13 Abril 2022
"A ética do sacrifício é uma ética radical, da qual a da cruz representa um vértice tal que fala não só aos que creem, mas também aos que consideram que não creem. O grande Hegel, filósofo insuperável em muitos aspectos, cunhou a sugestiva expressão "Sexta-feira Santa especulativa". A pandemia nos trouxe muitos sacrifícios, alguns os consideraram como contratempos irritantes, mas, se lermos em profundidade, especialmente o lockdown, devemos notar que nos colocou diante de nós mesmos, nossa capacidade de suportar a solidão e salvaguardar as relações autênticas, a distância e a morte de entes queridos e amados, cujos funerais nem podiam ser celebrados", escreve Giuseppe Lorizio, professor de Teologia Fundamental da Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, em artigo publicado por Settimana News, 13-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No atual momento histórico que a pandemia e a guerra estão tornando trágicos, no debate público e não apenas entre os intelectuais, continua a se colocar a alternativa entre ética da responsabilidade inclusive co-beligerante e escolha da não-violência "ativa". Isto especialmente no que diz respeito aos armamentos: não apenas para serem fornecidos aos ucranianos agredidos, mas também para serem incrementados ainda mais nação por nação e nem mesmo para serem direcionados e integrados na formação de um verdadeiro “sistema de defesa europeu”.
Na conferência de imprensa após a aprovação do Def, o primeiro-ministro expressou-se nestes termos: "Acredito que a questão seja entre a paz e o funcionamento do aquecedor, ou do ar condicionado no verão, acho que esta deveria ser a pergunta que temos que fazer e que eu também me faço. Sobre o price cap, sobre um teto do preço do gás, aguardamos uma resposta da UE, que apresentará uma proposta dentro de alguns dias, mas também podemos proceder com medidas nacionais. A Alemanha e a Holanda não concordam, mas a certa altura também podemos fazê-lo sozinhos".
Palavras claras. No entanto, surge a questão de saber porque no plano político não tenha sido colocada de imediato esta alternativa que, pelo contrário, imediatamente emergiu num plano que se pode definir como cívico, o das escolhas pessoais dos cidadãos e das opções dos Municípios (uma mobilização que encontrou espaço sobretudo nas páginas deste jornal, também num intenso diálogo entre leitores e diretor, que falou de um "jejum de energia" fundamentado e empático).
Esta é a principal forma de incitar as consciências a contrastar o agressor com escolhas que visam realizar uma "sanção" defensiva real e significativa dos fracos, sem a qual - de fato - a guerra de agressão continua a ser financiada, enquanto com o envio de armas aos agredidos é alimentada, prolongando seu tempo.
Aqui, o teólogo que escreve sente que deve evocar uma palavra, para a maioria desagradável, inconveniente, não politicamente correta, que, precisamente quando se aproxima o memorial da Paixão do Senhor Jesus, questiona a consciência de todos, não apenas dos crentes. E a palavra é: "sacrifício". A ética cristã da responsabilidade é explicitada como uma escolha sacrificial não dos outros, mas de si mesmo. Nesse sentido, vale a pena ouvir a lição de um brilhante diretor russo, como Andrei Tarkovskij, que muitas vezes retoma o tema em suas obras: pense-se em primeiro lugar naquele ícone cinematográfico, que o inesquecível padre jesuíta, depois cardeal, Tomás Spidlík adorava comentar e ler teologicamente Nostalgia de 1983, para cujo roteiro Tonino Guerra ofereceu uma notável contribuição. As escolhas do protagonista são sempre exercidas no horizonte do sacrifício, a fim de alimentar o desejo de retornar à mãe Rússia, a pátria perdida, que também representa a pátria celeste e última.
A maravilhosa cena final, com o plano da abadia de San Galgano, deve ser contemplada justamente como um ícone. Mas ao tema do sacrifício o diretor dedicou um filme em 1986 que traz justamente este título. Aqui, o idoso intelectual Alexander, enquanto comemora seu aniversário com seus entes queridos, fica sabendo pela televisão que uma catástrofe terrível é iminente. Reage repetindo o Pater noster e oferecendo ao Senhor o que lhe é mais caro para que tudo volte como antes. Assim, ele incendiará sua casa, renunciará ao filho pequeno, se devotará ao silêncio aceitando ser considerado como um louco.
A ética do sacrifício é uma ética radical, da qual a da cruz representa um vértice tal que fala não só aos que creem, mas também aos que consideram que não creem. O grande Hegel, filósofo insuperável em muitos aspectos, cunhou a sugestiva expressão "Sexta-feira Santa especulativa". A pandemia nos trouxe muitos sacrifícios, alguns os consideraram como contratempos irritantes, mas, se lermos em profundidade, especialmente o lockdown, devemos notar que nos colocou diante de nós mesmos, nossa capacidade de suportar a solidão e salvaguardar as relações autênticas, a distância e a morte de entes queridos e amados, cujos funerais nem podiam ser celebrados. O sentido autêntico do sacrifício e desses sacrifícios está na escolha, ou seja, na capacidade de assumirmos as necessidades que a história nos impõe, acolhendo-as em nossa liberdade.
Assim também será para a guerra. A alternativa proposta por Mario Draghi não deve nos encontrar submetidos a um destino inelutável, mas nos fazer refletir sobre o que realmente queremos: bem-estar imediato ou paz. A segunda pede a cada um que renuncie a confortos a que talvez estejamos demasiado acostumados, mas que poderá ser frutífera se vivida à luz da Páscoa, que termina com a ressurreição e não deixa a última palavra para a morte. E isso porque o sacrifício não é um fim, mas um meio, muitas vezes obrigatório, para a conquista de uma não efêmera felicidade pessoal e comunitária.
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Paz e ética do sacrifício. Artigo de Giuseppe Lorizio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU