05 Julho 2022
O Papa Francisco tem sido criticado de tempos em tempos porque mostra pouco interesse em teologia, especialmente a liturgia, comparando com seu predecessor, Bento XVI.
Mas um liturgista beneditino na França diz que a carta apostólica “Desiderio desideravi: sobre a formação litúrgica do Povo de Deus”, publicada recentemente pelo Papa Francisco, prova que os críticos não tem razão.
O irmão Patrick Prétot, monge da Abadia de La Pierre-qui-Vire e professor de liturgia no famoso Institut Catholique de Paris, disse que o novo documento poderia ser chamado como o “tratado sobre teologia da liturgia” do papa jesuíta. Nesta entrevista ele explica o porquê disto.
A entrevista é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix, 04-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Qual é a sua visão da nova carta apostólica do Papa Francisco sobre a liturgia?
É direcionada a toda a Igreja e data significativamente de 29 de junho de 2022, festa dos apóstolos Pedro e Paulo. Esta carta apresenta-se como um forte apelo à formação litúrgica dos fiéis.
As palavras de Jesus na Última Ceia (“Eu desejei muito”) é o título da carta apostólica, e não as primeiras palavras do texto, como geralmente é o caso.
Não é incomum ouvir as pessoas dizerem que, ao contrário de seu antecessor, o Papa Francisco não é teólogo e não está interessado em liturgia. Este documento mostra, como se fosse necessário, que não é assim.
Este papa não responde da mesma maneira ou adota a mesma abordagem que alguns de seus predecessores. Pode-se até considerar que há aqui um verdadeiro tratado sobre a teologia da liturgia segundo o Papa Francisco.
Em um momento de grande fragmentação nas formas de celebrar, quando o choque de sensibilidades pode ser difícil para muitos conviverem, e quando os documentos que resumem o processo sinodal destacam as dificuldades que os católicos têm com as instituições e práticas atuais, esta carta é um texto de grande importância.
Nesta carta, muito se fala sobre a unidade da Igreja. Em que confia Francisco para promover este objetivo?
O papa oferece à Igreja latina formas de regular a vida litúrgica que não se baseiam, como alguns sem dúvida desejariam, no reforço do aparato disciplinar, por exemplo, na reafirmação de um respeito necessário às rubricas, mas sim em uma formação aprofundada baseada na inteligência da ação.
Ele desenvolve seu pensamento sobre uma arte de celebrar (ars celebrandi) cujo objetivo, em última análise, é ser o sinal da alegria do Evangelho.
Para o papa, o verdadeiro critério da vida litúrgica não é a conformidade com as regras, nem uma exibição cerimonial para defender a sacralidade dos ritos, mas a capacidade de anunciar o mistério de um Deus que se revelou em Jesus Cristo como um Deus de ternura e misericórdia, um Deus que ama e mostra misericórdia.
Qual é a visão da Eucaristia expressada na carta?
Este texto sobre a liturgia parte resolutamente de uma meditação sobre a história da Última Ceia, e mais precisamente sobre a frase: “Desiderio desideravi hoc Pascha manducare vobiscum, antequam patiar” (Lucas 22, 15. “Desejei muito comer com vocês esta ceia pascal, antes de sofrer”, em tradução da Bíblia Pastoral).
Há um gesto fundamental nessa mesma abordagem: a liturgia não é antes de tudo um conjunto de prescrições rituais justificadas por um discurso doutrinário. É a manifestação do Evangelho no sentido paulino do termo; isto é, a manifestação ritual da revelação em Jesus de Nazaré como cumprimento das Escrituras.
O papa repete de outra forma o que ele expressou muitas vezes em outros lugares: a Eucaristia não é um prêmio pelo bom comportamento. Mas é uma iniciativa de um Deus que se doa: é um desejo de Cristo que é primordial.
Todo o texto está sob o signo desse desejo primário de Cristo. E este dom exige uma resposta de acolhimento, uma resposta cuja paradoxal exigência o Papa sublinha, porque receber verdadeiramente implica uma ascese.
Mais profundamente, o texto expressa uma abordagem da liturgia que evita o intelectualismo, mas sem cair em uma forma de pragmatismo que limitaria o horizonte a uma preocupação com a precisão ou a estética nas cerimônias.
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Papa Francisco fez um “tratado sobre a teologia da liturgia” com Desiderio desideravi, afirma o monge beneditino Patrick Prétot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU