19 Fevereiro 2021
"O mundo está cheio de contradições, mas nem o homem nem Deus se responsabilizam por elas. O primeiro não criou o mundo, e o segundo porque 'não queria este tormento que os homens fizeram da sua bela criação, a sujeira de seus rostos em que a imagem se tornou irreconhecível até desaparecer'. O ponto crucial da confusão, se houver, permanece inacessível. A culpa 'é macroscopicamente evidente e cai na terra de ninguém, entre Deus e o mundo, no desconhecido que ninguém conhece e ninguém quer admitir: tolle, tolle, crucifige! Com ele tudo se acabe, que a cruz o destrua'" escreve Roberto Mela, professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimana News, 16-02-2021, comentando um livro de autoria de Hans Urs Von Balthasar (1). A tradução é de Luisa Rabolini.
O grande teólogo suíço (1905-1988) comenta de forma clara e eficaz as quatorze estações da cruz pintadas a preto e branco por Joseph Hegenbarth (1884-1962) no início da década de 1960, quase num único ato, mesmo depois de longas hesitações e reflexões. Von Balthasar não compõe um comentário estético, mas um texto que serve para meditação e oração.
O mundo está cheio de contradições, mas nem o homem nem Deus se responsabilizam por elas. O primeiro não criou o mundo, e o segundo porque “não queria este tormento que os homens fizeram da sua bela criação, a sujeira de seus rostos em que a imagem se tornou irreconhecível até desaparecer”. O ponto crucial da confusão, se houver, permanece inacessível. A culpa “é macroscopicamente evidente e cai na terra de ninguém, entre Deus e o mundo, no desconhecido que ninguém conhece e ninguém quer admitir: tolle, tolle, crucifige! Com ele tudo se acabe, que a cruz o destrua”.
Essas expressões de comentário sobre a primeira estação, a da condenação de Jesus à morte, imediatamente dão uma ideia da profundidade e da genialidade do discurso do estudioso. Quando a cruz, pérfida, bate de repente entre a cabeça e o pescoço, lança ao chão aqueles que não tomaram a cruz sobre si, mas se viram repentinamente golpeados por trás. Jesus é lançado ao chão "aranha grotesca, quase uma granada explodindo". “A madeira desde sempre bate na nuca, a carga cai com quem a carrega no único espaço que é infinito: o espaço da rejeição”.
Os torturadores atiçam. "Como pescadores noturnos com arpões." Alguma coisa sensível e nauseante palpita sob seus pés. "Eu sou um verme, não um homem”. Eles seguem, esta via crucis continua e que se estende, "este meio cadáver, suja a história do mundo". "E milhares de vezes nós passamos por cima dele, o esmagando, e ainda assim ele palpita".
Jesus encontra a mãe. “Apenas através da trave, como atrás de uma grade de prisão, os olhos se lançam por trás dos espinhos: Eu sou inalcançável, para nós dois Deus é inalcançável, esconda-se. "Mulher, o que há entre eu e você?". Apenas a trave que nos une e, ao mesmo tempo, nos separa. Existe um sofrimento comum. Mas a cruz divide, nela todos estão sozinhos ... No entanto, há uma atração por essa solidão e de repente se vê que ela prevalece, a mulher com o rosto escondido é atraída acima de si mesma, por uma força alheia, "onde você não quer”. "Há uma infinidade de mãos unidas e estendidas de forma comovente. Elas recebem sua parte, pois o terrível isolamento entre o abandonado e a abandonada se repete para eles à distância. "Chore por você e seus filhos", "Saiu e chorou amargamente." Em algum canto, poder chorar por si mesmo. Quem nos ajuda a chorar por ele, lágrimas de mãe? Quem pode fazer com que nós, causa da sua dor, acudamos quem sofre?”.
Passam as estações de Jesus ajudado pelo Cireneu, enxugado por Verônica, a segunda queda, o momento em que Jesus consola as mulheres que choram e depois a terceira queda.
Finalmente, Jesus é despido, crucificado e morre na cruz.
Von Balthasar comenta: “Quem abraça a cruz está sempre só ... E quem abraça a cruz dirige o olhar para quem não o vê, para alguém que também olha para cima, para Deus que o abandonou. Mas é precisamente assim que ele assume em si o nosso ser abandonado por Deus ... As belas palavras ditas por ele na cruz ... tiram sentido e força de uma única coisa: ele sabe o que é o abandono ... Se tudo isso é puramente o homem desnudado - ecce homo -, ainda haveria razão para criticar Deus. Ou a realidade última do próprio Deus se manifestou aqui? Mas então certamente não seria uma questão de abandono de Deus (já que neste caso não seria Deus e o homem voltaria a estar sozinho), mas do amor de Deus: ele quer clamar, junto conosco, para aquele que naquele momento estava se escondendo. Mas por quê? Por que você me abandonou? Deixe-se questionar pelo problema de Deus”.
Uma via crucis intensa, imbuída de humanidade e fé, iluminada entre a trave e os espinhos da prisão por um amor paradoxal que se doa e dura para sempre. “Isso suja a história do mundo” (p. 18).
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O caminho da cruz. Artigo de Roberto Mela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU