09 Fevereiro 2023
"Tirem as mãos da África!" O slogan, gritado pelo Papa Francisco por ocasião de seu encontro com as autoridades e a sociedade civil, logo que chegou a Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, em 31 de janeiro passado, sintetiza com certo vigor o sentimento daquela que poderia ser sua viagem mais geopolítica.
A reportagem é de Luca Attanasi, publicado por Domani, 08-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Adiada de julho por problemas de saúde, a visita de Bergoglio ao Congo e ao Sudão do Sul ocorreu em um momento particularmente delicado para os dois países. No grande Estado centro-africano, assolado pela instabilidade política e pela pobreza endêmica – embora seja o mais rico em matérias-primas do mundo – pesa a dramática situação do leste onde atuam mais de 100 milícias e ocorrem massacres, assassinatos, sequestros todos os dias.
No país mais jovem do mundo, por outro lado, apesar da assinatura do Acordo Revitalizado em 2018, que trouxe uma relativa paz entre a facção leal ao presidente Salva Kiir e a do vice Riek Machar, ainda existem vários e dramáticos focos de guerra que, juntamente com secas e inundações, causaram 2,2 milhões de deslocados internos e 2,3 milhões externos numa população de 11,5 milhões.
Nessa passagem pelo coração da África, a mais empobrecida e sofrida, o Papa, além da evidente dimensão pastoral, deu imediatamente a impressão de querer atacar os temas políticos.
Com os seus apelos aos que continuam a sangrar o continente – “Parem de sufocar a África: não é uma mina a explorar nem um solo a saquear. Parem de enriquecer com o dinheiro sujo de sangue” – tocou num dos principais temas que explicam a situação de subdesenvolvimento em que ainda se encontram muitos países africanos.
A grande maioria deles, de fato, possui infinitos recursos e riquezas que poderiam permitir que as populações vivessem em bem-estar e paz por milênios. Pela perpetrada exploração operada pela Europa e por novos atores, em perfeita continuidade com o colonialismo, não só os africanos não se beneficiam plenamente como se tornam vítimas dos apetites predatórios externos.
O caso mais emblemático é justamente o Congo. Desde sempre abençoado por recursos que o mundo precisa – borracha quando havia necessidade de borracha, ouro, diamantes, cobre, mais recentemente coltan e cobalto (no Congo estão 70% dos recursos do planeta, ndr), abençoado pela maior floresta tropical do mundo e por belezas e parques naturais únicos no planeta, continua sendo um dos países mais empobrecidos (70% dos congoleses vivem abaixo da linha da pobreza, uma em cada três pessoas passa fome) e amaldiçoa seus recursos, arautos de conflitos gravíssimos.
Contra a indiferença, "Santidade", disse uma menina durante o encontro com os sobreviventes das guerras de Kivu e Ituri, colo"co debaixo do altar um punhal, a arma que exterminou toda a minha família diante dos meus olhos e que os rebeldes me entregaram pedindo-me para dá-lo ao exército".
O confronto com as vítimas de 1º de fevereiro foi, sem dúvida, o coração da primeira parte da viagem papal, jogou ele, sua comitiva e a mídia dentro da terrível crueldade da guerra, naquele "genocídio esquecido que a República Democrática do Congo está sofrendo" que causou cerca de dez milhões de mortes desde meados da década de 1990 até hoje. Um massacre totalmente ignorado pela comunidade internacional.
E é sobre esse tema que se centrou uma nova intervenção puramente política do papa. Na frase "Como eu gostaria que as mídias dessem mais espaço a este país e a toda a África!", pronunciada na nunciatura de Kinshasa, Bergoglio denunciou a absoluta indiferença do mundo ocidental em relação ao continente, uma entre as primeiras causas da perpetração de conflitos e condições favoráveis a focos.
No Sudão do Sul, o papa deu continuidade a uma estratégia política pessoal iniciada anos atrás. O país predominantemente cristão, que se tornou independente do Sudão islâmico em 2011 e vive uma terrível guerra civil desde 2013, é seu tema fixo.
Em abril de 2019, após repetidos apelos e orações, convocou a Roma para um retiro pascoal os líderes políticos e religiosos. Ao despedir-se, ele se curvou e beijou seus pés, implorando-lhes que buscassem a paz ao seu retorno. Tanto Kiir quanto Machar declararam que não podem mais se esquivar de seu empenho com a paz e a situação, também devido à assinatura de um acordo no ano anterior, vem melhorando.
Mas a transição que deveria conduzir o país às eleições de 2023 em agosto passado sofreu mais um adiamento de dois anos devido à falta de progresso em muitas partes do acordo. Restam graves focos de revolta como na região de Equatória e os gravíssimos problemas ambientais que ciclicamente oprimem o Sudão do Sul.
"Chega de derramamento de sangue, chega de acusações mútuas", disse o papa em tom quase impaciente aos líderes políticos que demoram a chegar a um acordo definitivo e desencadear uma verdadeira reconciliação nacional. Ele arrancou um sim do presidente para a retomada das negociações de paz em Roma patrocinadas por Santo Egídio.
“Nenhum líder ocidental visitou o jovem país com sua história de conflito e tragédias antes que o Papa Francisco viesse aqui para pedir paz”, tuitou Joung-ah Ghedini Williams, do ACNUR Sudão do Sul. Bergoglio, em sua passagem pela África, desinteressado pela exploração de recursos, recoloca a África no centro da agenda internacional, com seus conflitos, suas pobrezas, assim como suas infinitas riquezas, as belezas e os direitos desrespeitados por séculos.
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Foi preciso um papa para colocar a África de volta no centro das atenções - Instituto Humanitas Unisinos - IHU