O magistério do Papa Francisco mostra um interesse particular pelo Espírito Santo. A linguagem simples e direta que ele usa tem a vantagem de apresentá-lo de forma clara e sem cair em um intelectualismo teológico, que muitas vezes o torna incompreensível e, consequentemente, irrelevante para a vida de fé dos homens e das mulheres de hoje.
O comentário é de Andrea Lebra, publicado por Settimana News, 23-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Francisco fala do Espírito sobretudo em termos existenciais. Assim como ele costuma fazer em todas as suas intervenções, ele enfoca a questão trazendo-a de volta para o plano prático, para tocar e aquecer os corações.
A seguir são relatados, sem pretender uma completude, alguns ensinamentos sobre o Espírito Santo, que, recém-eleito bispo de Roma, Francisco quis definir como “o supremo protagonista de toda iniciativa e manifestação de fé” (discurso de 15 de março de 2013).
Pensando nas tantas pessoas que ainda hoje não sabem explicar bem quem é o Espírito Santo, se poderia dizer que ele é o grande desconhecido da nossa fé (meditação de 13 de maio de 2013), embora não um prisioneiro de luxo (meditação de 9 de maio de 2016).
Porém, quando rezamos, é porque o Espírito Santo suscitou a oração em nós.
Quando rompemos o círculo do nosso egoísmo e nos aproximamos de outras pessoas para encontrá-las, ouvi-las, ajudá-las, é o Espírito de Deus quem nos impulsiona.
Quando descobrimos em nós uma desconhecida capacidade de perdoar quem nos feriu, é o Espírito quem nos toma.
Quando vamos além das palavras de conveniência e nos dirigimos aos nossos irmãos e irmãs com aquela ternura que aquece o coração, certamente fomos tocados pelo Espírito Santo (homilia de 29 de novembro de 2014).
O Espírito Santo nos recorda tudo aquilo que Jesus disse. Com a ajuda do Espírito Santo, podemos interpretar as inspirações interiores e os acontecimentos da vida à luz das palavras de Jesus (homilia de 8 de junho de 2014).
De nada serve saber que Jesus ressuscitado está vivo se não se vive como ressuscitado. E é o Espírito quem faz Jesus viver e reviver em nós. Sem o Espírito, Jesus permanece como um personagem do passado; com o Espírito, ele é uma pessoa viva hoje. Sem o Espírito, a Escritura é letra morta; com o Espírito, é Palavra de vida (homilia de 9 de junho de 2019).
O Pentecostes por El Greco, Museu do Prado (Fonte: Wikimedia Commons)
Graças ao Espírito Santo, cada momento da vida terrena de Jesus pode se tornar, por meio da graça da oração, contemporâneo para nós. E, graças ao Espírito Santo, nós também estamos presentes no rio Jordão, quando Jesus imerge nele para receber o batismo. Nós também somos comensais nas bodas de Caná, quando Jesus dá o melhor vinho para a felicidade dos esposos... Nós também assistimos maravilhados às mil curas realizadas pelo Mestre... Nós também somos como o leproso purificado, o cego Bartimeu que recupera a visão, Lázaro que sai do sepulcro… (Audiência geral de 28 de abril de 2021).
O Espírito Santo é o dom. Pelo fato de ele ser dom, ele vive se doando e, desse modo, nos mantém unidos, tornando-nos partícipes do mesmo dom. É importante crer que Deus é dom, que ele não se comporta tomando, mas dando. Por que isso é importante? Porque o nosso modo de ser fiel depende de como entendemos Deus.
Se temos em mente um Deus que toma e que se impõe, também nós vamos querer tomar e nos impor, ocupando espaços, reivindicando relevância e buscando poder. Mas, se temos no coração um Deus que é dom, tudo muda.
Se nos damos conta de que aquilo que somos é um dom seu, dom gratuito e imerecido, então nós também vamos querer fazer da nossa própria vida um dom. E, amando humildemente, servindo gratuitamente e com alegria, ofereceremos ao mundo a verdadeira imagem de Deus (homilia de 31 de maio de 2020).
A Igreja se manifesta quando o dom do Espírito enche o coração dos apóstolos e os impulsiona a sair e a iniciar o caminho para anunciar o Evangelho e difundir o amor de Deus (Audiência geral de 29 de maio de 2013). O Espírito Santo é a alma e a linfa da Igreja e de cada cristão (Audiência geral de 9 de abril de 2014).
O evento de Pentecostes marca o nascimento da Igreja: uma Igreja que sabe surpreender e “fazer bagunça”. Sabe surpreender porque, com a força que vem de Deus, a Igreja anuncia uma mensagem nova, ou seja, a ressurreição de Cristo, com uma linguagem nova, que é a linguagem universal do amor. Uma Igreja que não tem a capacidade de surpreender é uma Igreja fraca, doente, moribunda: deve ser internada o quanto antes na unidade de terapia intensiva.
A Igreja de Pentecostes é também uma Igreja que “faz bagunça”: não se resigna a ser inócua ou um elemento decorativo, não hesita em sair, ao encontro das pessoas, para anunciar a mensagem que lhe foi confiada, mesmo que essa mensagem perturbe ou inquiete as consciências (Regina coeli de 8 de junho de 2014).
O Espírito Santo suscita os diferentes carismas na Igreja; aparentemente, isso parece criar desordem, mas, na realidade, sob a sua orientação, constitui uma imensa riqueza, pois o Espírito Santo é o Espírito de unidade, o que não significa uniformidade. Se nos deixarmos guiar pelo Espírito, a riqueza, a variedade, a diversidade nunca se tornarão conflito, porque ele nos impulsiona a viver a variedade na comunhão da Igreja (homilia de 29 de novembro de 2014).
O Espírito Santo não só se manifesta mediante uma sinfonia de sons que une e compõe harmonicamente as diversidades, mas se apresenta como o maestro que faz tocar as partituras dos louvores às “grandes obras” de Deus (audiência geral de 19 de junho de 2019). O Espírito Santo na Igreja é harmonia (homilias de 19 de maio de 2013, de 29 de novembro de 2014, de 9 de junho de 2019, de 31 de maio de 2020).
Foto: Vatican News
O Espírito é um vento que sopra impetuosamente e que muda os corações. Desbloqueia os ânimos. Vence as resistências. A quem se contenta com meias medidas, ele promete impulsos de doação. Dilata os corações estreitos. Impulsiona ao serviço quem se instala nas comodidades. Ele faz caminhar quem sente que já chegou. Faz sonhar quem sofre de mornidão. Mantém o coração jovem. Alcança até mesmo as situações mais impensadas. Abre caminhos novos. Quando sopra, nunca há calmaria. Ele revive os amores das origens (homilia de 20 de maio de 2018). Vence a aridez, abre os corações à esperança, estimula e favorece o amadurecimento interior na relação com Deus e com o próximo (Regina coeli de 20 de maio de 2018).
A Igreja se mostra fiel ao Espírito Santo na medida em que não tem a pretensão de regulá-lo e de domesticá-lo. Ela se mostra fiel ao Espírito Santo mesmo quando deixa de lado a tentação de olhar para si mesma.
E nós, cristãos, tornamo-nos autênticos discípulos missionários, capazes de interpelar as consciências, se abandonarmos o estilo defensivo para nos deixarmos conduzir pelo Espírito. Ele é frescor, imaginação, novidade.
A Igreja, que brotou do Pentecostes, recebe como herança o fogo do Espírito Santo, que não enche tanto a mente de ideias, mas incendeia o coração. Ela é investida pelo vento do Espírito que não transmite um poder, mas habilita a um serviço de amor: uma linguagem que todos conseguem compreender (homilia de 29 de novembro de 2014).
O Espírito Santo acende e conserva a fé nos corações. Ele acende e anima a missão, imprime nela conotações genéticas, ênfases e moções singulares que tornam o anúncio do Evangelho e a confissão da fé cristã outra coisa em relação a qualquer proselitismo político ou cultural, psicológico ou religioso (mensagem às Pontifícias Obras Missionárias de 21 de maio de 2020).
A Igreja cresce não por proselitismo, mas por atração, por testemunho. Para nós, cristãos, o problema não é sermos pouco numerosos, mas sermos insignificantes, tornarmo-nos um sal que não tem mais o sabor do Evangelho – esse é o problema! – ou uma luz que não ilumina mais nada (discurso de 31 de março de 2019).
O Espírito Santo que Cristo enviou do Pai e o Espírito Criador que deu vida a todas as coisas são um e o mesmo. Por isso, o respeito pela criação é uma exigência da nossa fé.
O “jardim” em que vivemos não nos é confiado para que o exploramos, mas para que o cultivemos e o cuidemos com respeito (cf. Gn 2,15). Mas isso só é possível se Adão – o homem moldado com a terra –, por sua vez, se deixar renovar pelo Espírito Santo, se ele se deixar remodelar pelo Pai segundo o modelo de Cristo, novo Adão. Então, sim, renovados pelo Espírito, podemos viver a liberdade dos filhos, em harmonia com toda a criação, e em toda criatura podemos reconhecer um reflexo da glória do Criador (homilia de 24 de maio de 2015).
O Espírito, necessidade primeira e última da Igreja, vem onde é amado, convidado e esperado (homilia de 9 de junho de 2019). Ele é, ao mesmo tempo, força centrípeta e força centrífuga.
É força centrípeta porque impulsiona para o centro, agindo no íntimo do coração. Traz unidade na fragmentariedade, paz nas aflições, fortaleza nas tentações. Ele doa intimidade com Deus.
Mas, ao mesmo tempo, ele é força centrífuga; isto é, impulsiona para fora. Aquele que leva para o centro é o mesmo que manda para a periferia, para todas as periferias humanas. Aquele que nos revela Deus nos impulsiona para os irmãos e as irmãs (homilia de 28 de maio de 2018).
Todos nós somos páginas abertas, disponíveis para receber a caligrafia do Espírito Santo. E, em cada um de nós, ele compõe obras originais, porque nunca há um cristão totalmente idêntico a outro.
No campo infindável da santidade, o único Deus, Trindade de amor, faz florescer a variedade das testemunhas: todas iguais em dignidade, mas também únicas na beleza que o Espírito quis que se desprendesse em cada um daqueles que a misericórdia de Deus tornou seus filhos (audiência geral de 17 de março de 2021). Para o Espírito Santo, não somos confetes levados pelo vento, mas peças insubstituíveis do seu mosaico (homilia de 31 de maio de 2020).
Ao prometer o Espírito Santo, Jesus o define como “outro Paráclito” (Jo 14,16), que significa Consolador, Advogado, Intercessor, isto é, Aquele que nos assiste, nos defende, está ao nosso lado no caminho da vida e na luta pelo bem e contra o mal. Jesus diz “outro Paráclito” porque o primeiro é ele mesmo, que se fez carne justamente para assumir sobre si a nossa condição humana e libertá-la da escravidão do pecado (Regina coeli de 10 de maio de 2016).
Quando o Espírito Santo passa a habitar no nosso coração, ele nos infunde consolação e paz, e nos leva a nos sentirmos como somos, isto é, pequenos, com aquela atitude – tão recomendada por Jesus no Evangelho – de quem coloca todas as suas preocupações e as suas expectativas em Deus e se sente envolvido e sustentado pelo seu calor e pela sua proteção, assim como uma criança com o seu papai! É o que o Espírito Santo faz nos nossos corações: faz-nos sentir como crianças nos braços do nosso papai (audiência geral de 11 de junho de 2014).
Quem vive segundo o Espírito “leva paz aonde há discórdia, harmonia onde há conflito. Os homens espirituais pagam o mal com o bem, respondem à arrogância com mansidão, à maldade com bondade, ao barulho com o silêncio, à fofoca com a oração, ao derrotismo com o sorriso”. Para “ser espiritual” é preciso colocar o olhar do Espírito “na frente do nosso” (homilia de 9 de junho de 2019).
Foto: Vatican News
O Espírito Santo faz falar com Deus e com os seres humanos. Ele nos faz falar com Deus tanto na oração, permitindo-nos nos dirigir a ele chamando-o de Abbá, quanto no ato de fé, permitindo-nos dizer “Jesus é o Senhor”.
Ele nos faz falar com os homens e as mulheres não só no diálogo fraterno, reconhecendo neles irmãos e irmãs, mas também na profecia, denunciando abertamente, mas sempre com mansidão e intenção construtiva, as contradições e as injustiças (homilia de 8 de junho de 2014).
São Paulo menciona um fruto do Espírito Santo com a palavra grega chrestotes (Gl 5,22), que expressa um estado de ânimo que não é áspero, rude, duro, mas benigno, suave, que sustenta e conforta. A pessoa que possui essa qualidade ajuda os outros para que a sua existência seja mais suportável, principalmente quando carregam o peso dos seus problemas, das urgências e das angústias.
É um modo de tratar o outro que se manifesta de diversas formas: como gentileza no trato, como atenção a não gerir com as palavras ou os gestos, como tentativa de aliviar o peso dos outros. Inclui dizer palavras de encorajamento, que confortam, que dão força, que consolam, que estimulam, em vez de palavras que humilham, que entristecem, que irritam, que desprezam (Fratelli tutti, n. 223).
No Novo Testamento, menciona-se outro fruto do Espírito Santo, definido com a palavra grega agathosyne (Gl 5,22). Indica o apego ao bem, a busca pelo bem. Mais ainda, é proporcionar aquilo que vale mais, o melhor para os outros: o seu amadurecimento, o seu crescimento em uma vida saudável, o exercício dos valores, e não só o bem-estar material.
Há uma expressão latina semelhante: bene-volentia, ou seja, a atitude de querer o bem do outro. É um forte desejo do bem, uma inclinação para tudo o que é bom e excelente, que nos leva a encher a vida dos outros com coisas belas, sublimes, edificantes (Fratelli tutti, n. 112).
A santidade é o rosto mais belo da Igreja. Mas, mesmo fora da Igreja Católica e em âmbitos muito diferentes, o Espírito suscita sinais da sua presença, que ajudam os próprios discípulos de Cristo (Gaudete et exsultate, n. 9).
Para o Espírito Santo, a Igreja não é uma jaula. O Espírito também voa fora e atua fora (palavras de 23 de fevereiro de 2018, ao término dos Exercícios Espirituais).
Evangelizadores com Espírito significa evangelizadores que se abrem sem medo à ação do Espírito Santo. Em Pentecostes, o Espírito tira os apóstolos de si mesmos e os transforma em anunciadores da grandeza de Deus, que cada um começa a compreender na sua própria língua.
Além disso, o Espírito Santo infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com audácia (parresia), em voz alta e em todos os tempos e lugares, até mesmo contra a corrente.
Invoquemo-lo hoje, bem fundamentados na oração, sem a qual toda ação corre o risco de permanecer vazia, e o anúncio, no fim, carece de alma.
Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa Notícia não só com as palavras, mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus (Evangelii gaudium, n. 269).