15 Dezembro 2022
O Sistema Único de Saúde é uma conquista do povo brasileiro. Mas não é irrevogável. A garantia do SUS democrático – público, universal, que garante cuidado e atenção à saúde para todos – está sempre, e cada vez mais, ameaçada pelos interesses dos setores da sociedade que encaram saúde como mercadoria. É preciso resistir à privatização. Mas como fazer?
A reportagem é publicada por Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco, 14-12-2022.
Durante o 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão 2022, Jairnilsom Paim (UFBA), Artur Cardoso (UFRJ), Ana Carolina Navarrete (Idec) e Francis Sodré (UFES) participaram da mesa redonda ” O SUS e o setor privado: como afirmar o SUS diante de uma coalizão privatizante”. O diálogo aconteceu em 22 de novembro, e foi coordenado por Isabela Santos (Abrasco).
Artur Cardoso abordou as desigualdades a partir da análise dos gastos com saúde. A maioria do investimento na área é do setor privado, representando 60% de todo o dinheiro gasto com saúde no Brasil, o que significa uma estabilidade do mercado, mesmo com a existência de um sistema completamente público. Segundo o especialista, existe uma desigualdade estratégica, e o setor privado “se alimenta da segmentação, da desigualdade”.
Ele afirma, ainda, que esta desigualdade se contrapõe à universalidade, e que parte da população que tem acesso a determinados serviços privados , não percebe o tamanho do SUS: “É possível revogar o teto de gastos [EC 95], é um começo. Mas também precisamos fazer redistribuição. Não é só ampliar recursos para a saúde pública, é reduzir o sistema privado. É preciso conter, estatizar serviços, para ser universal. Sem isso não há alternativa, e vamos sucumbir ao SUS possível, e deixar apenas na promessa o SUS que nós sonhamos”.
A atuação do terceiro setor, através de entidades filantrópicas e organizações sociais (OS’s), é um exemplo nítido da inserção do capital privado, para Francis Sodré. “Estão presentes desde sempre, mas agora conseguiram se inserir nos poros do SUS, se apropriando daquilo que o sistema teve domínio desde a sua construção na reforma sanitária até os dias atuais – o campo da gestão”, sinalizou. As pequenas OS’s muitas vezes são fundidas com as grandes, que dominam territórios e recebem repasse maior do estado, consolidando sua permanência no mercado.
Ela é crítica ao modo como as OS’s agem, sobretudo na precarização do trabalho: “O trabalhador da saúde sabe de perto o que é conviver com a reforma trabalhista – terceirizações, quarteirizações, subcontratações e pejotização”. É comum, por exemplo, que uma OS contrate trabalhadores já com datas de demissão – impedindo direitos trabalhistas, como férias e 13º – e e entre em acordo com outra OS, que atue no mesmo território, para que eles sejam contratados pela empresa “vizinha”, criando uma falsa sensação de estabilidade.
Já Ana Carolina Navarrete, contextualizou o público sobre a história do mercado privado da saúde – que surgiu há há pelo menos sete décadas, quando montadoras automobilísticas criaram planos de saúde para os empregados, prática que ainda se reflete nos contratos coletivos. Ela disse que há uma ambivalência, pois muitas organizações trabalhistas apoiam a permanência desse arranjo.
“Constatamos que o mercado sai da pandemia muito bem. Fortalecido, concentrado, com fusões e aquisições. Maior número de usuários – o medo de ficar sem leito e cuidado é grande. Enquanto o SUS sai enfraquecido e desestruturado. Precisamos olhar para o mercado privado, pensar propostas para que esteja no sistema de governança do SUS”.
Jairnilson Paim, sanitarista histórico, fez a última fala da mesa. Ele saudou o Abrascão 2022 como um congresso não apenas brasileiro, mas um congresso da América Latina . “Não precisa ter o nome de saúde pública para se fazer entender no mundo, é um congresso que reafirma a Saúde Coletiva latino americana”. Para Paim, é esta Saúde Coletiva que produz o conhecimento necessário para reagir aos processos abordados pelos demais palestrantes, em âmbito de práticas sociais, militância sociopolítica “sem paralelelismo ou negações arbitrárias e artificiais”.
“O SUS precisa ser fortalecido diante dessa coalizão privatizante. A pergunta que vocês devem ter percebido é o ‘como’. E isso de alguma maneira nos impacta. Nós normalmente estamos preocupados com ‘o quê’ fazer”, disse. A partir do trecho de Eliane Brum, que afirma que “Como sociedade, precisamos nos manter firmes na realidade”, o pesquisador fez um convite à concretude, a investigar a vida – e o setor saúde – para além dos sonhos, crenças e ideologias.
“Devemos observar o setor saúde do Brasil como ele é . Com o SUS que conhecemos, e o setor privado que cada vez mais se articula, de uma forma espúria, parasitária, predatória, de uma maneira que vai contra os interesses e necessidades da população. O setor privado precisa ser cada vez mais investigado”, concluiu.
A mesa está disponível na TV Abrasco, confira:
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Para um SUS universal, é preciso reduzir o setor privado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU