Do “impedimentum sexus” ao “impedimentum ecclesiae”? Uma evolução do magistério eclesial. Artigo de Andrea Grillo

Foto: Pixnio

15 Março 2022

 

A pergunta que surge da história e da consciência não pode ser respondida com uma argumentação que exclua por autoridade a relevância da história e da consciência. A provocação que vem da Pacem in terris, há quase 60 anos, continua sendo a voz mais poderosa do magistério recente sobre o tema “mulher e ministério” e sobre as formas públicas e comunitárias com as quais é legítimo, sem poder ser simplesmente proibido, reconhecer a sua dignidade e autoridade.

 

A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 14-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

No comentário do dia 12 de março (que pode ser lido aqui) sobre o artigo de Marinella Perroni do dia 6 de março passado, publicado no caderno “La Lettura”, do jornal Corriere della Sera, eu retomava alguns pensamentos da teóloga e desenvolvia brevemente algumas de suas implicações.

 

Gostaria de voltar a uma passagem do texto, porque oferece um âmbito de reflexão muito importante para uma pacífica evolução da doutrina eclesial em torno do ministério feminino. Parto de uma afirmação de Perroni, da qual extraio uma série de considerações decisivas em vista de uma adequada avaliação do sujeito feminino como titular de uma autoridade formal dentro da Igreja Católica.

 

As duas formulações do magistério eclesial, de 1994 e de 1998, referidas oportunamente no artigo, são totalmente indicativas de uma abordagem da questão que sofre, assim, uma grande mudança argumentativa. Cito aqui como elas são relatadas por Perroni:

 

“‘Declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.’ Em 1998, Ratzinger apenas confirmaria a linha: a sua afirmação de que o sacerdócio ‘é uma realidade que precede a vontade da Igreja, uma vontade precisa do próprio Senhor, e a Igreja não pode deixar de obedecer na obediência da fé’, criaria, porém, uma certa perplexidade entre muitos teólogos para os quais a estrutura ministerial da Igreja não é de direito divino, mas um resultado das épocas históricas” (p. 5).

 

Aqui nos deparamos com uma dupla formulação oficial, na qual salta aos olhos que a exclusão da mulher do ministério (sacerdotal) se conquistada negativamente, e não positivamente. Gostaria de me deter aqui precisamente neste ponto, que abre um estilo novo, diferente, com novas possibilidades e novos problemas da linguagem magistral sobre o ministério feminino.

 

Ministério e mulher na história

 

Se olharmos para as argumentações com que a teologia refletiu sobre a relação entre ministério e mulher, podemos encontrar pelo menos três pontos de evidência nos quais as categorias sistemáticas se concentraram.

 

Em primeiro lugar, a exclusão da mulher de toda ministerialidade eclesial, teorizada por Tertuliano. Depois, uma admissão parcial por Tomás de Aquino, mediante a rigorosa distinção entre “âmbito privado” (que pode admitir uma certa ministerialidade feminina) e âmbito público (que a exclui). Por fim, o novo modelo de João XXIII, no qual um dos “sinais dos tempos” que são reconhecidos em 1963 é a entrada da mulher e da sua dignidade no espaço público.

 

Trata-se de três passagens que marcam respectivamente as origens no primeiro milênio latino, o início do segundo milênio escolástico e o limiar pastoral no terceiro milênio.

 

A diferença entre ministério e ministério sacerdotal

 

A isso é preciso acrescentar uma outra distinção, ou seja, a exclusão da mulher de “todo ministério” e a admissão em ministérios “não sacerdotais” (isto é, não ligados ao “conficere sacramentum” que caracteriza o sacerdote até o Concílio Vaticano II). Se em Tertuliano e em Tomás a exclusão ou a admissão da mulher ao ministério dizia respeito ao batismo, hoje o discurso diz respeito mais em geral a uma acepção ampla de ministerialidade, que não se identifica nem com o “ministério sacerdotal” nem com o “ministério ordenado”.

 

Essas três categorias distintas (ou seja, ministério, ministério ordenado e ministério sacerdotal) contribuem ainda hoje para tornar os discursos sobre a relação com o sexo feminino ora vagos, ora equívocos.

 

O precedente do Spiritus Domini e a argumentação eclesial

 

Um dado incontestavelmente novo e muito recente (2021) é constituído pelo motu proprio Spiritus Domini, com o qual, pela primeira vez na Igreja Católica, pelo menos depois de Tertuliano, supera-se a “reserva masculina” para o ministério, e se faz isso para um encargo, para um “ofício” que tem relevância e autoridade formal, pública e comunitária.

 

Isso significa que a argumentação que historicamente havia sido predominante e decisiva por pelo menos quase um milênio – ou seja, o “defectus auctoritatis” atribuído à mulher no nível antropológico, sociológico e implicitamente também teológico – não é mais utilizável na argumentação magisterial.

 

Não é por acaso que essa virada foi preparada pela carta apostólica Ordinatio sacerdotalis. De que modo?

 

Do “impedimentum sexus” ao “impedimentum ecclesiae”?

 

Voltemos agora à argumentação das duas expressões citadas por Perroni. Na primeira, João Paulo II declara uma “falta de autoridade” da Igreja e do papa diante de uma “estrutura ministerial dada”. O fato de o chamado ao ministério sacerdotal ser reservado aos homens (e não estendido também às mulheres) constitui um ponto sobre o qual não se mostra nenhum “sinal dos tempos”: os tempos não mostram sinais sobre o sacerdócio, e os sinais não dizem respeito a essa estrutura sacerdotal.

 

Mas aqui, é preciso observar, não se diz nada sobre o conteúdo, ou seja, sobre a mulher em relação ao ministério, mas se fala apenas da “forma eclesial de exercício da autoridade”. O pronunciamento diz respeito a um “impedimento” que não diz respeito a uma característica da mulher, da sua vocação, da sua antropologia, da sua qualidade simbólica ou eclesial, mas apenas ao exercício da autoridade eclesial.

 

De forma mais explícita, mas na mesma linha, também se manifesta a expressão de quatro anos depois, formulada por J. Ratzinger: se o sacerdócio é uma realidade que precede a Igreja, a Igreja não tem alternativa à obediência ao Senhor. Aqui, de modo ainda mais claro, não se distingue entre a “substância da antiga doutrina do depositum fidei” e a “formulação do seu revestimento”. E se sobrepõe a forma histórica do sacerdócio ao objeto da fé e da obediência.

 

Por isso, o impedimentum, formalmente, não é mais definido pelo “sexo”, mas diz respeito à autoridade da Igreja. É a autoridade que é impedida, não um objeto dela.

 

Equívocos sobre a substância e irrelevância dos sinais dos tempos

 

Com essa argumentação negativa, que desloca o impedimentum da “matéria” para a “forma”, ocorre uma série de fenômenos sistemáticos de grande relevo. Tento fazer uma breve resenha deles aqui:

 

a) Pode-se pensar que a intenção do documento de 1994 era a de dispensar a Igreja de um debate sobre o conteúdo. Se uma “declaração de autoridade” diz que a Igreja “não tem autoridade sobre um certo tema” porque só pode continuar “como sempre se fez” e que nisso consiste a sua obediência ao Senhor, isso não impede a exigência de “dar razão” dessa falta de autoridade. Uma teologia apenas de autoridade, que queira negar à Igreja uma autoridade, seria uma grave involução da tradição, além de uma forma de argumentar com perfis contraditórios.

 

b) O uso do termo “substância” na recente retomada das afirmações oficiais sobre a Ordinatio sacerdotalis presta-se a vários equívocos. Acima de tudo, pelo fato de que se pretenderia deduzir que o “sexo masculino” faz parte da substância indisponível do ministério sacerdotal. Mas essa é uma afirmação que diz respeito ao conteúdo, que não é coberta pela Ordinatio sacerdotalis, a qual permanece apenas no nível da forma. Além disso, se se pretendesse demonstrar que aquilo que Jesus nunca falou explicitamente pode ser gerido pela Igreja de modo muito mais rígido do que aquilo que Jesus falou explicitamente, isso seria algo bastante arriscado no nível sistemático. A referência à “substância do sacramento”, de fato, tem sido usada ao longo da história não só para “negar” o poder da Igreja, mas também para “afirmá-lo”. O exemplo mais típico é o da “comunhão sob uma única espécie”. O Concílio de Trento afirma a possibilidade de comungar “em uma só espécie” invocando a diferença entre substância do sacramento e o seu uso. E assim pode dizer que o acesso de todos ao pão e também ao vinho não faz parte da substância da eucaristia. Mas essa avaliação legítima do Concílio de Trento pode ocorrer apesar do fato de Jesus dizer explicitamente “comam” e “bebam”. Por outro lado, Jesus não disse nada sobre a exclusão da mulher do ministério, mas tal exclusão deveria ser considerada substancial para o sacramento da ordem ou pelo menos para o presbiterado e o episcopado.

 

c) Aqui se deve notar que a forma clássica com que se realizou essa exclusão no nível sistemático não tem a forma de uma exclusão substancial. De fato, o modo é aquele obtido pela listagem de uma série de “impedimentos”, dos quais o primeiro é o do “sexo”. É uma circunstância, não uma substância, que impede a ordenação das mulheres, assim como dos menores e dos incapazes, dos escravos e dos filhos naturais, dos assassinos e dos deficientes. A passagem de uma lógica “circunstancial” para uma lógica “substancial” foi introduzida na argumentação eclesial pelo Código de Direito Canônico de 1917.

 

d) Por fim, no “passo à frente” (ou no “passo para o lado”, como Perroni o chama) constituído pela queda da reserva masculina aos ministérios instituídos no Spiritus Domini, ocorre um fato de grande relevo: ou seja, uma lógica não formal, mas substancial, supera uma “reserva” que havia podido ser reconhecida como “venerável”, mas que não é necessariamente “veneranda”. Essa diferença entre “possível” e “necessário” abre o espaço precisamente para uma reflexão sistemática diferente da reflexão histórica, que R. Guardini identificava precisamente na diferença entre “aquilo que deve ser” e “aquilo que foi”.

 

O sexo feminino entre impedimento e substância

 

Em conclusão, o desenvolvimento do debate sobre a relação entre mulher e ministério é marcado por uma modificação profunda das categorias em uso na argumentação teológica. Poderíamos dizer: não só o fato da reserva masculina, mas também o modo como ela é motivada é importante para entender a sua força ou fragilidade:

 

a) O conceito de “impedimentum”, que historicamente funcionou como delimitação das possibilidades da Igreja de ordenar determinados sujeitos, nunca teve uma natureza “substancial”, mas “circunstancial”. E encontrava o seu ponto de força em definições dos próprios sujeitos, baseadas em categorias antropológicas e sociológicas, que por si só estão sujeitas à mudança dos “sinais dos tempos”. A Igreja nunca se comprometeu a definir dogmaticamente nem “filho natural”, nem “deficiente”, nem “escravo” e aceitou que essas noções podem mudar na história. Será que isso talvez não é verdade também para a categoria “mulher”?

 

b) A pretensão de resolver a questão por via “substancial” foi assumida pelo Código de Direito Canônico, a partir de 1917, mas hoje sofre uma dupla limitação, porque, por um lado, pretende se estender a todo o ministério ordenado (sem distinguir diaconato de presbiterado e episcopado, como, pelo contrário, na Ordinatio sacerdotalis) e, por outro, por analogia, estendeu-se a todo o quadro dos ministérios eclesiais, pensando a reserva masculina como substância de todo ministério eclesial. Com o Spiritus Domini, essa normativa sofre uma revisão profunda, precisamente de caráter “substancial”.

 

c) A transformação do impedimentum sexus em impedimentum ecclesiae constitui uma formalização que, sem entrar diretamente no plano do conteúdo, tende a excluir que, no plano do exercício da autoridade feminina, a Igreja pode fazer experiência dos “sinais dos tempos”. Mas essa exclusão substancial é motivada apenas formalmente, por autoridade. E é essa lógica autoimplicativa do documento – “por autoridade a Igreja exclui que tem autoridade” – que o torna não totalmente adequado à pergunta a que gostaria de responder. A passagem da lógica do impedimento para a lógica da substância, realizada, porém, apenas no plano formal, continua sendo um caminho muito estreito para constituir uma resposta verdadeiramente conclusiva.

 

A pergunta que surge da história e da consciência não pode ser respondida com uma argumentação que exclua por autoridade a relevância da história e da consciência. A provocação que vem da Pacem in terris, há quase 60 anos, continua sendo a voz mais poderosa do magistério recente sobre o tema “mulher e ministério” e sobre as formas públicas e comunitárias com as quais é legítimo, sem poder ser simplesmente proibido, reconhecer a sua dignidade e autoridade.

 

O dom definitivo de Deus, que a Igreja recebe e não dispõe, não implica necessariamente a obrigação de assumir como definitiva uma forma histórica dele. A confusão sistemática entre esses dois níveis constitui o espaço para um avanço teórico e prático, do qual não só a mulher, mas também e sobretudo a Igreja necessitam urgentemente.

 

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