13 Setembro 2021
A lei da biodiversidade de 2016 instituiu a obrigação ambiental real (ORE), que dá aos proprietários privados o poder de incluir servidões ecológicas às suas terras. Um mecanismo que é bem-sucedido do outro lado do Atlântico, mas não na França. Esta questão, que desafia a concepção clássica do direito de propriedade, foi tema de uma dissertação de mestrado que ganhou o último Prêmio Veblen em memória de Philippe Frémeaux. Seu autor extraiu dela o artigo que publicamos na sequência.
Charles Claron está envolvido em uma tese de doutorado em economia ambiental financiada pela École Ponts ParisTech sob a orientação de Olivier Coutard, Harold Levrel e Philippe Billet. A pesquisa que desenvolveu anteriormente no âmbito do seu mestrado (AgroParisTech, Université Paris Saclay) ganhou o Prêmio Veblen em memória de Philippe Frémeaux (edição 2020). Este trabalho foi realizado no âmbito do projeto de pesquisa Idefese, acolhido no Cired (Centre International de Recherche sur l'Environnement et le Développement) e orientado por Harold Levrel, Léa Tardieu e Antoine Missemer.
O artigo é publicado por Alternatives Économiques, 07-09-2021. A tradução é de André Langer.
Na tentativa de conter o colapso da biodiversidade, as Nações reunidas na última One Planet Summit (Paris, janeiro de 2021) comprometeram-se, entre outras medidas, a proteger 30% dos ecossistemas terrestres e marinhos de seus respectivos territórios (1). Um prenúncio do acordo que poderá ser concluído na próxima Conferência das Partes da Convenção da Biodiversidade (COP15), em 2022 (2).
Este objetivo ambicioso é, no entanto, insuficiente. A sua implementação baseia-se na extensão da rede global de áreas protegidas: áreas delimitadas e geridas de forma a garantir a conservação das suas características “marcantes”, como reservas naturais ou parques nacionais. No entanto, uma parte significativa da degradação do solo, principal fator na perda da biodiversidade, ocorre nas chamadas áreas “comuns” – terras agrícolas, pradarias ou florestas comuns – que não se destinam a ser cobertas por áreas protegidas.
Nesse contexto, a “preservação de terras privadas” parece ser uma estratégia complementar e necessária de proteção da biodiversidade aos olhos de muitos pesquisadores e ativistas. Esta expressão refere-se a todas as ações que promovam a conservação da natureza em terras privadas, sejam de propriedade de pessoas físicas ou de associações especializadas.
Vários dispositivos legais permitem que a propriedade da terra seja modulada para torná-la um instrumento de proteção da natureza. Entre eles, a “servidão ambiental” (3) goza de grande popularidade, em particular porque é fortemente mobilizada em vários países – principalmente anglo-saxões. Introduzida na legislação francesa com o nome de “obrigação ambiental real” (ORE) em 2016 (4), este instrumento promissor ainda não obteve grande sucesso.
A economia institucional ou o institucionalismo é uma escola de pensamento que surgiu no início do século XX que faz do estudo das instituições a pedra angular da análise econômica, tem participado, junto com outras correntes das ciências jurídicas e sociais, na formulação de uma teoria original dos direitos de propriedade. Ao contrário da visão liberal que descreve a propriedade privada como um direito natural, garantindo à pessoa o controle exclusivo e absoluto de um bem, esta escola defende uma concepção relacional e relativa do direito de propriedade. É entendida como uma rede de relações jurídicas (e sociais) entre os diferentes atores do imóvel: proprietário, locatário, não proprietários nem inquilinos, coletividades locais e administrações.
Essas relações são organizadas pelo Estado de Direito que define os direitos, deveres e responsabilidades de cada um, de modo que a propriedade cumpra sua “função social”, conciliando os interesses privados e o interesse geral. A metáfora do “feixe de direitos” é geralmente empregada em apoio a essa concepção relacional. Ela se propõe a representar a propriedade como um conjunto de prerrogativas cujo número e substância podem mudar e que podem ser compartilhados entre diferentes beneficiários.
Nessa perspectiva, os instrumentos de preservação de terras privadas permitem reconfigurar (limitar ou compartilhar) o “buquê de direitos fundiários” associado à propriedade de uma extensão de terra de modo a limitar a liberdade do proprietário de agredir o patrimônio natural. Essas reconfigurações ocorrem por meio de transações que são impostas ao proprietário quando se trata de ferramentas restritivas – como o zoneamento de documentos urbanísticos – ou negociadas com ele para obter instrumentos de incentivos maiores: instrumentos contratuais ou econômicos (subsídios, deduções ou isenções fiscais).
A ORE permite a um proprietário comprometer-se a implementar medidas de proteção da natureza a longo prazo em suas terras, através da celebração de um contrato com uma pessoa moral que garanta o interesse ambiental (coletividade territorial, associação de proteção da natureza ou organismo público). Este dispositivo possui três características interessantes.
Em primeiro lugar, as medidas são consentidas voluntariamente pelo proprietário. Então, o contrato pode estipular obrigações negativas (de não fazer) e obrigações positivas (como a abertura do local ao público, a manutenção ativa de um ou mais elementos da biodiversidade, etc.). Por fim, essas obrigações perduram durante a vigência do contrato, inclusive em caso de mudança de proprietário, garantindo assim uma proteção duradoura – até 99 anos na França.
A ORE faz parte de um processo recente de contratualização da proteção da natureza. A sua adoção também responde à demanda sustentada de organizações como o Conservatório Costeiro ou a Rede de Conservatórios de Espaços Naturais, que apontaram os limites dos tipos de contratos pré-existentes de proteção de ambientes naturais. Na verdade, eram precários demais, como os contratos de gestão que vinculam somente o atual proprietário; muito restritivos, como o arrendamento enfitêutico que priva o proprietário da maior parte do gozo de sua propriedade; ou difíceis de implementar, como servidões convencionais (ou servidões de direito privado), que exigem que o cocontratante tenha um terreno adjacente ao terreno a ser protegido (no código civil, uma servidão privada – ou contratual – só pode ser criada entre terras vizinhas).
Esta ferramenta apresenta assim um potencial significativo, uma vez que alarga os meios de ação dos proprietários e dos cocontratantes e permite-lhes, para além das restrições de utilização previstas na lei, estabelecer práticas de conservação da natureza adaptadas mais de perto ao terreno. Do ponto de vista das organizações autorizadas como cocontratantes (coletividades locais, associações de proteção da natureza ou organismos públicos), a ORE constitui também uma solução para a proteção da biodiversidade menos dispendiosa do que a aquisição de terras.
No entanto, cinco anos após a sua criação, foram assinados menos de vinte contratos voluntários – não vinculados a operações de compensação ecológica (5).
Isso se explica, em primeiro lugar, pela natureza recente desse dispositivo ainda pouco conhecido. Além disso, apesar do trabalho de sensibilização dos potenciais cocontratantes desenvolvido pelos serviços do Estado, a falta de perspectiva e de jurisprudência suscita dúvidas quanto à sua robustez jurídica em caso de contencioso. Mas é sobretudo a insuficiência dos incentivos apoiados pela ORE que se identifica como o principal obstáculo à sua adoção.
Atualmente, o signatário de uma ORE beneficia-se da isenção de parte dos impostos que compõem as “taxas notariais” (6) e também pode ser isento de uma fração do imposto predial sobre imóveis não edificados – desde que o município ou a intercomunidade tenha deliberado nesta direção.
No entanto, para o proprietário, o fato de restringir de forma duradoura o alcance do direito de propriedade associado à sua propriedade acarreta o risco de desvalorizá-la. Uma perda que esses dispositivos não permitem compensar. A ORE, portanto, se esforça para convencer além da porção mínima de proprietários dispostos a agir por pura ética ambiental.
As comparações internacionais mostram que o sucesso das servidões de conservação é indissociável das políticas públicas que acompanham sua implantação – principalmente no plano fiscal (7).
Nos Estados Unidos, as servidões ambientais concedidas gratuitamente e atendendo a certas condições são elegíveis para deduções de imposto de renda e herança correspondentes à perda de valor e renda que causam. Vários Estados complementam essas medidas federais com deduções de impostos sobre a propriedade ou de parcela do imposto de renda que administram.
A implementação deste generoso regime tributário a partir do início da década de 1980 levou a um crescimento rápido e contínuo na assinatura de servidões ambientais. De acordo com um censo recente (2015), elas protegem 226.000 km² de terra nos Estados Unidos, ou seja, uma área do tamanho da Romênia! O aumento proporcional das despesas tributárias que se seguiu, no entanto, revelou os limites dessa política pública. Como o contribuinte precisa arcar com todos os custos da indenização, as entidades contratantes dessas servidões quase sempre têm interesse em aceitá-las. O dinheiro público é, portanto, direcionado para terras com potencial de conservação muito variável, o que coloca problemas crescentes de aceitabilidade.
O Estado de Nova Gales do Sul (Austrália) optou por uma política de conservação de terras privadas mais direcionada. Desde 2016, uma organização paraestatal (Biodiversity Conservation Trust) dispõe de um orçamento dedicado à compensação de servidões de conservação que deve ser investido com o objetivo de maximizar o “retorno ecológico do investimento”.
Para tanto, o potencial ecológico das terras é avaliado por meio de métodos de cartografia da biodiversidade. “Se a propriedade privada permite a exploração, por que não deveria protegê-la?”, desafiou o filósofo Baptiste Morizot, citando o exemplo do trabalho da Aspas (8), uma associação que adquire terras para criar refúgios de vida selvagem. A par destes notáveis protagonistas de boa vontade, instrumentos jurídicos – mais ou menos restritivos – permitem modular o feixe de direitos fundiários para preservar melhor o patrimônio natural. Embora a ORE ofereça perspectivas interessantes a esse respeito, tudo indica que permanecerá pouco mobilizado se não for integrado a uma política coerente e ambiciosa de preservação de terras privadas.
1. 4ª edição do One Planet Summit para a biodiversidade (11 de janeiro de 2021). A França também aproveitou a oportunidade para publicar sua Estratégia Nacional para Áreas Protegidas – 2030.
2. COP15 da biodiversidade: o encontro internacional seria adiado novamente devido à pandemia.
3. No Brasil, trata-se de inovação advinda com a Lei 11.284/06 que acrescentou o artigo 9º-A à Lei 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente. A servidão ambiental é dos instrumentos da política nacional do meio ambiente e consiste na renúncia voluntária do proprietário rural ao direito de uso, exploração ou supressão dos recursos naturais existentes em sua propriedade. (Nota do tradutor)
4. A ORE foi promulgada por lei para a recuperação da biodiversidade e codificada no Artigo L.132-3 do Código Ambiental.
5. Ver o relatório do governo ao Parlamento sobre a implementação do mecanismo das obrigações ambientais reais e sobre os meios para torná-las mais atraentes (2021).
6. Os contratos de ORE estão isentos do imposto de registro de terras desde a chamada lei da “biodiversidade” (2016) e da contribuição para a segurança da propriedade nos termos do artigo 36 da lei de finanças para 2021.
7. Sobre este assunto, o recente relatório da Fundação para a Pesquisa sobre a Biodiversidade oferece uma análise muito instrutiva dos regimes fiscais de servidões de conservação em cinco países anglo-saxões. Ver “Comment développer les obligations réelles environnementales (ORE) en France?”, março de 2021.
8. Em coluna publicada no Le Monde (julho de 2019), o filósofo destaca o poder protetor da propriedade da terra, apoiando-se nas iniciativas de reservas de vida silvestre lideradas pela Aspas. Essas também são objeto de uma análise mais detalhada, à luz da metáfora da propriedade como feixe de direitos, no artigo de Lionel Maurel publicado na revista Terrestres.
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A propriedade privada é compatível com a proteção da natureza? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU