24 Fevereiro 2021
“Urgimos à União Europeia para que promova a vacinação em larga escala não apenas para a segurança e proteção da Europa, mas também para a saúde pública global como um bem público, beneficiando as pessoas que vivem em nações mais pobres tanto quanto beneficiam as pessoas que vivem em países com recursos para criar e produzir as vacinas. Garantir o acesso às vacinas para todos – que estejam disponíveis e a preços acessíveis – é uma urgência moral global”, escreve em nota a Caritas Europa e a Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia - COMECE, 23-02-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Com as vacinas da covid-19 finalmente sendo administradas às populações, especialmente no Norte global, os países mais ricos podem cada vez mais ver uma luz no fim do túnel e um fim presuntivo para uma catástrofe econômica e de saúde. A comunidade científica agiu rapidamente para iniciar a pesquisa necessária para identificar soluções de vacinas apropriadas. Os Estados-Membros da UE – sob a liderança das instituições da UE – tomaram medidas para mobilizar recursos econômicos para apoiar essa pesquisa. Os investimentos foram realizados na interface entre instituições públicas e empresas privadas.
Com velocidade surpreendente e sem pular os testes de segurança e eficácia necessários para novas vacinas, a humanidade agora tem ferramentas eficazes para enfrentar a pandemia. Este novo paradigma deve ajudar a compensar parte do impacto devastador da crise em termos de ansiedade sobre a própria saúde e a dos outros, desigualdades sociais emergentes e o empobrecimento de grandes segmentos da população mundial.
Mas com esta mudança de paradigma surgiram várias preocupações e alguma confusão: como foram negociados os acordos entre as instituições da UE e as empresas farmacêuticas? Como as vacinas seriam distribuídas, especialmente nos primeiros meses de produção? Quem receberia as vacinas primeiro? Como aumentar a capacidade de produção, com os meios de produção nem sempre dentro das fronteiras da UE? E por que as instituições públicas estavam aparentemente tão despreparadas?
A União Europeia desempenha um papel importante e crucial em todo este processo. Esta União se assenta no princípio da solidariedade. O compromisso solidário deve ser o critério decisivo neste momento histórico. É urgente implementar campanhas de vacinação em massa rapidamente. Urgimos à União Europeia para que promova a vacinação em larga escala não apenas para a segurança e proteção da Europa, mas também para a saúde pública global como um bem público, beneficiando as pessoas que vivem em nações mais pobres tanto quanto beneficiam as pessoas que vivem em países com recursos para criar e produzir as vacinas. Garantir o acesso às vacinas para todos – que estejam disponíveis e a preços acessíveis – é uma urgência moral global.
A Estratégia de Vacinas da UE deve ser rapidamente definida em detalhes. Após o desenvolvimento acelerado das vacinas, um foco mais forte deve ser colocado na fabricação e implantação. Isto exige um apoio interdisciplinar mais forte por parte de todas as instituições da UE. Saudamos o estabelecimento da nova incubadora HERA pela Comissão Europeia para identificar e eliminar gargalos na produção de vacinas e ajustar a produção ao surgimento de novas variantes de vírus. Capacidades organizacionais e logísticas devem ser desenvolvidas para atender a demanda por vacinação em massa: todo trabalho em direção a este objetivo deve ser apoiado e incentivado.
A União Europeia deve apoiar os Estados-Membros a favor de uma acurada educação para a saúde, a fim de promover ativamente a informação em massa e campanhas de defesa para ultrapassar os receios da vacinação e da desinformação. De uma perspectiva global, o acesso à vacinação tem sido lamentavelmente desigual e injusto até agora.
Estamos testemunhando tendências deploráveis em direção à “competição da vacina” e ao “nacionalismo da vacina” na forma de proibições de exportação e outras medidas protecionistas para bloquear o fornecimento de vacinas dos países mais pobres. Os países já vulneráveis tornam-se ainda mais isolados e vulneráveis, arriscando-se a reverter décadas de desenvolvimento humano e ameaçando impedir o progresso da humanidade em direção ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030. Com o Papa Francisco, acreditamos que se as vacinas são para garantir o nosso bem-estar coletivo, elas “devem estar disponíveis para todos... especialmente as mais vulneráveis e necessitadas de todas as regiões do planeta” (Mensagem de Natal Urbi et Orbi, 2020).
Como foi enfatizado pelo Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, “a prioridade deve ser dada à vacinação de algumas pessoas em todos os países, ao invés de todas as pessoas em alguns países”.
Exortamos, portanto, à União Europeia e aos seus Estados-Membros a não cederem a uma prevalência preocupante dos interesses nacionais ou econômicos, mas a perseverar para que as suas ações internas e externas sejam orientadas pelos princípios da fraternidade, solidariedade, subsidiariedade, justiça social e inclusão, a fim de permitir o acesso equitativo às vacinas tanto dentro de cada país, como em toda a UE e na comunidade global.
Saudamos o compromisso da UE por meio de sua abordagem Team Europe para a implementação da COVAX global, com o objetivo de permitir o acesso equitativo às vacinas da covid-19 também em regiões economicamente mais fracas da África, América Latina e Ásia, e apelamos ao envolvimento ativo contínuo da União tendo em vista fazer desta ferramenta um instrumento eficaz de solidariedade global. Além disso, encorajamos uma cooperação construtiva entre as instituições da UE e os Estados-Membros na rápida operacionalização do recentemente anunciado mecanismo comum de partilha de vacinas da UE, de modo a permitir que suprimentos adicionais de vacinas cheguem às regiões necessitadas da vizinhança da UE, África e outras partes do mundo.
O compromisso multilateral da UE também é necessário para abordar questões de propriedade intelectual, com o objetivo de facilitar a produção localizada de vacinas, ao mesmo tempo que reforça as capacidades de fabricação local, fornecendo aconselhamento técnico e apoio para fazê-lo. Neste contexto, a UE deve promover uma abordagem multissetorial, envolvendo os atores locais, incluindo igrejas e organizações religiosas, que frequentemente prestam cuidados médicos e apoio às comunidades mais vulneráveis, mesmo nas zonas rurais mais remotas.
A Europa deve convidar a críticas construtivas e ouvir as vozes que clamam pela justiça nas vacinas. A Europa pode fazer da sua política de vacinas da covid-19 não só o “início do fim” da crise pandêmica, mas também colocá-la como “início de um novo começo”, para uma política renovada ao serviço do bem comum e da solidariedade.
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A União Europeia e os desafios das vacinas da covid-19. Nota da Caritas e bispos da Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU