03 Mai 2022
"Os desastres ambientais tendem a crescer com o aquecimento global provocando eventos extremos cada vez mais frequentes, mais letais e mais caros", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 02-05-2022.
“O que estava em jogo no velho conflito industrial do trabalho contra o capital eram positividades: lucros, prosperidade, bens de consumo. No novo conflito ecológico, o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças” (Ulrich Beck, Sociedade de Risco)
A civilização global, desde o início do uso dos combustíveis fósseis há 250 anos, conquistou inúmeras melhorias no padrão de vida da população. Houve redução das taxas de mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida, elevação das taxas de escolaridade, avanços na qualidade das moradias e melhoria geral do padrão de consumo. Contudo, o enriquecimento humano ocorreu de forma socialmente divergente e às custas do empobrecimento do meio ambiente.
Como mostrou Ulrich Beck, no livro Sociedade de Risco, as primeiras fases do capitalismo foram marcadas por uma disputa pelo excedente da produção econômica entre o capital e o trabalho, o primeiro buscando aumentar os lucros e o segundo buscando aumentar os salários. Havia um conflito distributivo, mas o ambiente era de prosperidade geral, embora desigual e combinada.
Porém, o contínuo crescimento da população e da economia fez a humanidade ultrapassar a capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica ultrapassou a Biocapacidade do Planeta, gerando um déficit ambiental crescente. Desta forma, a realidade mudou, a oferta de combustíveis fósseis chegou ao pico e os danos ambientais passaram a se sobrepor sobre a distribuição de ganhos, com o mundo entrando na Sociedade de Risco, onde: “o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças” (Beck, 2010, p.3).
Esta nova realidade foi confirmada por um relatório do Escritório da ONU para Redução de Riscos de Desastres (UNDRR), que mostra que os impactos das mudanças climáticas e do mau gerenciamento de riscos levaram a um aumento das catástrofes “naturais”. Lançado no dia 26 de abril de 2022, o relatório confirma que, em um curto período de tempo, o mundo assistiu a um aumento sem precedentes do número de catástrofes “naturais”, e a ação humana pode piorar ainda mais o cenário no futuro.
Nas primeiras duas décadas do século XXI, foram registrados, por ano, entre 350 e 500 desastres médios a grandes. Os eventos, variam de queimadas, secas e enchentes à pandemias e acidentes químicos. A crise climática, que gera eventos atmosféricos extremos, são a principal causa do aumento das ocorrências. As catástrofes geraram ao mundo custos de 170 bilhões de dólares em média por ano na última década.
Segundo o relatório da UNDRR, os governos não fazem o suficiente para melhorar o gerenciamento de risco de desastres, o que deixa a humanidade amplamente despreparada para o que está por vir. Como afirmou Amina J. Mohammed, secretária-geral adjunta da ONU, o rumo que seguimos atualmente está colocando a humanidade numa “espiral de autodestruição”.
Nas projeções do relatório, os desastres podem aumentar para 560 por ano até 2030, ou seja, cerca de 1,5 por dia, conforme mostra o gráfico abaixo.
O impacto é maior sobre as populações mais pobres. Os países em desenvolvimento gastam todos os anos em torno de 1% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com desastres. Em comparação, os países ricos gastam somente entre 0,1 e 0,2% de seus Produtos anuais. E isso provavelmente se manterá nas próximas décadas, de acordo com o relatório. As Nações da região da Ásia-Pacífico sofreram os piores danos, com perda de 1,3% do PIB. O continente africano está em segundo lugar, com prejuízos de 0,6% do PIB.
As nações mais pobres carecem de cobertura de seguros adequada, o que aumenta ainda mais os danos. Desde 1989, somente 40% das perdas em consequência de catástrofes naturais nessas regiões estavam cobertas por seguros. Os países com maior crescimento populacional tem apresentado menor crescimento da renda per capita e ficado mais vulneráveis aos desastres.
O outro fator que aumenta os riscos de desastres e conflitos é o Pico do Petróleo. A energia abundante e barata foi fundamental para o avanço da produção de bens e serviços nos últimos 250 anos. Em geral, os problemas na oferta de combustíveis fósseis gerou aumento dos preços, recessão econômica e aumento do preço dos alimentos. Com a pandemia da covid-19 houve uma redução da demanda e o preço dos hidrocarbonetos diminuiu. Mas assim que começou a recuperação os preços voltaram a subir. O gráfico abaixo mostra que o Pico da produção de petróleo convencional foi atingido em 2016 e o Pico do petróleo convencional e não convencional (World C + C) atingiu o Pico em 2019.
Alguns analistas e os meios de comunicação tendem a fazer parecer que todos os nossos problemas econômicos são conjunturais e podem ser resolvidos no médio e longo prazo com aumento da produção. Acontece que o Pico do Petróleo representa um limite para o aumento da extração. A despeito disto, o atual aumento do preço da energia fóssil é creditado à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Porém, a questão da importância do petróleo bruto para a economia mundial foi deixada de lado pela maioria dos analistas e da mídia. Cotidianamente, são divulgados mitos dizendo que grandes quantidades de combustíveis fósseis estarão disponíveis no futuro ou que as energias renováveis vão suprir toda a falta de petróleo.
Mas como mostra Gail Tverberg (21/04/2022): “Agora o mundo está vivenciando um déficit sério de petróleo bruto. Podemos esperar um novo conjunto de problemas, incluindo muito mais conflitos. As guerras são prováveis. A inadimplência da dívida é provável. Os partidos políticos assumirão posições cada vez mais divergentes sobre como contornar os problemas atuais. A mídia noticiosa contará cada vez mais a narrativa que seus proprietários e anunciantes querem que seja contada, com pouca consideração pela situação real”.
Em síntese, os desastres ambientais tendem a crescer com o aquecimento global provocando eventos extremos cada vez mais frequentes, mais letais e mais caros. No final de abril de 2022 um forte onda de calor atingiu a Índia e o Paquistão. Ao mesmo tempo, a elevação do preço dos combustíveis fósseis tende a empobrecer a população e aumentar os conflitos nacionais e internacionais.
A invasão da Ucrânia e toda a dependência do petróleo e gás da Rússia mostram que a transição energética ainda está longe de superar a dependência do mundo dos combustíveis fósseis. Tudo isto reflete na inflação e no preço dos alimentos colocando parcelas crescentes da população mundial em situação de insegurança alimentar. E a comida mais cara é o estopim para revoltas populares como já está acontecendo no Peru, no Sri Lanka e no norte da África em 2022.
Desta forma, não resta dúvida de que o acúmulo e a simultaneidade das crises ambientais, energéticas e alimentares – provocadas pelo crescimento desregrado e insustentável das atividades antrópicas – podem ser o gatilho para acelerar a “espiral de autodestruição”.
ALVES, JED. Aumenta o custo humano dos desastres ambientais e climáticos, Ecodebate, 20/11/2020
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. Rumo a uma Outra Modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
D COYNE. Decline in World Conventional Oil Output and Peak Oil, Peak Oil Barrel, 25/04/2022
GAIL TVERBERG. The world has a major crude oil problem; expect conflict ahead, Our Finite World, April 21, 2022
UNDRR. Our World at Risk. Transforming Governance for a Resilient Future, UNDRR, 26/04/22
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Desastres mais frequentes e caros colocam o mundo em risco: o pior está por vir. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU