Em seu último livro, Le catholicisme a-t-il encore de l’avenir en France? (O catolicismo ainda tem futuro na França?), o historiador Guillaume Cuchet põe sob a lupa as mutações da paisagem religiosa francesa contemporânea, especialmente o crescimento dos “sem religião”, chamados de “nones” nos Estados Unidos. Ele observa a transformação das crenças principalmente entre os jovens, bem como o renovado interesse pela espiritualidade, agora oposta à religião.
A entrevista é de Marie-Lucile Kubacki publicada por La Vie, 08-09-2021. A tradução é de André Langer.
O crescimento dos nones é uma novidade?
Os nones eram, inicialmente, aquelas pessoas que declararam não ter religião nas pesquisas de opinião estadunidenses. O termo tornou-se uma categoria da Sociologia da Religião à medida que o grupo cresceu e a posição foi descriminalizada na mente das pessoas. Sua novidade, em comparação com os “sem culto” dos censos do século XIX, é que são muito mais numerosos e a estrutura cultural em que evoluem é apenas marginalmente cristã.
Os nones constituem a maior parte dos jovens: qual é a proporção dos “espirituais” entre eles? E qual é o perfil desses “espirituais não religiosos”?
A proporção é difícil de estabelecer: em todo caso, são muitos. Eles têm perfis variados, mas com tendências comuns. Jovens ou menos jovens, eles opõem facilmente a “religião” – mais ou menos sinônimo em suas mentes de dogma, de instituição, de restrições, até mesmo de violência e crimes (em uma época de fanatismo islâmico e da crise dos abusos sexuais na Igreja) – à “espiritualidade”, que para eles encarna o lado positivo da religião, desde que expurgada de seus aspectos considerados mortíferos.
Três fatos estão atualmente mudando a paisagem religiosa francesa: o declínio do cristianismo, o crescimento do Islã e a explosão dos nones: esta última categoria está subestimada?
O crescimento do islã e do islamismo não deve, de fato, nos fazer esquecer do crescimento dos nones, que me parece ser, a longo prazo, para o destino religioso das sociedades ocidentais, um fenômeno ainda mais importante. Eles já são maioria entre os jovens, e introduzem em nossa história filosófica uma formidável incógnita, sem precedentes nos anais antropológicos da humanidade.
O quietismo histórico é um movimento místico condenado no final do século XVII. O novo quietismo ocidental de que estou falando é bem diferente. É um fenômeno mais psicológico do que místico, mesmo que um não exclua o outro, marcado sobretudo pela busca do bem-estar interior. Basta percorrer as seções “esotéricas” ou de “desenvolvimento pessoal” de uma livraria popular para ver seu sucesso. Mas essa busca pela quietude também revela uma preocupação anterior generalizada, que não se explica simplesmente pelas tensões da vida moderna, mas também pelas aspirações metafísicas difusas provocadas pelo vazio religioso circundante.
No longo prazo, que possíveis cenários se abrem com o desenvolvimento desta categoria? Avanço em direção a uma espécie de materialismo vagamente agnóstico ou abertura de um mercado espiritual onde cada um vai compor seu próprio perfil religioso?
Os dois não são incompatíveis. Tendo a pensar que essa religiosidade difusa, que permeia até mesmo os universos religiosos tradicionais, é chamada a se desenvolver tendo como pano de fundo o materialismo e o agnosticismo generalizados, mas também a manutenção de polos de filiação religiosa minoritários.
Os nones franceses são diferentes dos nones estadunidenses?
Eles são mais numerosos e, como na França o fenômeno é mais antigo, muitas vezes estamos lidando aqui com a segunda ou até a terceira geração de abandono. Eles não são abandonadores, mas abandonados, que herdaram a ruptura. No entanto, se alguém pode passar a vida abandonando a religião da sua infância e se alimentando filosoficamente dessa luta, necessariamente chegará o momento em que deve passar para outra coisa. Aqui estamos. De certa forma, os verdadeiros problemas estão apenas começando!
Como e quando a relação entre religião(ões) e espiritualidade(s) mudou?
Antigamente, havia espiritualidades (carmelitana, jesuíta, da ação católica etc.) na religião, que eram modalidades particulares cujo controle era assegurado pelo dogma e pela instituição. Agora é o contrário: as religiões são vistas como modalidades particulares, locais e, no fundo, um pouco arbitrárias, desse fenômeno mais amplo e mais original que é a espiritualidade. Essa permutação, que já estava presente em germe na ênfase do século XIX no papel matricial do “sentimento religioso”, é, acredito, um acontecimento maior em nossa história espiritual.
O que há de novo na demanda espiritual contemporânea?
Nós falamos de “novas crenças”, mas sua novidade costuma ser bastante relativa. Falamos das experiências de morte iminente apenas a partir dos anos 1970, mas muitas dessas crenças remontam aos séculos XIX, XVIII, e até antes. A sua novidade reside frequentemente mais nas mutações do quadro em que se desenvolvem do que em si próprio: o colapso do quadro de referência cristão; a multiplicação dos indivíduos filosoficamente flutuantes que constituem a base sociológica “natural” do fenômeno; a expansão de possíveis referências em assuntos espirituais com a globalização e a mistura de populações, etc.
São essas espiritualidades arreligiosas suficientemente fortes para enfrentar as grandes crises?
Parece-me que essa religiosidade contemporânea é especialmente adaptada aos tempos calmos, tanto no plano individual quanto coletivo, e que a moda atual só é possível por conta dessa calma. No longo prazo, religião e história (no sentido de tragédia) frequentemente andam de mãos dadas, tanto para cima como para baixa. Embora a religião tradicional seja capaz do ordinário, ela é também uma metafísica para tempos difíceis. “Eu os trarei de volta do fim do mundo”, escreveu Bossuet em suas Elevações sobre os mistérios.
Essas espiritualidades geralmente têm uma imagem bastante positiva, são julgadas mais em sintonia com a natureza, com o mundo e a modernidade, mais tolerantes porque livres de dogmas e, portanto, mais simpáticas. Mas elas também abrem um mercado, com todos os riscos que isso acarreta...
Na verdade, é um mercado lucrativo para todo um novo “clero” de coachs, médiuns, “psys” de todas as convicções, bastante simoníacos. As derivas sectárias são quase sempre possíveis, mas também são possíveis nas Igrejas, e a radicalidade que elas assumem quase sempre lhes falta. Muitos dos nossos contemporâneos se interessam por ela como estão interessados em cozinhar ou viajar, nem mais nem menos. Nesse sentido, a nova espiritualidade faz parte daquilo que Herbert Marcuse, em um famoso livro, chamou de “regime de saúde da sociedade unidimensional”, seu suplemento da alma.
Qual é o seu impacto sobre os católicos praticantes?
Os católicos praticantes, mesmo críticos da modernidade, não vivem fora da sociedade e do tempo. São, pelas circunstâncias, contemporâneos, influenciados pelas concepções circundantes, direta ou indiretamente, ainda que estas últimas se expressem geralmente entre eles de forma um pouco enigmática, tendo em conta as orientações específicas da sua tradição. Isso é menos verdadeiro para os fiéis do segundo ou terceiro círculo, a fortiori nas gerações mais jovens, entre as quais o espírito da época muitas vezes se expressa de forma mais direta.
Este é um desafio significativo para os católicos. Tanto para medir essas aspirações, como também para ordenar nessas crenças e práticas o que é compatível ou não com o cristianismo, e para mostrar, se esse for o caso, que eles têm dentro de sua própria tradição algo para satisfazer, e fora dela, a busca de sentido e de consolo contemporâneo.
Qual é a importante da mudança da nossa relação com a morte na mudança da paisagem espiritual?
Este é um fenômeno fundamental. A história da religião tem a ver eminentemente com as atitudes diante da morte e das transformações da mortalidade. Não é por acaso que, na França, a história da morte tenha nascido em torno de autores como Philippe Ariès nos anos 1960-1970, no momento em que nossas curvas de prática religiosa começaram a despencar.
O Papa Francisco, por sua atitude de abertura e seus centros de interesse, parece ter conquistado novas categorias de pessoas fora da Igreja Católica, não sem despertar tensões nas fileiras conservadoras... Isso chega a convencer essas categorias?
A Igreja dirige-se a públicos muito diversos e contempla em si a diversidade presente no mundo (esta é também uma das razões pelas quais é tão difícil governá-la). A modernização da Igreja é sempre um desafio: há o risco de desestabilizar aqueles que não a querem tanto sem converter, no entanto, aqueles em vista dos quais se faz essa mudança, a menos que se ganhe deles uma forma de simpatia ou de reconhecimento pelos serviços prestados, que, certamente, não são negligenciáveis, mas que não pode ser o objetivo principal do apostolado. Este é um debate antigo na Igreja que remonta pelo menos a meados do século XIX e é um pouco parecido com o que aconteceu com o Vaticano II. Mas a rentabilidade de um investimento não é avaliada da mesma forma no curto e no longo prazo!
Chego agora à pergunta que o título do seu livro propõe: o catolicismo ainda tem futuro na França?
Acredito que sim, embora este futuro possa ser modesto, não apenas porque o “produto” é bom e o futuro dura muito tempo, mas também porque tendo a pensar que os problemas cruciais da modernidade em questões religiosas ainda se colocam entre nós, no coração histórico da velha cristandade, apesar de certas aparências. Muitos outros países ou continentes, que parecem mais em forma deste ponto de vista, estão na verdade aquém desses problemas, que, ou ainda não se apresentaram realmente para eles ou que estão enfrentando pelo revés.
Na conclusão do seu livro, você defende um catolicismo “cultural”. O que você quer dizer com isso e como garantir que ele não se transforme em adoração das cinzas?
Por cultura, entendo algo que é mais do que uma simples identidade, especialmente se for apenas reativa (anti-muçulmana, por exemplo, à maneira do cristianismo muito duvidoso de alguns líderes populistas europeus), e menos do que a fé propriamente dita (se podemos concordar sobre o que é), como se tivéssemos necessariamente que renunciar a ela caso não a tivéssemos ou se acreditássemos não tê-la.
Pelo contrário, vejo na cultura um conjunto de recursos ordinários e extraordinários, pessoais e coletivos, intelectuais e rituais, que uma esperança, mesmo que envolta em simples fidelidade, basta para ativar. Incluem, por ordem de importância: uma identidade (não exclusiva), conhecimentos (sem os quais boa parte da nossa cultura é ininteligível), uma vida comunitária possível, uma distância crítica em relação ao mundo, uma exigência de altruísmo, o meio de hierarquizar na “boa” ordem as prioridades da existência e de enfrentar suas provações.
Finalmente, uma forma de intensificação do sentimento da vida que a coloca em um drama cósmico proporcional à sua complexidade e ao seu mistério, que, por uma vez, me parece quase fazer parte da história “natural” do espírito humano, sem ser totalmente explicado por causas da mesma ordem. Tudo isso vai muito além da mera fidelidade a uma tradição, mesmo que não haja nada de infame nisso. Afinal, uma consciência patrimonial no sentido etimológico do termo (que lembra os pais) permanece uma consciência, ali onde a liquidação sem rodeios desse passado me parece fazer parte de uma forma de inconsciência mal pensada.