19 Agosto 2022
Em livro provocador e indispensável, Carlos Ocké e Alexandre Marinho mostram que o conceito é frequentemente enviesado em favor de teses neoliberais. Mas frisam: nem por isso deve ser abandonado pelos defensores da Saúde Pública.
O artigo é publicado por Outra Saúde, 18-08-2022.
Após a pandemia e o reconhecimento inédito que o SUS recebeu da população, o debate sobre um financiamento digno para a Saúde recebeu mais atenção. E há uma camada de complexidade que não pode ser ignorada, nessa discussão: a chamada eficiência do sistema. Essa palavra, já bastante desgastada, costuma ser usada para tecer críticas contra o uso do dinheiro público. Mas um livro, lançado neste mês pela Editora Fiocruz, ajuda a enriquecer e aprofundar o debate. Trata-se do SUS: o debate em torno da eficiência, escrito pelos economistas Carlos Octávio Ocké-Reis e Alexandre Marinho para a coleção Temas em Saúde.
Capa do livro SUS: o debate em torno da eficiência (Foto: Reprodução)
O argumento da eficiência, tal como afirma a apresentação do livro, “é sistematicamente utilizado para defender sua mercantilização e privatização. Isso encobre, sob um viés tecnocrático, um ataque à democratização do acesso à saúde promovida pela prática da reforma sanitária brasileira”.
Marinho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), afirmou, em entrevista ao Outra Saúde, que esse termo tornou-se um lugar-comum que é instrumentalizado politicamente. É fácil de ser compreendido e difundido, como a “corrupção”. Mas mascara o verdadeiro problema: se não há o financiamento necessário para que o SUS atenda dignamente a população, que critérios estão sendo utilizados para falar em eficiência?
Uma maneira de avaliar se o sistema funciona adequadamente, exemplifica Miranda, é buscando saber se as necessidades da população estão sendo atendidas adequadamente. As filas, por exemplo: “No Brasil há filas não administradas, filas além do que seria necessário, imprevisíveis, há negativas de atendimento quando ele seria possível. Há claramente uma dificuldade enorme de acesso. Tirar o dinheiro do SUS vai resolver esse problema?”
Há diversos tipos de eficiência que podem ser calculadas nesse sentido: de insumos que estão sendo utilizados, de pessoal, de escala. O livro busca explicar alguns desses elementos que podem ser analisados em prol do melhor atendimento da população. Mas não se trata da visão simplista de “fazer mais, gastando menos”.
Justamente por ser complexo, defende o livro, é que o debate não deve ser abandonado. “Ao repelir o argumento da eficiência, tendo em mente apenas seu uso inadequado, os aliados da saúde pública e do sistema universal perdem a oportunidade de utilizar importante ferramenta teórica e operacional em favor do SUS e da sociedade brasileira.” Esse instrumento econômico pode ser de importância para melhorar a formulação de políticas de saúde, desde que aliado à eficácia e à efetividade.
Há ainda outra questão que fica fora dos cálculos míopes sobre eficiência, como frisou Alexandre. Algumas políticas públicas adotadas pelo SUS não mostram resultado imediato, mas a longo prazo. É o caso, por exemplo, das campanhas de prevenção contra a aids e do tratamento gratuito contra a doença. Ou de ações contra a mortalidade infantil. Seus impactos só podem ser medidos após um período muito grande. “Uma característica importante da saúde é o não-evento, o não-adoecimento”, explica o professor.
O que significa que, ao fim de uma análise mais detalhada sobre eficiência, é possível que se perceba que é preciso gastar mais – como já defende o movimento sanitarista, ao definir que o gasto público com Saúde deveria chegar a pelo menos 6% do PIB, ante os 4,8% atuais. Para os autores, portanto, é tarefa urgente deslocar o debate da ideologia neoliberal, e “utilizar corretamente o conceito de eficiência para reivindicar a aplicação empírica rigorosa dos seus métodos de avaliação na área da saúde”.
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SUS: a delicada questão da “eficiência” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU