Reprodução Condisi | YY)
No dia 7 de fevereiro, o Ministério da Saúde divulgou um relatório preliminar no qual trazia o que considera “os principais problemas encontrados foram estruturas de atendimento em condições precárias, falta de profissionais e uma desassistência generalizada”. As mortes mais recentes notificadas no relatório foram de três crianças, ocorridas em dezembro de 2022. As principais causas de mortes entre os Yanomami segundo o relatório, são malária, pneumonia, desnutrição e acidente com animais peçonhentos.
Conforme o relatório, entre 2018 e 2022, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) registrou 1.285 óbitos na TI Yanomami. O maior número foi em 2020, quando foram registrados 332 óbitos. O documento não informa a causa das mortes naquele. Ano passado, foram 209 mortes notificadas pelo órgao. O relatório informa ainda que nos últimos quatro anos o número de casos de malária passou de 9.928 em 2018 para 20.393. Um aumento de mais de 105%
Na semana passada, a reportagem da Amazônia Real esteve no Hospital Geral de Roraima. A diretora do Núcleo de Saúde Indígena do Hospital, Patrícia Oliveira, que é indígena do povo Macuxi, disse que este ano, houve um aumento de 70% do fluxo de pacientes indígenas em relação a 2022 – a maioria Yanomami. Na ocasião, havia 32 indígenas internados, sendo que 12 eram Yanomami. Dois deles estavam na UTI.
No entanto, segundo Patrícia, o aumento de atendimentos “já era esperado” devido à gravidade cada vez mais crescente da saúde dos indígenas deste povo.
“Eu falei para meus superiores sobre essa possibilidade [de aumentar]. Todos já sabíamos, apenas não tinha visibilidade. Quando estoura essa demanda, essa explosão de casos, gera essa crise emergencial. Não foi surpresa. Foi evidência de fatos que já existiam”, diz ela, lembrando outros picos de demandas.
Patrícia, que é enfermeira de formação, com especialidade em saúde mental indígena, assumiu a direção da atenção aos indígenas há seis meses. Segundo ela, foram tomadas medidas de adaptação para esse grupo, sobretudo os Yanomami, como redes, em vez de camas, e uma alimentação aproximada da que eles estão acostumados em sua cultura e cosmologia. Há pelo menos dois intérpretes para ajudar na comunicação.
No hospital, a maioria dos casos é de malária, desnutrição, mas também há pacientes com diabetes, doença que passou a ser identificada especialmente após o contato com garimpeiros, que oferecem refrigerante e até comida processada, como linguiça calabresa, aos Yanomami.
Um dos pacientes internados é um rapaz que levou um tiro de garimpeiros no abdômen no início de fevereiro; sua identificação não vai ser revelada nesta reportagem. Com uma aparência bem mais jovem para seus pretensos 27 anos, conforme consta em seu documento, o rapaz estava, até o início da semana passada, se recuperando e prestes a ter alta.
No dia em que a reportagem esteve no quarto onde o jovem estava internado, ele aparentava apreensão, mas indicava recuperação. Segundo seu irmão e acompanhante no hospital, o rapaz estava caminhando em seu território, que fica na região de Homoxi, com mais três jovens Yanomami, quando foram abordados por garimpeiros que, supostamente, fugiam da terra indígena após o início da operação de desintrusão.
“Eles foram atravessar, mas o garimpeiro tinha proibido a passagem deles. Eles quiseram passar, e deram [os garimpeiros] tiros nos três. Um morreu na hora. Outro sobreviveu e não precisou ser transferido”, disse o irmão do paciente, com ajuda de intérprete. Segundo Patrícia Oliveira, o jovem Yanomami não corre risco de morrer.
A Amazônia Real procurou a Assessoria de Comunicação do governo de Roraima para saber se o paciente que levou o tiro já recebeu alta ou não, mas ainda não teve retorno. Também solicitou dados atualizados sobre número de pacientes indígenas internados. Assim que o governo responder, os dados serão adicionados na reportagem.
Esta matéria foi atualizada para acrescentar informações enviadas pela Prefeitura de Boa Vista sobre internações no Hospital da Criança. Também foi atualizada para corrigir o sexo dos Yanomami que vieram a óbito. Diferente do que foi informado por Júnior Yanomami na manhã desta quarta, o Ministério da Saúde disse que eram três mulheres e um homem (o rapaz de 16 anos).
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Yanomami internados em Boa Vista morrem de malária e desnutrição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU