24 Fevereiro 2023
"Três senadores que compõem a Comissão são de Roraima e têm envolvimento explícito na defesa do garimpo dentro da TI Yanomami", alerta o Conselho Indigenista Missionário - Cimi, em nota publicada em seu portal, 23-02-2023.
O Senado Federal criou no passado dia 15 de fevereiro uma Comissão Externa Temporária para acompanhamento da grave situação na Terra Indígena (TI) Yanomami, que contou com o apoio insistente dos três senadores do estado de Roraima. A composição da Comissão é a seguinte: Chico Rodrigues (PSB/RR), presidente da Comissão; Eliziane Gama (PSD/MA), vice-presidenta; Hiran Gonçalves (PP/RR), relator; Humberto Costa (PT/PE); e Mecias de Jesus (Republicanos/RR).
A maioria formada pelos três Senadores de Roraima deslegitima e desvirtua a missão da Comissão Externa devido ao envolvimento explícito deles na defesa do garimpo dentro da TI Yanomami, atividade criminosa cujas consequências e impactos ficaram evidentes para toda a sociedade brasileira. Mais do que falar do eventual conflito de interesses, resulta em evidências de que há intenção espúria por parte destes parlamentares de utilizar um mecanismo de controle e acompanhamento do Poder Legislativo para, com ele, defender a manutenção do garimpo como solução.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) se une às manifestações das organizações indígenas e repudia a presença destes parlamentares na Comissão Externa, considerando-o um escárnio e um desrespeito aos povos indígenas, pelo que solicitamos que sejam adotadas as medidas necessárias para a recomposição da Comissão ou, inclusive, para reconduzir ou reconsiderar a própria iniciativa para evitar que um mecanismo importante seja instrumentalizado a serviço de interesses contrários à sua própria missão, o que contribuiria ao descrédito sobre estas diligências.
O Senador Chico Rodrigues (PSB/RR) já foi acusado de ser dono de aeronaves que atuavam a serviço do garimpo na TI Yanomami. Ele gravou um vídeo de si mesmo em um garimpo dentro da TI Raposa Serra do Sol e o fez circular em redes sociais, configurando ato em flagrante de conluio com invasão e exploração ilegal de ouro dentro de terras indígenas. Este Senador ganhou repercussão nacional quando foi surpreendido em outubro de 2020, durante operação policial na casa dele, com um valor de R$ 33.000,00 que tentava esconder dentro de sua cueca. Na mesma operação da Polícia Federal, foi apreendida uma pedra, supostamente caracterizada como pepita de ouro, encontrada no cofre do quarto do senador. Na época, Chico Rodrigues era vice-líder do governo Bolsonaro no Senado.
A ausência de moralidade deste parlamentar já o torna incompatível com a dignidade que deve acompanhar o cargo de Senador da República. Particularmente, com relação à sua posição sobre o garimpo e sobre os povos indígenas, está absolutamente deslegitimado para compor e, muito menos, presidir uma Comissão Externa cujo objetivo é acompanhar a situação do povo Yanomami. Uma vez nomeado presidente da Comissão, declarou publicamente que o povo Yanomami é a “última etnia do planeta no século 21 que ainda é primitiva, totalmente primitiva”, demostrando absoluto desconhecimento, preconceito, racismo e discriminação. Dias depois, Chico Rodrigues foi surpreendido sobrevoando a região e pousando na região de Surucucu antes do início das atividades da Comissão, o que já provocou uma atuação do Ministério Público Federal.
O Senador Hiran Gonçalves (PP/RR), relator da nova Comissão, já mostrou em diversos momentos sua hostilidade e inimizade com os povos indígenas de Roraima. Defensor do PL 490/2007, que pretende alterar de forma inconstitucional os procedimentos de demarcação de terras indígenas, Hiran Gonçalves manifestou durante sessão da Comissão de Constituição e Justiça – CCJ, em junho de 2021, que os povos indígenas eram “empecilho para o desenvolvimento do estado de Roraima”.
Por fim, o Senador Mecias de Jesus (Republicanos/RR), pai do deputado federal Johnatan de Jesus, é ferrenho defensor da regularização do garimpo dentro das terras indígenas, como manifestou durante Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal em abril de 2022. Autor do Projeto de Lei 1331/2022, que dispõe sobre a pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas homologadas ou em processo de demarcação, Mecias de Jesus já declarou ser contrário também à destruição das máquinas autuadas em serviço ilícito no garimpo. Ele foi também relacionado com a indicação política de vários dos últimos coordenadores do Distrito de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana, com os resultados já conhecidos de absoluto desmantelamento e gestão escura da política de atendimento à saúde destes povos, causando a morte de crianças, mulheres, idosos e adultos Yanomami, por doenças consideradas tratáveis.
Deve ser lembrado que a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal já aprovou e constituiu uma Diligência Externa em maio de 2022 para acompanhamento da situação na TI Yanomami após denúncias de graves violências contra os povos Yanomami e Ye’kuana. Apesar da interferência do Senador Chico Rodrigues, que acompanhou a Diligência in loco e afirmou, cinicamente, que não encontrava nenhuma violação dos direitos humanos dos povos Yanomami e Ye’kuana, a Comissão concluiu seus trabalhos com um Relatório contundente em que declarava:
“Durante os trabalhos da COMISSÃO EXTERNA PARA ACOMPANHAR A SITUAÇÃO DO POVO YANOMAMI DA REGIÃO WAIKÁS – CEXWAIKA, foi possível constatar a verdadeira tragédia humanitária a ocorrer no território Yanomami, tragédia essa, fruto da invasão para a prática do garimpo ilegal. Não há dúvidas de que a atividade garimpeira é incompatível com os territórios tradicionais, na medida em que destrói tudo aquilo que os indígenas precisam para sobreviver, gerando intensa desestruturação social”.
Consideramos, em definitivo, que a manutenção da recente Comissão Externa Temporária, com a atual composição, mancha a imagem do Senado e do Congresso Nacional e os coloca na contramão do necessário esforço coletivo de todas as instituições democráticas para atender a gravíssima situação na TI Yanomami e recuperar políticas públicas fundamentais destruídas durante o governo anterior.
Continuamos acompanhando as medidas emergenciais adotadas pelo Governo Federal na TI Yanomami e aguardamos sua efetividade na desintrusão do garimpo, o monitoramento e impedimento dos deslocamentos de grupos de garimpeiros em direção a outros territórios indígenas e a apuração dos crimes cometidos contra os povos Yanomami e Ye’kuana. Esperamos igualmente que os inquéritos abertos consigam chegar aos agentes públicos e privados envolvidos no financiamento do garimpo e na lavagem do material extraído. Reforçamos, entretanto, que a apuração dos crimes contra os povos Yanomami e Ye’kuana na TI Yanomami deverá conduzir à responsabilização de todas as autoridades que, no exercício de suas funções públicas de governo, omitiram-se ou favoreceram intencionalmente a manutenção do garimpo e do abandono no atendimento à saúde, evidenciado durante os últimos cinco anos, vetores que se aliaram para gerar condições de genocídio, comprometendo a sobrevivência física e cultural destes povos.
Manifestamos, por fim, nossa solidariedade e compromisso com todos os povos indígenas do Brasil cujos territórios continuam assediados pelo garimpo, a extração ilegal de madeira, a caça e pesca ilegais, o arrendamento, os impactos dos grandes empreendimentos e todo tipo de invasão e exploração ilegal de seus territórios.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
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Cimi pede recomposição da Comissão Externa Temporária de acompanhamento à situação do povo Yanomami - Instituto Humanitas Unisinos - IHU