24 Fevereiro 2023
Em 30 anos, o país perdeu 1,5 milhão de hectares de superfície de água. O Pampa gaúcho registrou queda de 1,7% na superfície de água em 2022; em relação à média, a pior marca na série histórica.
A reportagem é de César Fraga, publicada por Extra Classe, 16-02-2023.
Brasil ganhou 1,7 milhão de hectares de água em 2022, mas continua secando. Esta é a conclusão do relatório A dinâmica da superfície de água no Brasil divulgado pelo MapBiomas, que reúne ONGs e empresas de tecnologia no monitoramento dos recursos naturais brasileiros. Ou seja, 2022 foi um ano bom, mas não recupera e evolução histórica das perdas registradas nas últimas três décadas, nem indica uma mudança de cenário.
De acordo com o estudo, apesar do ganho no volume de água, o Brasil continua perdendo em superfície hídrica. Nos últimos 30 anos, o país perdeu 1,5 milhão de hectares de superfície de água.
O Pampa gaúcho é uma das áreas afetadas. O bioma registrou queda de 1,7% na superfície de água, em 2022, em relação à média, alcançando a menor área de superfície hídrica de toda a série histórica.
Juliano Schirmbeck, que é coordenador técnico do MapBiomas Água, explicou o fenômeno ao Extra Classe. “Vale começar destacando que o monitoramento da superfície de água é o monitoramento de um fenômeno cíclico, onde temos variações dentro de um determinado ano, com meses mais secos e outros mais úmidos, assim como temos variações entre os anos. A variação da superfície de água é uma resposta ao regime de precipitação, das chuvas”, detalha.
“Podemos relatar uma série de fatores associados à redução das chuvas, dentre as quais, as mudanças climáticas que nos trazem cada vez mais eventos extremos mais pronunciados, maiores eventos de secas e maiores eventos de inundação. Podemos também relacionar mudanças no padrão de precipitação em função do desmatamento na Amazônia”, diz.
O coordenador argumenta que o regime de precipitação da maior parte do Brasil é regido pelos ditos ‘rios voadores’, que consistem no serviço ecológico da floresta de jogar para atmosfera o vapor de água pelo processo de evapotranspiração, esse vapor é levado por ventos de altitude que se chocam com a Cordilheira dos Andes e desviam em direção à região central e sul do Brasil. “Estamos passando por um evento de La Ninha, bem pronunciado, que influencia no regime de precipitação do Brasil, reduzindo chuvas no sul do país e aumentando na parte central e norte”.
O Bioma Pampa aparece em uma situação particular em 2022, quando foi observada a menor superfície de água em toda a série histórica. O sul do Brasil se caracteriza por um regime de precipitação no qual chove todos os meses do ano, porém, com certa frequência se observam estiagens prolongadas no período de verão e a sequência de anos com estiagem levou o bioma, “bem como o estado do Rio Grande do Sul, à redução da superfície. A mudança no cenário de 2021 para 2022, de fato, gera um alento, mas não colocaria como motivo de comemoração, estamos observando uma redução quase que constante na superfície de água no Brasil, desde 2013, tivemos os 10 anos mais secos da série histórica, com menos superfície de água”, pondera.
Fonte: MapBopmas
O dado positivo é que o que no ano passado a superfície de água no país ficou 1,5% acima da média da série histórica, que tem início em 1985, ocupando 18,22 milhões de hectares, ou 2% do território nacional. Houve uma recuperação de 1,7 milhão de hectares (10%) em relação a 2021, ano de menor superfície na série histórica. O ano passado foi o primeiro, desde 2013, em que a superfície de água no Brasil ultrapassou a barreira dos 16 milhões de hectares. Ao todo, o país ainda tem em torno de 6% da superfície e 12% do volume de toda a água doce do planeta.
Em 2022, a superfície de água anual do Pantanal aumentou pela primeira vez desde 2018. Apesar disso, o bioma ainda passa por um período seco: a diferença da superfície de água com a média da série histórica é de 60,1%. Se o Pampa registrou perda de superfície de água, todos os demais biomas ganharam superfície de água em 2022: Cerrado (+11,1%), Amazônia (+6,2%), Caatinga (+4,9%) e Mata Atlântica (+1,9%).
Entre os estados, Mato Grosso (-48%), Mato Grosso do Sul (-23%) e Paraíba (-12%) também vão na contramão do ganho de superfície de água registrado na maioria dos estados em 2022. A superfície de água em reservatórios oficiais (monitorados pela Agência Nacional de Águas, ANA) em 2022 também foi a maior dos últimos dez anos: 3.184.448 ha, 12% a mais que a média da série histórica. Eles respondem por 22% da superfície de água no Brasil; os outros 78% são rios e lagos e pequenas represas.
“Apesar do sinal de recuperação que 2022 representou, a série histórica aponta para uma tendência predominante de redução da superfície de água no Brasil”, alerta Carlos Souza, coordenador do mapeamento do MapBiomas.
“Todos os anos mais secos da série histórica do MapBiomas ocorreram nesta e na última década. O intervalo entre 2013 e 2021 engloba os 10 anos com menor superfície de água, o que torna essa última década a mais crítica da série histórica”, destaca.
Todos os biomas perderam superfície de água entre 1985 e 2022, com destaque para o Pantanal, onde a retração foi de 81,7%. Em segundo lugar vem a Caatinga, que já é o bioma mais seco do país e que perdeu quase um quinto de sua superfície de água (19,1%). Mata Atlântica (-5,7%), Amazônia (-5,5%), Pampa (-3,6%) e Cerrado (-2,6%) também ficaram mais secos. A redução do Pantanal fez com que Mato Grosso do Sul ocupasse a liderança entre os estados com maior perda de superfície de água. A retração de superfície de água foi de 781.691 hectares, ou 57%.
Mais de dois terços (70%) dos municípios brasileiros tiveram redução de superfície de água nas últimas três décadas. Os municípios com maiores percentuais de redução são Corumbá (MS), Cáceres (MT), Poconé (MT), Aquidauana (MS) e Vila Bela da Santíssima Trindade (MT).
A tendência de perda de superfície de água foi notada na maioria das bacias e regiões hidrográficas do país. Quase três em cada quatro sub-bacias hidrográficas (71%) perderam superfície de água nas últimas três décadas. E mesmo com o aumento geral da superfície de água no país em 2022, um terço (33%) delas ficaram abaixo da média histórica no ano passado.
Em alguns casos, como o da bacia do Araguaia-Tocantins, o ganho de superfície de água está associado a hidrelétrica.
As regiões hidrográficas que mais perderam superfície de água na série histórica do MapBiomas foram Paraguai (-591 mil hectares), Atlântico Sul (-21,4 mil hectares) e Atlântico Nordeste Oriental (-4,8 mil hectares). Já as bacias Atlântico Nordeste Oriental (+65,8 mil hectares), São Francisco (+61,8 mil hectares) e Paraná (+39 mil hectares) tiveram ganho de superfície de água.
Após o ano 2000 há maior variabilidade intra-anual. De 2017 a 2020, por exemplo, sete em cada 12 meses do ano ficaram abaixo da média anual. Mais uma vez, 2022 foi uma exceção: todos os meses do ano passado tiveram acréscimo na superfície de água em relação a 2021, em média 10%. Os meses de dezembro a julho permaneceram acima da média histórica mensal, enquanto o período entre agosto a novembro ficou abaixo.
Para visualizar os dados, acesse aqui.
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O MapBiomas é iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, métodos e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa: mapbiomas.org. A rede MapBiomas ampliou-se para outras regiões e países como na Amazônia, Chaco, Mata Atlântica, Pampa Sul-americano e Indonésia. Também gera outros produtos como MapBiomas Alerta, MapBiomas Fogo e MapBiomas Água.
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O Brasil está secando - Instituto Humanitas Unisinos - IHU