28 Novembro 2022
Organizações brasileiras fazem manifesto pela inclusão de bioma, que tem “maior área de impacto socioambiental do comércio europeu no planeta”.
A reportagem é publicada por Observatório do Clima, 24-11-2022.
Novamente, nós do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Ruraie Quilombolas (Conaq) chamamos a atenção do público, da imprensa e das autoridades europeias para a possibilidade de se aprovar até o 5 de dezembro deste ano uma lei contra o desmatamento que não abrange a área de maior impacto socioambiental do comércio europeu no planeta: o Cerrado.
O Grupo de Trabalho temporário do Conselho da Europa (Ad Hoc Working Party on Deforestation) do Conselho da Europa, juntando negociadores de cada país membro, terá reuniões decisivas sobre o teor da lei nos próximos dias 22 e 23 de novembro. Existe possibilidade de que as “Outras Áreas Arbóreas” (Other Wooded Lands), que contemplam o Cerrado e savanas mais ricas e ameaçadas do Planeta, não sejam incluídas no escopo final, apesar de votação com ampla maioria a favor no Parlamento Europeu no 13 de setembro de 2022 (Emenda 88).
Com foco exclusivo em florestas, sem a inclusão de Other Wooded Lands, a lei europeia de desmatamento teria um efeito oposto à sua intenção original, exatamente na região de maior impacto da UE sobre ecossistemas intocados.
A lei criou expectativas altas em termos de redução do desmatamento associado às principais commodities consumidas na União Europeia e de proteção dos Direitos Humanos. A proposta original da Comissão só considera florestas, utilizando a definição da FAO. Essa definição exclui amplas áreas de ecossistemas naturais e primários ameaçados pela produção de commodities consumidas na Europa, especialmente na América do Sul: Pampa, Chaco, Pantanal, Caatinga e Cerrado.
No dia 13 de setembro de 2022, uma proposta de emenda essencial para que essa lei tenha um real impacto sobre o desmatamento associado ao mercado europeu foi votada pelo Parlamento Europeu com uma maioria esmagadora: a inclusão das “outras áreas arbóreas” nativas no escopo de proteção da lei além das florestas.
A emenda permite aumentar a proteção do Cerrado de 26% para 82%, do Pantanal de 24% para 42% e da Caatinga de 11% para 93%. O mais ameaçado deles, o Cerrado brasileiro, está perdendo quase um milhão de hectares a cada ano, e essa destruição está aumentando a cada ano.
Infelizmente, as discussões atuais no triálogo podem levar a retrocessos em relação à inclusão das “outras áreas arbóreas” no seu escopo, apesar da votação do Parlamento. Isso seria catastrófico. Para essa lei ter um impacto significativo no desmatamento causado pela UE, ela não pode omitir a destruição das áreas arbóreas do bioma Cerrado.
As savanas arbóreas do Cerrado estão sendo destruídas em larga escala para a produção de gado e soja. Esta é a maior fronteira agrícola do mundo onde a soja se expande rapidamente. Recentemente, em um contexto de aumento da demanda internacional por grãos, essa pressão de desmatamento vem aumentando ainda mais. A perda de Cerrado nativo passou de 6,319 km2 para 8,531 km2 entre 2019 e 2021, o que corresponde a mais de um quarto da superfície da Bélgica. Esse aumento de 2.212 km2 em relação a 2019 (+35%) equivale a mais de vinte vezes a área de Paris. Dados do INPE indicam que 2022 deve ser um ano recorde em termos de área destruída.
O Brasil é responsável por mais de um quarto de todo o desmatamento associado às commodities consumidas na União Europeia. A soja exportada nas savanas do Cerrado representa a maior contribuição a esse desmatamento. Por esse motivo, sem a inclusão do Cerrado na nova regulação, a Europa deixaria de tratar o seu maior impacto no desmatamento.
Com base no melhor mapa de cobertura da vegetação da América do Sul (MapBiomas), que consegue capturar o complexo mosaico de florestas, savanas e campos, 56% da vegetação nativa remanescente do Cerrado são cobertos pelas savanas e ficariam desprotegidos sem a inclusão das “outras áreas arbóreas” (Other Wooded Lands) no escopo da lei.
No total, nos sete maiores biomas da América do sul (Amazônia brasileira, Cerrado, Chaco, Caatinga, Pampa, Mata Atlântica brasileira e Pantanal), OWL corresponde a 122,2 milhões de hectares de savanas e áreas arbóreas naturais e ameaçadas. Por outro lado, dados do Copernicus mostram que no Continente Europeu, áreas de OWL são restritas a poucas áreas esparsas no sul da Europa. Isso significa que considerar as áreas arbóreas no escopo da lei incluiria extensas áreas primárias e biodiversas nos países tropicais, sem aumentar significativamente o território sob proteção dentro das fronteiras da Europa.
As definições da FAO de floresta e outras áreas arbóreas na lei europeia são baseadas em critérios arbitrários de altura e cobertura de árvores. O Cerrado é composto por um mosaico de floresta, savanas e campos naturais, com complexos gradientes locais de vegetação entremeada. Isso cria numerosos casos em que a distinção entre floresta e savana é muito difícil, mesmo por observação e medição da vegetação em campo.
Portanto, existe um risco alto de ter inúmeras contestações de produtores que buscarão evidenciar que as suas fazendas estão localizadas fora do escopo da lei, em áreas de savanas, e não em floresta. Isso geraria imprecisão na implementação da lei, perda de sua eficiência e altos custos adicionais para checar a conformidade dos produtos. Na prática, pode inviabilizar a implementação da lei nos locais onde ela é a mais necessária.
Por isso, além de reduzir a destruição associada diretamente a esse fluxo de comércio, a inclusão de “outras áreas arbóreas” no escopo da legislação aumentaria sua eficácia, facilitaria a sua implementação e reduziria os custos de verificação da conformidade.
A revisão da lei é prevista para dois anos, mas esse prazo não é garantido. Em termos práticos, mesmo se esta revisão começar a ser discutida imediatamente para considerar a inclusão de Other Wooded Land no seu escopo, dificilmente seria operacional antes de 2027. Considerando um aumento médio de desmatamento de 17,5% por ano entre 2020 e 2021, isso corresponderia a uma perda total de mais de 8 milhões de hectares entre 2022 e 2027, área equivalente à superfície da República Tcheca. E se considerar uma estabilização da taxa anual de desmatamento no valor atual, o impacto ainda seria de quase 4,3 milhões de hectares, correspondendo à superfície da Dinamarca ou da Holanda.
A destruição do Cerrado pode levar à extinção de pelo menos 480 espécies endémicas de plantas – mais de três vezes maior que qualquer extinção documentada desde 1500. Também, tem potencial para emitir 3,2 Gt de CO2 se for destruído. Isso, sem considerar as perdas de vidas humanas e outros impactos irreversíveis sobre as populações indígenas e comunidades locais que são expulsas de suas terras, expostas a altos graus de contaminação pelos agrotóxicos utilizados em plantações de soja, e que tem seus modos de vida e produção agrícola destruídos.
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Lei Antidesmate da UE pode ir a voto dia 5, sem o Cerrado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU