Teopopulismos. Cidadãos, nação, fé. Vence a identificação

Foto: Freepik

20 Julho 2022

 

Originária da Córsega, de Porto-Vecchio, apaixonou-se pelo estudo do Islã na Aix-en-Provence de Bruno Etienne, depois formada pela Sciences Po Paris, Jocelyne Cesari tornou-se nos EUA uma das maiores especialistas do mundo em islamismo e política. Hoje, aos sessenta anos, reconhece ironicamente sua dívida com a ciência política estadunidense do final dos anos 1990, tão cega em relação à religião a ponto de motivá-la ainda mais a tratar dela.

 

Cesari ensina em Harvard e Birmingham, no Reino Unido. Também é membro do prestigioso Berkley Center da Georgetown University de Washington. Justamente no Berkley Center nasceu seu livro mais recente. Cinco anos de trabalho, uma equipe de pesquisadores falantes nativos de hindi, russo, chinês, árabe e turco. Um grande banco de dados depois reelaborados em busca de constantes. Um longo trabalho de redação e edição.

 

O resultado são as 432 páginas de We God's People: Christianity, Islam and Hinduism in the World of Nations (Nós, Povo de Deus. Cristandade, Islã e Hinduísmo num Mundo de Nações, em tradução livre), publicado em janeiro pela Cambridge University Press.

 

We God's People: Christianity, Islam and Hinduism in the World of Nations

 

Da Índia à China e à Rússia, da Síria à Turquia, Cesari estuda e interpreta as trajetórias da relação entre política e religião. No tempo e no espaço emergem as voltas e reviravoltas, o entrelaçamento, as influências. Sobretudo, emerge o papel fundamental da nação e do Estado, os fatores decisivos, para a estudiosa franco-estadunidense, das tensões político-religiosas contemporâneas.

 

Entre as tantas publicações anteriores, duas são as que prepararam o trabalho: The Awakening of Muslim Democracy de 2014, também da Cambridge University Press, e What is Political Islam? de 2018, pela Lynne Rienner Publishers. Depois de encontrarmo-nos em janeiro passado em Bolonha, “La Lettura” entrevista Jocelyne Cesari de sua casa em Boston.

 

A entrevista com Jocelyne Cesari é de Marco Ventura, publicada por La Lettura, 18-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis a entrevista.

 

Como sugere o subtítulo de seu volume, o populismo religioso contemporâneo tem suas origens em "um mundo de nações".

 

Se queremos entender a relação entre religião e política no mundo moderno, temos que voltar ao nascimento do Estado-nação.

 

Por quê?

 

No sistema internacional moderno, nenhuma comunidade política pode existir se não for reconhecida como um Estado-nação. As religiões tiveram que mudar a forma de conceber o "nós", o direito, a soberania.

 

Em que sentido?

 

O "nós" da nação tomou o primeiro lugar. A soberania do povo uniu-se à igualdade dos membros. Ora, as religiões não são baseadas na igualdade. Surgiu uma grande questão.

 

Resistiram.

 

Tiveram que se adaptar. Se mudava a forma de pertencer à comunidade moderna por excelência, a nação, também devia mudar a forma de pertencer a uma religião.

 

Você escreve que no Ocidente isso comportou o deslocamento da religião do imanente para o transcendente. Inventamos a religião espiritual.

 

Foi um processo, nada fixo. Ainda o é. Veja o debate em curso na Europa sobre política, islamismo e cristianismo. Mas há um dado certo: a Paz da Vestfália. Depois de 1648, o único agente da comunidade internacional, o único sujeito do direito internacional, são as nações.

 

Isso vale para o Ocidente.

 

De 1648 a 1856, o Império Otomano esteve fora do sistema vestfaliano. Ele entra somente depois de ter contribuído para derrotar a Rússia na Guerra da Crimeia. Depois se fragmenta progressivamente, pensemos no nacionalismo grego, até sua dissolução em 1924.

 

Como estudiosa do Islã, você considera o que aconteceu então como decisivo.

 

Um debate fantástico se desenvolveu já em 1798, quando Napoleão desembarcou no Egito. Pela primeira vez, a superpotência otomana duvidou de si mesma. E se perguntava: o que devemos fazer nós, muçulmanos, diante do surgimento das nações?

 

A resposta?

 

Duas alternativas se enfrentavam. Alguns queriam se tornar uma nação, uma nação árabe, unida pela língua, pela cultura, pela história, que pudesse integrar cristãos e muçulmanos porque não se baseava na religião.

 

A segunda alternativa?

 

Outros achavam que deveria ser reinventada a Umma (comunidade dos muçulmanos, ndr) e fazê-la coincidir com o Islã.

 

A Umma?

 

Até então era o conjunto do território governado pelo califa. Derivou disso um império muçulmano multirreligioso, multilíngue e multicultural. Essa história, hoje, foi apagada.

 

Estamos, portanto, em uma religião politizada numa base nacional e estatal.

 

Kemal Atatürk é decisivo. O ideal é a nação moderna. Uma comunidade homogênea de turcos que falam turco e são muçulmanos sunitas.

 

É o início do que você define como "islã hegemônico".

 

Os islamistas não são o primeiro exemplo de islamismo político, mas criaram a ideia de que para fazer parte da nação é preciso ser muçulmano. Somos argelinos e muçulmanos. Egípcios e muçulmanos.

 

Você trabalhou na genealogia de palavras e conceitos.

 

O termo maslaha indicava o bem comum da comunidade. Hoje significa o interesse público. Os ulemás tornaram-se funcionários do Estado. A lei da Sharia é agora concebida como direito do estado.

 

O processo não se limita ao Islã.

 

Vale para o hinduísmo na Índia e para a ortodoxia na Rússia. Um processo que continuará a produzir tensões e conflitos.

 

Os populistas religiosos estão no poder.

 

Erdogan na Turquia e Modi na Índia exploram a ideia de que a comunidade nacional e a comunidade religiosa devem coincidir. Trump faz o mesmo.

 

Nasce uma religião populista inteiramente moderna.

 

O que conta é a identificação entre povo, nação, religião. Sou um bom cristão porque defendo os EUA cristãos.

 

Nem todos concordam.

 

Muitos muçulmanos devotos rejeitam o islamismo político. Eles não aceitam que seja preciso se dedicar apenas a lutar pela Umma enquanto os outros preceitos islâmicos se tornam secundários.

 

Alguns países islâmicos seguiram um caminho diferente.

 

Senegal, Indonésia e Líbano são exceções a um islamismo político nacional. Agora eles também estão sob pressão.

 

Sua pesquisa computacional identifica a dupla de palavras "Estado" e "Deus" entre as mais recorrentes em árabe, mas também em chinês.

 

Na China, o Estado tomou o lugar do imperador como ponto de conjunção entre céu e terra. A religião deve ser submetida como consequência.

 

Você critica aqueles que culpam o colonialismo ocidental por todos os problemas.

 

Observamos percursos semelhantes em países não colonizados, como Rússia e China. Além disso, é um erro negar a autonomia e a iniciativa dos atores não ocidentais.

 

A democracia está ameaçada.

 

A intenção é impor a religião politicamente como pressuposto da igualdade na comunidade. Isso é, por definição, antidemocrático. No entanto, a igualdade é uma oportunidade extraordinária. As islamistas turcas não permitem que Erdogan mude a lei sobre o aborto.

 

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