30 Setembro 2022
A África nos últimos dias de julho se transformou em uma passarela brilhante que quase simultaneamente sediou os desfiles do presidente francês Emmanuel Macron em Camarões, Benin e Guiné Bissau, do chanceler russo Sergei Lavrov no Egito, Congo-Brazzaville, Uganda e Etiópia, e do enviado especial dos EUA para o Chifre da África, Mike Hammer, no Egito e Etiópia.
A reportagem é de Enzo Nucci, publicada por Confronti, 28-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um despertar do interesse pelo continente imposto à agenda política pela invasão russa da Ucrânia. E a África pode, assim, tornar-se um refinado laboratório político para experimentar a reescrita daquela ordem mundial almejada por Moscou. Mesmo que a memória da Guerra Fria ainda esteja viva aqui, porque o embate entre blocos opostos (fora das fronteiras dos respectivos países) alimentou conflitos pelos quais, décadas depois, ainda se pagam preços altíssimos e que travaram o desenvolvimento.
Em suma, os principais atores continuam a considerar a África como um lado político do novo Grande Jogo. Em comum, no entanto, todas as 54 nações estão sofrendo com o exorbitante aumento dos preços de gêneros alimentares, fertilizantes e petróleo que torna instáveis os governos no poder.
Macron retornou à África após a decisão tomada na primavera passada de desmobilizar as tropas francesas no Sahel. O presidente tenta salvaguardar as relações (e os interesses econômicos) com alguns governos autoritários que balançam sob a pressão dos protestos populares contra o neocolonialismo francês. E onde a Rússia está se inserindo, ocupando os espaços deixados vazios pelo Eliseu. Como Camarões (liderado por Paul Biya, 79 anos, dos quais 40 no poder) que, apesar de seus laços históricos com Paris, assinou acordos militares com Moscou.
Sahel (Foto: Sadalmelik | Wikimedia Commons)
Benin e Guiné-Bissau são lugares estratégicos para a luta contra o terrorismo islâmico que também está transbordando nos países do Golfo da Guiné. E Macron tenta assim tranquilizar os cada vez menos convencidos aliados da prioridade que eles têm para a política francesa após sua reeleição para o Eliseu.
O presidente dos EUA, Joe Biden, também foi forçado a entrar em campo, apesar de nunca ter vindo à África desde o início de seu mandato. Ele anunciou uma cúpula em Washington para dezembro com os líderes: segurança alimentar, resiliência climática entre os temas em discussão.
Mas é uma recuperação tardia de um ano que viu o número um da Casa Branca se empenhar principalmente na Ásia, Europa e Oriente Médio. O enviado dos EUA, Mike Hammer, corre o risco de recolher apenas as migalhas no Egito e na Etiópia.
Egito, em verde, e Etiópia, em laranja (Foto: Fitzcarmalan | Wikimedia Commons)
Lavrov, por outro lado, fez uma confortável marcha triunfal, visando a saída do isolamento diplomático e a consolidar a influência russa em um continente que se manteve praticamente neutro na condenação da invasão da Ucrânia: 25 nações se abstiveram (com a Eritreia até a favor) na votação de condenação das Nações Unidas em março passado.
Para a Rússia foi também uma oportunidade para relançar o desafio à China, um aliado "relutante" no caso ucraniano. Do palco africano, o ministro das Relações Exteriores jogou a culpa nas sanções dos EUA e da Europa pelo bloqueio do trigo, 40% do qual a Rússia e a Ucrânia exportam para a África.
Acordos comerciais e de cooperação militar assinados com os presidentes das nações visitadas, uma cúpula russo-africana até meados de 2023, mas também o compromisso com uma reforma das Nações Unidas apta a dar maior representação aos países em desenvolvimento. Foram esses tópicos que Lavrov colocou em cima da mesa, driblando com as mercadorias (e os mercenários do Wagner) a estratégia de Pequim que se concentra na construção de grandes infraestruturas na África, não desprezando uma base militar própria em Djibuti e planejando outra na Tanzânia.
Egito, Congo-Brazaville, Uganda e Etiópia são nações que são alvo do mundo ocidental por diferentes razões. Regimes autoritários onde liberdades políticas, individuais e de expressão são pontualmente pisoteadas por ditadores que alteraram com a violência as Cartas constitucionais para permanecer no poder. Hoje Putin puxa os fios de uma teia de aranha tecida com paciência nos últimos 20 anos, após a pausa imposta pela queda da União Soviética, dos anos sombrios de Yeltsin e da ausência de uma política externa para levar de volta a Rússia à sua antiga glória.
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A África e a geopolítica russa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU