21 Fevereiro 2022
Há dois encontros sinodais ocorrendo agora na Igreja Católica – o “Caminho Sinodal” da Igreja alemã e o “Sínodo sobre a Sinodalidade” dos bispos da Igreja Católica – os quais indubitavelmente terão sérias repercussões na vida da Igreja.
O comentário é de Charles E. Curran, teólogo moral, professor na Southern Methodist University, EUA, publicado por National Catholic Reporter, 16-02-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Vários fatores influenciaram o Caminho Sinodal alemão: as consequências devastadoras do escândalo de abuso sexual por padres, o encobrimento de muitos bispos e o nível terrivelmente baixo de menos de 6% de católicos alemães participando das liturgias eucarísticas dominicais. O Caminho Sinodal da Igreja alemã envolve uma assembleia sinodal com reuniões começando em 2020 e programadas para terminar em 2023.
Há duas características significativas do Caminho Sinodal. A primeira diz respeito à estrutura da assembleia. Os bispos alemães têm trabalhado com o Comitê Central dos Católicos Leigos Alemães (ZdK). A assembleia terá um número igual de bispos e leigos, cada um com um voto. Os bispos, então, não estão apenas ouvindo os leigos, mas há um número igual de bispos e leigos votando. Esta é uma nova estrutura na Igreja Católica que é perturbadora para muitos.
A segunda característica significativa do Caminho Sinodal diz respeito aos temas a serem discutidos. Não são tópicos amplos, como a evangelização, a liturgia ou a missão social da Igreja, mas sim questões muito específicas e controversas – poder na Igreja, moralidade sexual, estilo de vida sacerdotal e lugar da mulher na Igreja. Esses tópicos incluem muitos assuntos polêmicos, como a ordenação de mulheres, bênçãos públicas para casais homossexuais, padres casados e participação leiga na seleção de bispos.
Muitos viram o perigo do cisma na Igreja alemã. Logo depois que o processo foi anunciado pela primeira vez, o Papa Francisco, em 29 de junho de 2019, enviou uma carta à Igreja alemã lembrando-lhes que eles precisam andar em linha com a Igreja universal e reconhecer o importante papel do Espírito Santo, mas o papa reconheceu que este “procedimento sinodal vinculativo” está de acordo com o Vaticano II.
O cardeal Reinhard Marx, então presidente dos bispos alemães, e Thomas Sternberg, chefe do grupo leigo católico, responderam conjuntamente à carta papal, agradecendo ao papa por sua orientação e apoio.
Houve também uma reunião relatada entre o Papa Francisco e Marx para discutir as questões. Aparentemente Marx reconheceu que a Igreja alemã não iria e não poderia ir contra o ensino universal da Igreja, mas forneceria os resultados de seu processo para a discussão da Igreja universal. No entanto, outras autoridades da Cúria, como o cardeal Marc Ouellet, criticaram fortemente a estrutura do Caminho Sinodal como sendo inválida.
Mais recentemente, o cardeal Walter Kasper expressou reservas sobre o Caminho Sinodal alemão. Kasper tem sido geralmente associado à ala moral liberal dos bispos alemães, mas ultimamente ele tem sido membro da Cúria Romana e é relatado como próximo ao Papa Francisco.
Enquanto isso, processos ligados ao Sínodo sobre a Sinodalidade estão em andamento. Sínodos de bispos têm ocorrido na Igreja Católica desde o Vaticano II. Originalmente, o Papa Francisco programou a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos para discutir a questão da sinodalidade, mas depois pediu um processo detalhado convidando toda a Igreja a participar das discussões que levam ao sínodo romano, que está agendado para outubro de 2023.
O site do Vaticano sobre o seu sínodo tem 10 documentos diferentes, dos quais os mais importantes são o documento preparatório e o Vademecum, ou manual. O propósito do sínodo é que toda a Igreja caminhe junto e reflita sobre o aprendizado contínuo que pode ajudar a Igreja a viver a comunhão, avançar na participação e abrir-se à missão.
O que o Espírito nos convida a fazer para ser uma Igreja sinodal? O processo espiritual do sínodo envolve ouvir o Espírito e a todos na Igreja, especialmente as minorias, para discernir como a Igreja deve viver sua missão.
O documento preparatório descreve em detalhes os processos que incluem quatro fases diferentes:
→ A fase diocesana de outubro de 2021 a abril de 2022 envolve a Igreja local;
→ Um resumo de discernimento de 10 páginas da fase diocesana será submetido a cada conferência episcopal, que envolve a segunda fase;
→ Na terceira fase, ocorrerão sete reuniões continentais, cada uma produzindo um documento final que servirá de base para o documento de trabalho (instrumentum laboris);
→ O documento de trabalho será utilizado pela Assembleia dos Bispos, que constitui a quarta fase.
As instruções e planos para a fase diocesana são bastante elaborados e incluem questões e temas a serem discutidos. A pergunta básica é: “Que passos o Espírito nos convida a dar para crescermos em nossa caminhada juntos como povo de Deus?”.
As questões são levantadas à luz de 10 temas e incluem questões como: “Como os jovens e as mulheres são ouvidos?”; “Ouvimos a voz das minorias e dos excluídos?”; “Que preconceitos e estereótipos prejudicam nossa escuta?”; “Como a nossa comunidade da Igreja identifica os objetivos a serem perseguidos e a maneira de alcançá-los?”; “Como promover a participação em tomada de decisão dentro de estruturas hierárquicas?”; “Como podemos crescer no discernimento espiritual comunitário?”. Além disso, a conversa e o diálogo nas assembleias também podem tocar em outras questões.
O documento preparatório também aponta as armadilhas que podem impedir a verdadeira sinodalidade. Essas armadilhas são enumeradas em termos de tentações – querer liderar a nós mesmos em vez de ser guiado pelo Espírito; focar em nós mesmos e em nossas preocupações imediatas; focar apenas em estruturas ou problemas; tratar o sínodo como uma espécie de parlamento que envolve batalhas políticas entre diferentes lados; e a tentação do conflito e das divisões.
Não se pode saber com certeza o que acontecerá; mas, na minha opinião, nenhum sínodo superará as divisões existentes na Igreja Católica e pode até exacerbar os problemas e tensões existentes. Não haverá consenso que mude as tensões existentes.
Uma situação ideal seria tentar colocar carne e sangue no objetivo da unidade nas coisas necessárias, liberdade nas coisas duvidosas e caridade em todas as coisas (muitos afirmam que esse princípio orientador foi encontrado em Agostinho, mas estudos mais recentes mostram que provavelmente veio do teólogo alemão do século XVII Rupertus Meldenius).
O problema está nos detalhes. O que é necessário e o que é duvidoso? Na situação atual, não há acordo sobre o que é necessário e o que é duvidoso – e não apenas na Igreja Católica Romana. À luz dessas tensões existentes, o processo de ouvir e tentar discernir a voz do Espírito Santo provavelmente não terá sucesso. Isso é verdade para ambos os sínodos católicos discutidos aqui.
O Caminho Sinodal alemão, para seu crédito, identificou muitas das áreas de discussão e desacordo dentro da Igreja – a ordenação de mulheres, uma reforma do ensino da Igreja sobre ética sexual, incluindo a homossexualidade, a aceitação de homens casados no sacerdócio, mais leigos sobre a nomeação de bispos. Todos reconhecem que a Igreja Católica alemã não pode mudar o ensino da Igreja Católica universal sobre essas questões. Da mesma forma, o Caminho Sinodal, a meu ver, não entrará em cisma, desligando-se do ensinamento da Igreja Católica universal. No final, o Caminho Sinodal poderia facilmente causar mais desilusões e até mesmo levar mais católicos a deixar a Igreja.
O Sínodo sobre Sinodalidade enfrenta outros problemas. Talvez algumas das questões abordadas no Caminho Sinodal alemão possam ser levantadas no processo de discernimento, mas os processos sinodais romanos reconhecem o papel docente do papa e dos bispos. De fato, o cânon 343 do Código de Direito Canônico agora sustenta que o próprio sínodo só pode tomar uma decisão vinculante para toda a Igreja Católica quando o papa aceita explicitamente tais decisões. O sínodo provavelmente nem discutirá as questões mais divisivas na Igreja Católica hoje, que são a principal preocupação do Caminho Sinodal alemão.
Não estou muito otimista sobre o que ambos os sínodos concluirão.
Espero estar errado.
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Um conto de dois sínodos: O que os encontros sinodais da Alemanha e de Roma concluirão? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU