29 Março 2021
A Igreja Católica nos EUA está falhando na sua capacidade de responder às mudanças climáticas e reavivar sua missão para salvaguardar a criação de Deus, afirmou um teólogo nesta semana durante uma palestra que gerou um ato de contrição do arcebispo presente.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 26-03-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Daniel DiLeo, um professor de teologia da Creighton University e diretor de programas de estudos sobre paz e justiça, fez os comentários no dia 22 de março, durante a conferência anual Schemmel na Clarke University, em Dubuque, Iowa. A conversa online mostrou um panorama do ensino católico sobre o meio ambiente e ciência do clima e como os dois se entrelaçam.
Perto do final de sua apresentação, DiLeo, que também é consultor da Catholic Climate Covenant, disse que a Igreja dos EUA está em um posto “quase ideal” para responder às mudanças climáticas. “Temos a missão, temos a ética” e o apelo à evangelização, disse ele, mas, além disso, tem a logística para fazer uma grande diferença – em termos de pessoas (são cerca de 70 milhões de católicos nos Estados Unidos, ou 20% da população), instituições (176 dioceses, quase 17 mil paróquias e milhares de escolas, hospitais e redes de defesa), infraestrutura (mais de 100 mil edifícios e milhões de hectares de terra) e dinheiro.
“A tradição católica tem um enorme potencial”, disse DiLeo. “Infelizmente, não percebemos esse potencial”.
Ele continuou: “A resposta católica nos Estados Unidos não está nem perto do que é compatível com a ciência e a magnitude do que [o Papa] Francisco descreve como a emergência climática. Então, fizemos algumas coisas, mas não está nem perto do que é requerido”.
Os comentários foram feitos na metade do ano especial do aniversário de Laudato Si', que o Vaticano declarou para celebrar o quinto aniversário da encíclica ecológica de Francisco. No final de junho, o Vaticano deve lançar sua Plataforma de Ação Laudato Si' em um esforço para galvanizar mais católicos a agirem sobre a mensagem da encíclica.
Embora várias universidades e escolas católicas tenham adotado a Laudato Si', e várias dioceses e paróquias a tenham colocado em ação, incluindo o uso ampliado de energia solar, toda a Igreja dos EUA ainda precisa se aglutinar pelo apelo do papa por uma gestão ambiental como parte central da identidade cristã. Durante a reunião dos bispos dos EUA em novembro de 2019, o então presidente cardeal Daniel DiNardo disse que a sensação entre seus colegas prelados era que a mudança climática era “importante”, mas não “urgente”.
As razões pelas quais os católicos dos EUA não abraçaram totalmente a Laudato Si' até agora são muitas, disse DiLeo. Parte disso é a educação, tanto na compreensão da ciência das mudanças climáticas quanto na catequese do ensino da Igreja sobre o meio ambiente. DiLeo apontou para pesquisas realizadas nos meses seguintes ao lançamento de Laudato Si' em junho de 2015, que uma baixa porcentagem de católicos tinha ouvido sobre a encíclica ou discutindo a mudança climática na missa.
“As pessoas simplesmente não estão cientes dos ensinamentos da Igreja sobre esse assunto”, disse ele.
Mas a educação é apenas o primeiro passo, disse ele. Embora algumas instituições da igreja tenham começado a integrar o cuidado da criação no culto, nos programas paroquiais e na formação, isso não foi difundido, nem tem programas de economia de energia nas dioceses e paróquias. Recursos para todas essas iniciativas foram desenvolvidos, disse DiLeo, mas não foram amplamente adotados.
“Acho importante reconhecer o potencial, mas também o fracasso, aqui nos Estados Unidos, de pensar isso em termos de essencial para a missão católica”, acrescentou.
A severa avaliação do teólogo de Creighton levou o arcebispo Michael Jackels de Dubuque a começar sua resposta citando parte da oração penitencial recitada durante a missa.
“Suponho que, ao pensar sobre isso, se deveria dizer, ‘Por minha culpa, por minha culpa, por minha tão grande culpa’ vou tentar fazer melhor”, disse ele.
O arcebispo disse que a mudança climática está envolvida no debate entre os católicos norte-americanos sobre quais questões são mais importantes do que outras, principalmente em torno do aborto e do que são vistas como questões da vida.
“O problema é que rotular algumas questões como proeminentes dá a impressão de que podemos ignorar as questões meramente eminentes, como racismo, ou brutalidade da polícia ou em direção a ela, ou pobreza, ou reforma da imigração e proteção do meio ambiente”, disse Jackels.
“Defendemos o direito fundamental à vida, sim, mas também defendemos que as pessoas precisam viver com dignidade”, acrescentou. “Trabalho produtivo e salários justos. Comida e abrigo. Educação e saúde e proteção contra o mal. E nós defendemos a Terra, porque onde mais viverão as pessoas por cujo direito à vida nós lutamos?”.
Jackels disse que a proteção do meio ambiente é uma parte fundamental do chamado à mordomia para as pessoas de fé, que reflete o papel dos humanos como zeladores e não possuidores da criação de Deus. Ele também se opôs àqueles que caracterizariam Francisco, com sua ênfase no ensino social católico, como “apenas um liberal sul-americano de olhos arregalados”. Na verdade, disse ele, o papa está se baseando no ensino social católico que remonta ao século XIX e na encíclica Rerum Novarum do papa Leão XIII.
“Papa Leão XIII escreveu a encíclica a fim de conter as reivindicações feitas por comunistas e socialistas contra os detentores da propriedade privada”, falou Jackels. “Ensino católico defende o direito à propriedade privada, mas também defende o dever de compartilhar com os outros a destinação universal dos bens. Esse direito e dever andam juntos”.
Jackels concordou com DiLeo que a educação é importante, dizendo: “Você não pode amar um ensino que não conhece”. Ele acrescentou, porém, que não é suficiente hoje em dia, quando as pessoas estão mais propensas a rejeitar completamente as coisas que não se alinham com o que elas já acreditam.
Quando pregou sobre o bem comum ao explicar a importância do uso de máscara e do distanciamento social durante a pandemia, por exemplo, o arcebispo disse que algumas pessoas responderam que o bem comum nem estava no Catecismo. Ele foi rápido em apontar que sim.
Ambos os palestrantes reconheceram que a polarização política é um obstáculo. DiLeo citou estudos que mostram que os católicos que se identificam como republicanos, cerca de metade da Igreja dos EUA, têm maior probabilidade de rejeitar os ensinamentos do papa sobre a mudança climática e outras questões que vão contra os valores conservadores.
“Seja o meio ambiente ou o ensino social, o bem comum... se não corresponder [com] o que eles já acreditam, então é, eu acho, quase um milagre para eles abrirem suas mentes e corações o suficiente para receber o ensino”, disse Jackels.
No entanto, ele acrescentou: “Vou continuar insistindo nisso até que se faça efeito”.
DiLeo disse que a educação pode ser o fundamento, mas não o fim, citando Francisco na Laudato Si', dizendo: “Um compromisso tão elevado não pode ser sustentado apenas pela doutrina, sem uma espiritualidade capaz de nos inspirar, sem um ‘impulso interior que os encoraje, motiva, nutre e dá sentido à nossa atividade individual e comunitária’”.
“Não basta apenas falar sobre os princípios. É preciso ter estratégias, campanhas e movimentos para implementá-los e operacionalizá-los”, disse ele.
Um exemplo disso ocorreu na Creighton University, onde durante mais de três anos estudantes se mobilizaram para pressionar a escola jesuíta e seu conselho de diretores a desinvestir 587 milhões de dólares em combustíveis fósseis, uma medida que a universidade anunciou em janeiro.
De 13 a 15 de julho, a universidade de Omaha, Nebraska, sediará a segunda conferência do Pacto Climático Católico sobre a implementação da Laudato Si' na Igreja dos EUA, na qual o cardeal Blase Cupich, de Chicago, deverá fazer o discurso de abertura. DiLeo disse que espera que o evento, assim como a Plataforma de Ação Laudato Si' do Vaticano, possa construir um impulso para transformar o potencial da Igreja nos EUA.
“A aspiração é sustentada pelo reconhecimento de que é possível”, disse ele. “Mas isso só é possível por meio da ação”.
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EUA. A Igreja Católica está falhando em responder à emergência climática, afirmam teólogos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU