02 Abril 2021
O Papa Francisco, nessa Quinta-feira Santa, na sua homilia da Missa Crismal, concluiu com uma referência pessoal e autobiográfica, que ele já havia mencionado no dia 29 de maio de 2013, durante a missa em Santa Marta.
A nota publicada por Il Sismografo, 01-04-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis as palavras do papa hoje, no Altar da Cátedra, na sua encorpada e articulada homilia:
“Desejo concluir com uma recordação. Uma vez, em um momento muito escuro da minha vida, eu pedia uma graça ao Senhor, que me libertasse de uma situação dura e difícil. Fui pregar os Exercícios Espirituais a algumas religiosas, e, no último dia, como era de costume naquele tempo, elas se confessaram. Veio uma irmã muito idosa, com os olhos claros, realmente luminosos. Era uma mulher de Deus. Então, senti o desejo de lhe pedir que rezasse por mim e lhe disse: ‘Irmã, como penitência, reze por mim, porque preciso de uma graça. Se a senhora a pedir ao Senhor, com certeza Ele a me dará’. Ela esperou um pouco, como se rezasse, e depois me disse: ‘Certamente, o Senhor lhe dará a graça, mas não se engane: ele a dará segundo o seu modo divino’. Isso me fez muito bem: ouvir que o Senhor nos dá sempre aquilo que pedimos, mas o faz ao seu modo divino. Esse modo envolve a cruz. Não por masoquismo, mas por amor, por amor até o fim.”
Nestes últimos dois anos, cresceram muito as críticas ao Papa Francisco por inúmeros fatos internos à vida da Igreja, dolorosos, delicados, mas sobretudo herméticos e não transparentes.
A perplexidade e a desorientação diante de decisões e comportamentos de Francisco e de alguns de seus colaboradores levantaram perguntas a muitos católicos que ainda permanecem sem resposta.
Talvez a crítica principal se refira ao autoritarismo do pontífice, questão sobre a qual boa parte da imprensa especializada enfatiza cada vez mais a autocensura, e não se entende o porquê.
Repropomos aquilo que o Papa Bergoglio disse em agosto de 2013, em uma ampla conversa com o jesuíta Antonio Spadaro, publicada na revista La Civiltà Cattolica, no L’Osservatore Romano e no site Vatican.va.
Trata-se de uma passagem que, à distância de oito anos, ajuda a entender muitas coisas sobre as quais muitos católicos se interrogam.
Que tipo de experiência de governo pode fazer amadurecer a formação que teve o padre Bergoglio, que foi, primeiro, superior e, depois, provincial na Companhia de Jesus? O estilo de governo da Companhia implica a decisão por parte do superior, mas também o debate com os seus “consultores”.
E, assim, pergunto ao papa: “Acha que a sua experiência de governo do passado pode servir à sua atual ação de governo da Igreja universal?”.
O Papa Francisco, depois de uma breve pausa de reflexão, fica sério, mas muito sereno.
“Na minha experiência de superior na Companhia, para dizer a verdade, nem sempre me comportei assim, ou seja, fazendo as necessárias consultas. E isso não foi uma coisa boa. O meu governo como jesuíta no início tinha muitos defeitos. Aquele era um tempo difícil para a Companhia: tinha desaparecido uma inteira geração de jesuítas. Por isto, vi-me nomeado Provincial ainda muito jovem. Eu tinha 36 anos: uma loucura. Era preciso enfrentar situações difíceis, e eu tomava as minhas decisões de maneira brusca e personalistas. Sim, devo acrescentar, porém, uma coisa: quando eu confio uma coisa a uma pessoa, confio totalmente nessa pessoa. Ela deve cometer um erro verdadeiramente grande para que eu a repreenda. Mas, apesar disso, no fim, as pessoas se cansam do autoritarismo. O meu modo autoritário e rápido de tomar decisões me levou a ter sérios problemas e a ser acusado de ser ultraconservador. Vivi um tempo de grande crise interior quando estava em Córdoba. Claro, não, eu certamente não sou como a Beata Imelda, mas nunca fui de direita. Foi o meu modo autoritário de tomar as decisões que criou problemas”.
“Digo essas coisas como uma experiência de vida e para ajudar a entender quais são os perigos. Com o tempo, aprendi muitas coisas. O Senhor permitiu essa pedagogia de governo também através dos meus defeitos e dos meus pecados. Assim, como arcebispo de Buenos Aires, a cada 15 dias, eu fazia uma reunião com os seis bispos auxiliares e várias vezes ao ano com o Conselho Presbiteral. Faziam-se perguntas e se abria espaço para a discussão. Isso me ajudou muito a tomar as melhores decisões. E agora ouço algumas pessoas que me dizem: ‘Não consulte demais e decida’.
“Ao invés disso, eu acredito que a consulta é muito importante. Os Consistórios e os Sínodos são, por exemplo, lugares importantes para tornar verdadeira e ativa esta consulta. Porém, é preciso torná-los menos rígidos na forma. Quero consultas reais, não formais. A Consulta dos oito cardeais, este grupo consultivo outsider, não é uma decisão somente minha, mas é fruto da vontade dos cardeais, tal como foi expressada nas Congregações Gerais antes do Conclave. E quero que seja uma consulta real, não formal”.
(Entrevista com o Papa Francisco de Antonio Spadaro – Santa Marta, segunda-feira, 19 de agosto) (de: L’Osservatore Romano, ed. cotidiana, Ano CLIII, n. 216, sábado, 21/09/2013)
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Papa Francisco: “Foi o meu modo autoritário de tomar as decisões que criou problemas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU