28 Novembro 2022
"O País sente falta de um amplo programa estratégico em referência ao carbono neutro, tanto quanto nos falta, em linhas gerais, um “posicionamento político” para ajudar a fazer a transição à energia solar e, com muito determinismo, interromper a atual e predominante “economia de destruição da natureza”, quer dizer, especificamente a destruição da Amazônia, hoje quase completamente entregue a grileiros e desmatadores ilegais, por isso acomodada num modelo de ocupação que não hesita em substituir a área florestal por agropecuária tradicional", escrevem Gomercindo Rodrigues, advogado, parceiro de Chico Mendes na luta pela preservação da Amazônia e na criação da Aliança dos Povos da Floresta e autor do livro “Caminhando na Floresta” (publicado pelas editoras EDUFAC, em parceria com a editora Xapuri), e Marcus Eduardo de Oliveira, economista e ativista ambiental, pós-graduado em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Civilização em Desajuste com os Limites Planetários (CRV, 2018), entre outros, em artigo publicado por EcoDebate, 25-11-2022.
A bioeconomia deve prioritariamente ocupar o espaço principal em matéria de desenvolvimento sustentável.
Excetuando os negacionistas, ferrenhos adversários do conhecimento científico, ninguém mais coloca em dúvida que o avanço da economia linear, sem que se priorize a eficiência energética, nos deixa de vez diante de uma situação-limite. E isso exige ação imediata. Redobrando nossas responsabilidades com o Planeta, precisamos repensar a construção de uma nova organização social com vistas a imprimir uma nova lógica à economia global.
Ponto decisivo, não basta apenas criticar a racionalidade econômica dominante. Cabe, antes de mais nada, discutir alternativas de civilização que confronte àquilo que o velho Marx um dia chamou de “o progresso destrutivo” do capitalismo. Com efeito, pensando de forma particular em termos de projeto vital, devemos convir que ainda não fomos capazes de cumprir um amplo e extensivo programa de desenvolvimento socioambiental e econômico a partir da economia do conhecimento da natureza. Ou, dito de outra maneira, a bioeconomia da floresta em pé.
Enquanto a bioeconomia é vista lá fora como fundante estratégia e até mesmo como ponto de apoio para superar a economia dependente de combustíveis fósseis e transitar para uma economia baseada em insumos biológicos, a combinação Amazônia-bioeconomia, pode, sim, se tornar um arrojado projeto de industrialização própria centrada no aproveitamento da biodiversidade (recursos de base biológica). Decerto, o que mais se espera com isso é valorizar o bioma, recompor a floresta e defender a maior reserva de biodiversidade do planeta.
Paradigma produtivo e reprodutivo, a bioeconomia, em nosso caso, tem como foco principal valorizar a diversidade biológica, particularmente diante de todo o conhecido potencial biodiverso na Amazônia. Importa deixar claro, para todos os efeitos, que são imensas as possibilidades de valorização dos diversos produtos da biodiversidade amazônica: de fármacos à cosméticos; de frutas e sementes à produção de óleos vegetais; de fermentação de produtos às fibras; da produção de manteiga de cupuaçu à negócios com borracha natural.
De toda sorte, com a proposta da bioeconomia é possível combinar um inovador modelo de produção sustentável, este, na verdade já desenvolvido e realizado há mais de século pelas populações tradicionais da floresta amazônica, com inigualável capacidade de transformar biorecursos recicláveis e renováveis.
E tem mais: com a “bioindustrialização da Amazônia”, como também tem sido chamada, é possível estimular estratégias de defesa ambiental para manter a floresta em pé, produzindo em áreas abertas. De certa maneira, quando se busca aproximar a bioeconomia da realidade amazônica, ao menos três temas ganham redobrada importância: conservar o ativo florestal (isto é, exploração sustentável de produtos florestais combinada à necessidade de investimentos em infraestrutura sustentável); combater as ilegalidades (não apenas, mas principalmente a grilagem de terras), até porque estas são responsáveis por expulsar para as periferias urbanas, ao longo do tempo, milhares de famílias de populações tradicionais e exterminar povos originários ou jogá-los a uma situação de absoluta miséria; e, por último, mas não por fim, reconhecer a contribuição de agricultores familiares, comunidades indígenas e tradicionais, valorizando os povos locais (povos da floresta) e suas diferentes formas de produção e integração econômica.
Numa perspectiva mais aberta, a proposta desafiadora do campo da bioeconomia como vetor de ação em favor da Amazônia se ajusta à necessidade de transformar as relações entre sociedade e natureza (a floresta) voltada a preservar o equilíbrio biótico e climático do planeta, ao mesmo tempo em que se estimula estratégias de desenvolvimento em linha com os critérios de sustentabilidade, especialmente o extrativismo sustentável, hoje encontrado em pequena escala, mas que, além de garantir o sustendo de boa parte das populações locais, já se comprovou como absolutamente responsável pela conservação ao longo do tempo de milhares de hectares da floresta com todas as espécies nela existentes.
É bom ainda não perder de vista que a proposta de diversificação econômica com base na biodiversidade – dada a ideia vital de floresta em pé e os rios fluindo (18% do fluxo de água que corre para os oceanos vem da Amazônia), está no centro da necessidade de conservar o ecossistema e de responder pela saúde do meio ambiente no mundo contemporâneo.
Ainda assim, nossa especial bioeconomia, tomemos a liberdade de chamar assim, se diferencia das demais interpretações conhecidas de bioeconomia mundo afora por ter como características-chave determinados valores conhecidos e desde há muito reclamados, tais como “indução ao desmatamento zero; conservação da floresta; ordenamento territorial; combate a ilegalidades; manutenção dos direitos indígenas, de populações tradicionais e camponeses; distribuição justa de benefícios; investimentos em ciência e tecnologia e assistência técnica adequadas à sua produção” (Costa, F. et al).1
E que não haja dúvida consistente: a proposta da bioeconomia, aliado à utilização de novas tecnologias, se inscreve num quadro de estratégia-elementar para o desenvolvimento de produtos e negócios sustentáveis, daí a necessidade de esboçar um consistente paradigma de desenvolvimento social local capaz de fazer “uso” da marca brasileira de mais destaque em todo o mundo, a Amazônia.
Pelo sim pelo não, insistindo no assunto que sabemos ser urgente, a bioeconomia deve mesmo ser bem entendida como um paradigma capaz de inaugurar uma promissora matriz de avanços socioeconômicos no Brasil pós-Bolsonaro. Janela de oportunidades para expressivas vantagens no terreno econômico, a proposta da bioeconomia permite, sobretudo, fazer a economia funcionar respeitando a diversidade amazônica e eliminando o processo de degradação ambiental em curso, ao mesmo tempo em que são criados negócios baseados na sociobiodiversidade.
A par de uma aguardada nova agenda de desenvolvimento ampliada, imprescindível em tempos de desajuste ambiental e climático, é lícito pensar de uma vez por todas em sepultar o modelo vigente de economia linear que depende da extração contínua, de onde resulta a degradação dos ecossistemas e das culturas locais.
Em nosso sentir, nos dias de hoje, a bioeconomia deve prioritariamente ocupar o espaço principal em matéria de desenvolvimento sustentável, até mesmo porque, como ação efetiva, é a partir daí que o Brasil pode liderar a economia circular no mundo moderno.
Diante da extrema urgência em erguer economias resilientes, somos partidários da ideia central de que não mais podemos desperdiçar oportunidades (cadeias produtivas, por exemplo).
Dura realidade, ainda hoje estamos à margem. Até aqui, em termos de planejamento, fracassamos. Falta ação.
A bem da verdade, o País sente falta de um amplo programa estratégico em referência ao carbono neutro, tanto quanto nos falta, em linhas gerais, um “posicionamento político” para ajudar a fazer a transição à energia solar e, com muito determinismo, interromper a atual e predominante “economia de destruição da natureza”, quer dizer, especificamente a destruição da Amazônia, hoje quase completamente entregue a grileiros e desmatadores ilegais, por isso acomodada num modelo de ocupação que não hesita em substituir a área florestal por agropecuária tradicional.
Chegou a hora de virar a página.
1. COSTA, F. et al. Uma bioeconomia inovadora para a Amazônia: conceitos, limites e tendências para uma definição apropriada ao bioma floresta tropical Disponível aqui. Acesso em: 07 Out 2022.
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Amazônia e a bioeconomia: modelo sustentável com a floresta em pé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU