02 Agosto 2022
A questão da "doutrina da descoberta" permaneceu no pano de fundo da viagem de Francisco ao Canadá, levando representantes das Primeiras Nações, Inuítes e Mestiços a apresentar perguntas sobre o passado magistério do papado e, também, eventos violentos de todo o mundo.
O comentário é de Luigi Sandri, jornalista italiano, publicado por L’Adige, 01-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No século XV, quando começaram as grandes conquistas de novos territórios, na África, depois na Ásia e nas Américas, protagonizadas por potências marítimas cristãs - primeiro portuguesas e espanholas, seguidas depois por franceses, ingleses e holandeses - o papado garantiu sua bênção a tais iniciativas, argumentando que, justamente por carregarem a cruz de Cristo, tinham pleno direito de dominar as novas terras descobertas, habitadas por não-cristãos.
Assim, com a bula "Romanus pontifex", Nicolau V, em 1454, confirmará ao rei Afonso V de Portugal "plena e completa faculdade de invadir, conquistar e subjugar todos os sarracenos e pagãos e outros inimigos de Cristo onde quer que vivam, para reduzi-los a perpétua escravidão". Será essa mentalidade que caracterizará o comportamento das Potências "cristãs" - mesmo quando algumas delas se afastarão do poder espiritual de Roma. Haverá nobres exceções, e alguns missionários, como o jesuíta Eusebio Kino, se dedicarão com grande solidariedade às populações indígenas do México conquistados pelos espanhóis; mas, em geral, aquele era o sentimento.
Naturalmente, ao longo dos séculos, os papas também mudaram de opinião, e todos sabem como há muito tempo defendem os direitos dos povos "indígenas". No entanto, muitos membros das Primeiras Nações e dos Inuítes esperavam que o pontífice, no Canadá, denunciasse abertamente a "doutrina da descoberta" que nos séculos XVII e XVIII justificava a conquista do país por ingleses e franceses "cristãos", às custas dos autóctones. O papa, de modo explícito, não fez isso; mas, respondendo às perguntas de jornalistas, no voo de volta a Roma no sábado, admitiu que os "indígenas" canadenses nas décadas passadas sofreram variadas violências (inclusive sexuais, ele havia especificado em Québec) e, de fato, um "genocídio".
No entanto - e com razão – havia acrescentado: “Este é um problema de todo colonialismo. Até as colonizações ideológicas de hoje têm o mesmo esquema: quem não entra no seu caminho, na sua vida, é considerado inferior”. Por sua vez, o presidente da Conferência Episcopal Canadense, monsenhor Raymond Poisson, assegurou que tentará, de acordo com a Cúria Romana, preparar um texto que elimine para sempre qualquer justificativa teológica para a "doutrina da descoberta".
No avião, Francisco também respondeu a uma pergunta sobre sua possível renúncia, devido aos seus problemas físicos: “Posso pensar na possibilidade de me afastar; isso, com toda a honestidade, não é uma catástrofe, é possível mudar o Papa, é possível mudar”. Mas não por enquanto, acrescentou: mas, ao que parece, a hipótese não está muito distante.
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A iníqua “doutrina da descoberta” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU