11 Abril 2022
A guerra na Ucrânia reacendeu a discussão sobre a resistência dos povos invadidos, evidenciando as posições das Igrejas cristãs. A questão das Igrejas, justamente, é aprofundada no recente livro de Lucia Ceci, intitulado “La fede armata. Cattolici e violenza politica nel Novecento” [A fé armada. Católicos e violência política no século XX] (Ed. Il Mulino, 325 páginas).
La fede armata. Cattolici e violenza politica nel Novecento
Professora em Tor Vergata, estudiosa da história da Igreja e do catolicismo político, Ceci também tratou das teologias da libertação e das relações entre Igreja e fascismo.
A entrevista foi concedida a Alessandro Santagata, historiador italiano e professor da Universidade de Roma Tor Vergata, e publicada em Il Manifesto, 08-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O livro aborda o cerne da legitimação da violência pelos católicos ao longo do século XX. Da Irlanda do início dos anos 1900 à revolta dos cristeros mexicanos, da guerra civil espanhola à repressão húngara em 1956, passando pelas guerras na Ruanda ou aos atentados antiaborto nos Estados Unidos, você investiga o modo como a tradição e a doutrina foram mobilizadas. Que função a hierarquia eclesiástica assumiu em tudo isso?
O livro se move tentando desenvolver ao longo do tempo os conteúdos da legitimação religiosa da violência na relação entre laicato e hierarquia, e com um olhar sempre voltado para a Santa Sé. No momento em que a luta armada é exercida contra uma autoridade considerada legítima, a questão da moralização torna-se central para desvincular-se da acusação de terrorismo e credenciar-se como combatentes da liberdade. Para os combatentes católicos, portanto, é fundamental o apoio da hierarquia ao direito-dever de combater um poder incoerente com os princípios fundamentais do bem comum.
Em alguns casos, o sinal verde chega oficialmente, como na Espanha dos anos 1930, em outros casos apenas ex post, por exemplo com a encíclica Firmissimam constantiam, de 1937, escrita por Pio XI para falar sobre o México, mas com uma referência implícita à insurreição franquista. Em outros ainda, nunca virá. Além disso, de acordo com a doutrina sobre o tiranicídio de matriz tomista, para que uma revolta seja justificada, ela deve ter uma razoável esperança de sucesso. Também com base nesse princípio, nos anos 1960 pareceu irrealista a ação revolucionária do padre colombiano Camilo Torres, suspeita, além disso, pela sua manifestação política em sentido revolucionário.
Para ser considerada moralmente aceitável, a rebelião deve respeitar o princípio do “Ius in bello”, com base no qual os combatentes são chamados a empregar meios proporcionais à gravidade da situação. Um ponto caro aos partigiani católicos italianos que combateram o nazifascismo. Naquele caso, certas aspirações chocaram-se com a realidade do conflito civil e da guerra contra os civis.
Havia uma longa tradição pedagógica em relação ao matar pela pátria. Por que então ela não deveria ser válida, com maior razão, para defender a fé? Em muitos testemunhos, vem à tona o motivo da cruzada que levou os combatentes a acolherem a realidade da guerra fratricida com o seu inevitável “a mais” de violência. Naturalmente, a ser combatido sem ódio ao inimigo... Além disso, deve-se dizer que são raras as fontes que descrevem a prática da violência. No entanto, a partir das pesquisas que realizei no Santo Ofício, veio à tona que, no plano doutrinal, nos anos de 1943 a 1945, não se formulou nenhuma condenação aos católicos pela adesão à guerra de resistência. Vice-versa, o sacerdote da República Social Italiana (RSI), Pe. Tullio Calcagno, que teorizava o dever de odiar o inimigo, foi excomungado.
O livro evidencia uma parcial descontinuidade após o Concílio Vaticano II (1962-1965). A Santa Sé se distanciou do uso político da religião para justificar as violências. Não se pode dizer o mesmo sobre os leigos envolvidos nas lutas revolucionárias.
No caso irlandês, desde o início do século, importou muito a vontade da Santa Sé de não fazer inimizade com o governo britânico. Mas, no auge da repressão com o Bloody Sunday de Derry (1972), foram os próprios combatentes do IRA que rejeitaram a ideia da guerra religiosa. Por sua vez, é verdade que, para os teólogos da revolução na América Latina, a luta armada consistia tanto em um ato necessário de caridade cristã para com os oprimidos quanto em uma necessidade política motivada com as categorias do marxismo, ou seja, contra a violência estrutural do capital e do imperialismo estadunidense. Por ocasião da Conferência de Medellín (1968), algumas dessas categorias também foram absorvidas pela conferência episcopal continental.
Um capítulo retoma a discussão, já desenvolvida por Giorgio Bocca nos anos 1970, sobre a presença nas Brigadas Vermelhas de militantes de extração católica.
Não há dúvida de que figuras como Renato Curcio, Margherita Cagol, Roberto Ognibene tiveram formação católica e nas associações confessionais, como aliás era muito comum para a geração da época. No entanto, entre as fontes do partido armado certamente não se encontram referências às categorias do cristianismo revolucionário que circulavam amplamente na época. Na minha opinião, isso indica uma clara censura. Por outro lado, devemos colocar na conta da Igreja Católica todas as culturas e os movimentos políticos que se desenvolveram na península.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Combatentes à sombra de Deus nas guerras do século XX. Entrevista com Lucia Ceci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU