“Ite, missa est!” entre hinos e canções. Artigo de Gianfranco Ravasi

Foto: Cathopic

27 Mai 2021

 

Todos os domingos, as portas das igrejas são escancaradas – mesmo em tempos de pandemia – para acolher os fiéis, cada vez menos numerosos e “distanciados”, para a celebração da missa, palavra sobre cujo significado os estudiosos se obstinaram desde sempre.

 

A opinião é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 23-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o artigo.

 

A missa acabou: é a saudação litúrgica final da celebração eucarística que até mesmo os não crentes têm em seus ouvidos, talvez pela retomada que Nanni Moretti fez dela no título do seu filme de 1985. Uma obra, aliás, sugestiva pela sua capacidade de captar o fenômeno da crise religiosa que perpassa a sociedade e, portanto, as consciências de muitos padres ainda hoje, como acontecera com o seu Pe. Giulio.

 

O fato, porém, é que, todos os domingos, as portas das igrejas são escancaradas – mesmo em tempos de pandemia – para acolher os fiéis, cada vez menos numerosos e “distanciados”, para a celebração da missa, palavra sobre cujo significado os estudiosos se obstinaram desde sempre.

 

Mauro Braccini.
Missa (poi Messa):
vicissitudini di un vocabolo tra IV e VII secolo.
Centro Italiano di Studi sull’Alto Medioevo,
173 páginas.

 

Um professor emérito da Universidade de Pisa, Mauro Braccini, filólogo de prestígio, também faz a sua parte, por meio de um livro de leitura nada fácil, embora planejado em partes cronológicas e temáticas claras, a partir de uma passagem da Epístola XX que Santo Ambrósio dirige à sua irmã Marcelina, na qual aparece a frase evidente “missam facere coepi”.

 

O estudioso procede, portanto, na contagem das ocorrências do termo desde o século IV (o ano 385 da carta santo-ambrosiana) até o século VII. A oscilação dos intérpretes se move entre os dois polos tanto da missa como substantivo, e é o que aparece na fórmula do bispo de Milão (“comecei a fazer missa”), presente também na fórmula latina tardia "Ite, Missa est", quanto como particípio do verbo mittere, e seria então a oração/liturgia “enviada” a Deus, ou a assembleia “enviada” ao mundo para o anúncio do evangelho, depois de ter participado da celebração.

 

Não podemos, agora, delinear a complexa análise textual de Braccini, que certamente surpreenderá os pesquisadores: são curiosos, por exemplo, os capítulos em que se examinam os usos profanos do vocábulo, ou quando se revela o trânsito do termo latino para o grego bizantino com as mais diversas acepções (operações policiais, prática militar, cerimonial de corte).

 

O autor pretende identificar o seu significado radical, enquadrando-o no marco primigênio do Edito constantiniano de Milão (313) que decretava a liberdade de culto também para o cristianismo. Assim, três atores, César, Deus e a Igreja, se envolvem em um ato litúrgico, a missa, que, no entanto, tem nas suas raízes precisamente uma missa, ou seja, a concessão aos cristãos por parte de Constantino e Licínio de praticar publicamente o culto.

 

Por isso, o vocábulo havia se ampliado para abranger não apenas a missa, mas também algumas de suas partes e até a Liturgia das Horas, ou seja, a variedade ritual cristã. Na base, porém, sempre houve aquela acepção original segundo a qual o substantivo “missa” se referia à concessão da liberdade.

 

Permanecendo ainda no campo litúrgico, mas saindo da acribia filológica, para entrar no horizonte mais amplo da reflexão espiritual, aproximemos outro estudo muito essencial, mas sugestivo, sobre um assunto no passado raramente posto debaixo das lentes da teologia, mas de importância capital, a música.

 

Quem abriu esse caminho – que não é meramente uma revisão fenomênica dos temas religiosos na música, mas uma “teologia” do ato musical considerado em si mesmo – foram vários pensadores eclesiais contemporâneos, começando pelo célebre teólogo Hans Urs von Balthasar, até passar por Joseph Ratzinger, Hans Küng, Anselm Grün, Don E. Saliers, mas sobretudo pela vasta e original bibliografia de Pierangelo Sequeri.

 

Sergio Militello.
Teologia della musica.
Queriniana, 183 páginas.

Agora, quem tenta isso, com a sua competência como musicista e musicólogo, mas também com a sensibilidade de maestro e de professor, é Sergio Militello. Precisamente por isso, a sua abordagem teológica não se esgota ao perímetro, embora alto e nobre, da música sacra e litúrgica, mas se estende a toda a “primeira arte do sentimento humano”, mas capaz de dar um salto para a transcendência do diálogo com o divino. É, de fato, a dimensão simbólica da música, pela qual – segundo a tradição judaica – as notas do pentagrama seriam a escala esquecida pelos anjos na terra, depois de a terem usado para descer ao encontro do patriarca bíblico Jacó para lhe comunicar a mensagem de Deus (Gn 28,10-22).

 

Neste ponto, basta seguir o caminho proposto por Militello que, embora partindo das próprias origens da linguagem sonora, visa a identificar o valor teológico da música, considerando-a, na sua extraordinária potencialidade simbólica, como um “lugar” onde o divino e o humano se abraçam em consonância. Tem-se, portanto, uma epifania da experiência da fé, do espírito e do coração, da assembleia humana orante, mas também uma teofania da graça, do mistério, da revelação divina.

 

Não poderia faltar uma aplicação concreta que, com a sua competência e experiência, Militello confia ao mestre supremo nesse discurso, ou seja, Johann Sebastian Bach, do qual é proposto o admirável Magnificat (BWV 243), em uma emocionante exegese. Embora abusada, torna-se necessária a citação do agnóstico Emil M. Cioran: “Quando vocês escutam Bach, veem Deus nascer. Depois de um oratório, de uma cantata ou de uma Paixão dele, Deus deve existir. E pensar que tantos teólogos e filósofos desperdiçaram dias e noites procurando provas da existência de Deus, esquecendo a única delas!”.

 

 

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