17 Fevereiro 2022
"Na mesma medida em que Valsecchi foi obscurecido e esquecido, tão impetuosa foi a fama e a popularidade de Hans Küng (1928-2021), um jovem teólogo presente no Concílio Vaticano II que nas décadas seguintes se tornou uma espécie de estandarte da contestação eclesial".
O artigo é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 13-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Federico Ferrari
Una teologia discordante. Ambrogio Valsecchi nell’Italia
degli anni 1950-1970
Morcelliana, pp. 357, € 28
"Não desejo o consenso, não provoco o dissenso, apenas procuro um senso". Assim o padre David M. Turoldo se defendia de seus acusadores. Nesta linha aparece agora um ensaio de extraordinário empenho crítico - os documentos examinados são inúmeros e muitas vezes foram desenterrados nos recantos mais remotos e empoeirados dos arquivos - significativamente intitulado Una teologia discordante (Uma Teologia Discordante, em tradução livre). O autor é um jovem estudioso da Cattolica, Federico Ferrari, e o adjetivo que ele escolheu é emblemático. Em italiano, a palavra "coração" gerou um delta lexical ramificado: vai da "lembrança" à cordialidade, da misericórdia à coragem, da dor à corrupção e assim por diante.
Relevante no plano teórico e prático é a dupla “concórdia-discórdia” que declina o “consenso-dissenso” de onde partimos. No entanto, o adjetivo "discordante" (diferentemente de “discorde”) marca um percurso divergente dialético baseado em uma argumentação e reflexão articuladas. Foi o que aconteceu com o teólogo moral Ambrogio Valsecchi, nascido em 1930, sacerdote de 1953 a 1974, e desde então padre operário e depois psicoterapeuta até sua morte em 1983, depois que a cortina do silêncio eclesial havia caído sobre ele, ao contrário da discussão pública anterior e animada.
No entanto, é interessante notar que em 2011, por ocasião de sua chegada em Milão como arcebispo, o card. Angelo Scola entre seus "padres e mestres na fé" incluía também "a sofredora figura de Ambrogio Valsecchi". Eu mesmo, apesar de não ter sido seu aluno no Seminário milanês onde foi professor de 1956 a 1967, lembro-me de seu perfil delgado e da complexidade do debate que envolvia a sua pessoa, mesmo quando por um curto período foi reitor do Colégio Borromeo de Pavia. É muito difícil resumir o enredo da particular biografia histórico-teológica traçada por Ferrari.
De fato, é necessário preparar todo o cenário do pós-Concílio Vaticano II com a efervescência da pesquisa teológica, com as tensões intraeclesiais muitas vezes acirradas, com o assomar-se de um novo modelo social marcado por perspectivas éticas inéditas. Em particular, um dos nós candentes foi aquele que entrelaçava os dois fios do amor conjugal e da procriação, que resultou em nível magistral na famosa encíclica Humanae Vitae que Paulo VI publicou em 25 de julho de 1978. O anseio pessoal, intelectual e teológico de Valsecci era de coordenar a tradição secular portadora de um refinado sistema cristalizado e a inovação impetuosa.
Simplificando, poder-se-ia dizer que o teólogo milanês pretendia introduzir uma série de caminhos (posteriormente trilhados por muitos e ainda hoje frequentados), como a visão personalista, primordial na mensagem cristã, uma antropologia mais rica que não ignorasse a contribuição das ciências humanas, a "simbolicidade", ou seja, a unitariedade da sequência sexualidade-eros-amor-geração, o diálogo com a cultura e a sociedade contemporâneas. Os próprios títulos de suas principais obras que fizeram explodir o "caso Valsecchi" - com uma vasta gama de reações reconstruídas de maneira meticulosa, mas viva e "narrativa" por Ferrari e que viram como atores principais o bispo Carlo Colombo, teólogo do Papa Paulo VI, e o arcebispo de Milão Giovanni Colombo - foram expressivos: Regulação dos nascimentos (1967), o fundamental e contestado Novos caminhos da ética sexual (1972) e Julgar por si (1973).
O retrato de uma personalidade sincera, rigorosa, às vezes radical, homem de fé e de cultura, revela múltiplas características mesmo entre seus próprios interlocutores polêmicos que, como no caso arcebispo de Milão, muitas vezes incluem afeto, respeito mútuo, diálogo, mas em outros uma certa dureza e surdez. Talvez o termo mais autêntico para definir um evento tão complexo, a ser contextualizado naquele período histórico, seja o adjetivo “sofrido” usado pelo cardeal Scola. Em anexo apresentamos um retrato bastante diferente, com resultados distintos tanto pelas relações com a hierarquia eclesiástica como pelo impacto sociocultural.
Stephen Schlensog
Hans Küng
Queriniana, pp. 192, € 22
Na mesma medida em que Valsecchi foi obscurecido e esquecido, tão impetuosa foi a fama e a popularidade de Hans Küng (1928-2021), um jovem teólogo presente no Concílio Vaticano II que nas décadas seguintes se tornou uma espécie de estandarte da contestação eclesial. Na realidade, sua personalidade aclamada e até instrumentalizada, multiforme, genial, explosiva, merece um juízo histórico mais fluido, capaz de registrar muitas variações e nuances. É o que fazem os breves textos reunidos por Stephen Schlensog, secretário-geral da Fundação Weltethos, criada pelo próprio Küng.
É evidente o aspecto solidário dos testemunhos que, no entanto, conseguem centrar algumas encruzilhadas indiscutíveis que o teólogo suíço enfrentou: cristologia, eclesiologia, ecumenismo, multiculturalismo religioso, ética global, confronto com o ateísmo, reforma da Igreja, secularização. Um dos méritos de Küng foi saber falar ao mundo secular, às vezes com alguma simplificação e condescendência ou equívoco, convencendo muitos de que a teologia não é um remoto discurso de academias do passado, mas um espinho necessário no flanco de um mundo distraído e superficial.
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A força do pensamento divergente. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU