06 Fevereiro 2023
Construíram pequenas represas artesanais para impedir o avanço do pântano; o resto do dia as pessoas passam procurando comida, pescando com as poucas redes disponíveis e colhendo flores de lótus, que se tornou a base da nutrição. Uma vez que o bulbo é colhido, se abre e se extraem as sementes que são trituradas e cozidas. As crianças sofrem de ascite, seu abdômen é inchado e cheio de líquido: último estágio de desnutrição. Há falta de assistência médica, alimentação e quaisquer bens não alimentares, incluindo redes mosqueteiras, nenhuma necessidade primária é atendida.
A reportagem é de Fabio Bucciarelli, publicada por La Stampa, 05-02-2023. A tradução de Luisa Rabolini.
Em Mayendit se vê apenas água, em trezentos e sessenta graus e até o horizonte. Uma faixa de terra é o que resta de uma aldeia que desapareceu devido às consequências das alterações climáticas.
Desde 2019, o Sudão do Sul sofre as maiores inundações das últimas seis décadas, que inundaram grandes áreas do país e causaram grandes estragos a infraestruturas, estradas e pontes, destruíram escolas e hospitais e limitaram acesso à saúde e à educação. Segundo as Nações Unidas, quase um milhão de pessoas foram diretamente afetadas pelas enchentes.
Hoje a terra não consegue mais drenar a água e Mayendit tornou-se uma ilha abandonada em um pântano aluvial. Há menos de três anos atrás a aldeia podia ser alcançada por terra, mas agora são necessárias oito horas de canoa para chegar a Leer, a terra firme. As consequências da emergência climática tornam mais complicado para as pessoas ter acesso aos serviços básicos, bem como às organizações humanitárias alcançar as comunidades mais remotas. Mais de 70% das pessoas no Sudão do Sul vivem graças às ajudas humanitárias.
A última ONG internacional a deixar Mayendit foi a italiana Intersos: “Aquela era nossa sede”, me mostra Adouk, a gerente de projetos local, apontando o dedo de uma instável canoa para um Tukul abandonado. A típica casa sudanesa de formato cônico, feita de barro, capim e madeira foi submergida, escondida pela vegetação que tomou conta.
A água atinge dois metros de altura e os deslocamentos são feitos em troncos de árvores escavados, empurrados por uma longa vara de madeira. “Dois terços da população deixaram a cidade e aqueles que ficaram lutam para sobreviver. Adouk trabalha há dez anos na Unity State, uma das regiões mais castigadas do país, onde a crise climática se soma ao conflito interno. "Além das ajudas primárias, aqui tentávamos conscientizar as pessoas sobre questões relacionadas à violência de gênero, amplamente difundida. Agora continuamos a trabalhar em Leer e noutras zonas do país: a partir de 2020 a Mayendit não veio mais ninguém”, confidencia, enquanto os rapazes esvaziavam com grandes baldes a água que tenta se infiltrar na terra que ficou seca.
A umidade aumenta à medida que o sol se põe e todos na aldeia querem manter o solo seco.
Construíram pequenas represas artesanais para impedir o avanço do pântano; o resto do dia as pessoas passam procurando comida, pescando com as poucas redes disponíveis e colhendo flores de lótus, que se tornou a base da nutrição. Uma vez que o bulbo é colhido, se abre e se extraem as sementes que são trituradas e cozidas. As crianças sofrem de ascite, seu abdômen é inchado e cheio de líquido: último estágio de desnutrição. Há falta de assistência médica, alimentação e quaisquer bens não alimentares, incluindo redes mosqueteiras, nenhuma necessidade primária é atendida.
A água parada contribui para a propagação do mosquito da malária, que já é a causa de morte.
A República do Sudão do Sul nasceu em 9 de julho de 2011 com um referendo para a separação do norte do país, votado pela grande maioria dos eleitores. Antes da independência, o Sudão do Sul fazia parte do Sudão; em 1955 estourou a primeira guerra civil, seguida por décadas de violência e um segundo conflito: o estado mais jovem do mundo nasceu das cinzas de quase cinquenta anos de guerra interna. Apesar de sua recente secessão, o Sudão do Sul continua a enfrentar graves distúrbios e, em 2013, o confronto político entre o presidente da etnia Dinka, Salva Kiir, e seu vice Machar, da etnia Nuer, leva o país a um novo conflito civil. Ao longo dos anos, várias tentativas de paz fracassaram até 2018, quando uma aparente calma encobre massacres contínuos e violências tribais.
Atualmente, 8,3 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária e 2,3 milhões são refugiados: depois da Síria e do Afeganistão, o Sudão do Sul representa a terceira maior crise de refugiados do mundo.
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Sudão do Sul debaixo d'água e com a terceira maior crise de refugiados do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU