21 Dezembro 2022
"Rupnik não é um padre qualquer, nem apenas um artista famoso, mas é considerado também um religioso de grande profundidade espiritual a quem muitos se dirigiam com confiança", escreve a historiadora italiana Lucetta Scaraffia, membro do Comitê Italiano de Bioética e professora da Universidade de Roma La Sapienza, em artigo publicado por La Stampa, 20-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um novo escândalo ligado aos abusos está abalando o Vaticano: aquele do jesuíta esloveno Marko Rupnik, consagrado artista autor de mosaicos que decorou importantes locais de culto no mundo e no próprio Vaticano, mas também um reconhecido especialista das tradições cristãs orientais e, portanto, pregador de exercícios espirituais muito requisitado. Duas freiras, que o denunciaram anos atrás por abusos sexuais e de poder, falaram com a mídia, trazendo assim ao conhecimento do público uma questão perturbadora que havia sido cuidadosamente mantida em sigilo. Embora o processo iniciado pelos jesuítas para apurar as denúncias tivesse concluído que o comportamento de Rupnik havia sido de fato aquele denunciado pelas freiras, o fato do caso ter prescrito tinha permitido esconder tudo. Assim, pelo menos, se esperava.
E a razão de tal escolha pode ser entendida: Rupnik não é um padre qualquer, nem apenas um artista famoso, mas é considerado também um religioso de grande profundidade espiritual a quem muitos se dirigiam com confiança. Do ponto de vista eclesiástico, porém, a culpa mais grave do jesuíta não era tanto pelos abusos sexuais, mas por ter absolvido em confissão uma freira considerada cúmplice das transgressões sexuais, culpa que implica automaticamente a excomunhão. A esta altura devemos nos fazer uma pergunta: por que Rupnik não sofreu os efeitos da excomunhão? De acordo com muitas opiniões, mesmo entre os jesuítas, foi frisado que somente a autoridade papal poderia livrá-lo dessa condenação e, portanto, nos perguntamos se Francisco, de quem o religioso artista é amigo, tenha feito uma incompreensível exceção para com ele ao absolvê-lo de excomunhão.
Mas não se trata apenas disso, fato gravíssimo. O caso Rupnik revela cruamente como as hierarquias eclesiásticas tenham dificuldade para entender o problema do abuso sexual contra as religiosas: se as freiras, como pode ser deduzido de sua denúncia, foram abusadas sexualmente pelo renomado jesuíta, não tinham culpas a confessar. Eram apenas vítimas, porque a culpa era exclusivamente aquela de seu abusador. Mas para a instituição eclesiástica não existe abuso sexual de mulheres adultas, como as religiosas: esses casos, de fato, são catalogados como transgressões sexuais cometidas por ambas as partes, especialmente porque segundo uma concepção absurda do prazer sexual ainda vigente na hierarquia católica supõe-se sempre que também as vítimas dos abusos sentem prazer e, com isso, tornam-se cúmplices da violação do sexto mandamento. É evidente de tudo isso que nunca ouviram uma mulher a esse respeito.
O abuso espiritual cometido por Rupnik sem dúvida aconteceu, mas – na minha opinião – é agravado pelo seu pedido às vítimas para confessar o abuso sofrido como pecado. Claro que assim o jesuíta as fazia sentir-se cúmplices de um pecado, e tinha a certeza de que não o teriam denunciado. E, de forma mais geral, esta é a atitude que até agora foi mantida em relação às numerosas freiras abusadas em diferentes partes do mundo.
Felizmente os tempos mudaram, porque hoje as religiosas estão tomando coragem, chegam a denunciar prelados poderosos, que usufruem de altos apoios na Igreja, e finalmente pedem justiça.
Nós realmente esperamos que elas obtenham a escuta e o respeito que lhes é devido.
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A igreja, os abusos e a excomunhão fantasma. Artigo de Lucetta Scaraffia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU