15 Agosto 2022
Hoje, na Crimeia, pode parecer um dia comum, como qualquer outro que virá desta guerra: bombas que caem, colunas de fumaça, depósitos destruídos, alguns mortos, comunicados que se contradizem, ruídos, vozes, silêncios de propaganda e táticos. Afinal, durante semanas, parece que o conflito desmoronou sobre si mesmo, atingiu o seu trágico equilíbrio e não pode alcançar uma nocividade superior.
Mapa que compreende a região da Crimeia. (Foto: Reprodução | Mapa Mundi)
A reportagem é de Domenico Quirico, publicada em La Stampa, 12-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas lá, na Crimeia, tudo é perigosamente diferente. Porque há o risco concreto de que a guerra chegue ao seu extremo, que se torne ainda mais total nos meios empregados, hiperbólica. Escancarando arsenais apocalípticos até agora apenas evocados como uma remota ameaça.
O que vai acontecer em todos os outros dias que virão pode depender do que os ucranianos têm a intenção de fazer. Porque, se Zelensky, como anunciou em um dos últimos sermões noturnos à nação, decidiu iniciar justamente a partir da Crimeia a reconquista de todos os territórios ucranianos ocupados pelos russos, esses seis meses serão apenas uma etapa, um inferno provisório.
Talvez Putin e os russos – refiro-me aos russos que apoiam a Operação Especial por antiga convicção imperialista ou para evitar problemas – possam aceitar ter que recuar para o Donbass diante de uma grande contraofensiva ucraniana reforçada, talvez não apenas com os canhões dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
Alguns vilarejos, algumas cidadezinhas podem ser conquistadas ou perdidas. Mas a Crimeia é outra coisa. Não no sentido burocrático-administrativo de que um referendo sem nenhuma legitimidade e transparência impediu o seu retorno à Grande Mãe Russa. Enquanto que, para o Donbass, não se avançou além do reconhecimento da sua infundada “independência”.
Para a Rússia, uma invasão da Crimeia significa um ataque direto à sua integridade territorial, o equivalente a uma marcha sobre Moscou, a prova daquela vontade de aniquilar a unidade russa na qual Putin vem construindo com um eficaz sucesso interno há 20 anos.
Mentira? Truques grosseiros aos quais, no entanto, em 2014, nos opusemos apenas com um burburinho ingênuo: a Crimeia no fundo... Sebastopol, os cercos, o bastião Malakoff, o conde Tolstói...? É inútil discutir isso historicamente. Quando a lenda se torna realidade, vence a lenda. Para defendê-la, todos os meios, até mesmo os mais extremos até agora mantidos na reserva como ameaça e possibilidade, se tornariam legítimos para Putin. Os Estados totalitários podem violar linhas as quais é monstruoso cruzar.
A guerra não seria mais uma cirurgia que dirige os seus golpes aos gânglios do adversário, mas sim um prefácio ao Apocalipse. Estamos diante do contraste fundamental e muito perigoso entre a arte do Estado e o ofício da guerra. Tentar retomar a Crimeia, um ponto de virada que não pode ocorre sem o aval dos estadunidenses, significa que a palavra dominante se torna uma luta até o fim, total, sem limites de meios; e a liquidação daquele pouco que resta da possibilidade de conciliação e composição de interesses, único caminho que leva ao menos a uma trégua.
É preciso que isso fique claro. Putin não tem o direito de manter as suas conquistas. É uma questão de justiça. Mas cuidado para não permitir que os ucranianos coloquem coisas demais em segundo plano a fim de vencer a guerra. Se esta guerra for perdida, todas aquelas coisas estarão perdidas.
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Risco de uma nova guerra mundial? Ucrânia quer a Crimeia de volta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU