11 Fevereiro 2021
O último livro do fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, e de seu ex-diretor suscita fantasias e demonização. Seu conteúdo, entretanto, difere das teses que lhe são atribuídas.
A reportagem é de William Audureau, publicada por Le Monde, 10-02-2021. A tradução é de André Langer.
Covid-19: The Great Reset
“Eles nem se escondem mais!” Os planos maquiavélicos da elite mundial do mal não seriam apenas uma realidade, mas seriam, além disso, publicados em preto e branco, acreditam alguns franceses que aderem a teorias da conspiração. Covid-19: The Great Reset (Covid-19: a grande reinicialização), livro lançado em relativo anonimato no verão de 2020, que se tornou um grande tema de discussão na “complosfera” no final de janeiro, seria a prova disso.
Caso acreditássemos na maneira como os teóricos da conspiração falam dele, este livro estaria expondo todos os projetos nefastos que eles atribuem à elite dominante: demolição de democracias, ditadura sanitária, nova ordem mundial ou mesmo uma sociedade de tecnovigilância. O que ele realmente quer dizer? Os decodificadores leram-no em sua versão original.
Covid-19: The Great Reset é ao mesmo tempo um livro de prospecção política, econômica e social publicado em julho de 2020, um programa e uma teoria da conspiração. A originalidade do livro reside no fato de ser assinado por dois eminentes membros do Fórum Econômico Mundial de Davos, os economistas Klaus Schwab, que é seu fundador, e Thierry Malleret, que foi seu diretor. Ele se baseia no programa de mesmo nome, que também serviu de tema, em junho de 2020, para a 50º reunião de Davos.
Os autores de Covid-19: a grande reinicialização partem da constatação de que as grandes crises históricas sempre estiveram na origem de profundas mudanças de sociedade, desde o surgimento do Estado moderno após a pandemia da peste negra até o do Welfare State após a Segunda Guerra Mundial. Portanto, a pandemia da Covid-19 “representa uma rara mas estreita janela de oportunidade para refletir, reimaginar e reinicializar o nosso mundo”.
Nesse caso, os dois economistas militam por um “mundo menos cindido, menos poluente, menos destrutivo, mais inclusivo, mais equitativo e mais justo que aquele em que vivemos na era pré-pandêmica”, explicam. Nunca se trata de abandonar o regime democrático, mas, pelo contrário, de avançar para sociedades mais igualitárias.
“É o livro de um guru da gestão, que pensa poder conceituar as principais mudanças econômicas e sociais, julga Jean-Christophe Graz, professor de relações internacionais da Universidade de Lausanne, autor de La Gouvernance de la Mondialisation e especialista em clubes transnacionais. O Fórum Econômico Mundial é um espaço que reúne um grupo seleto do pensamento estratégico que se debruça sobre os grandes desafios e as grandes transformações em escala global, e Klaus Schwab tenta incorporar essa visão globalizante”.
Covid-19: a grande reinicialização, na boca da complosfera, é antes de tudo uma casca vazia que se enche de todas as ideias repulsivas que passam, sem se preocupar com sua realidade. Consistiria em querer destruir a economia e os pequenos negócios, suprimir a moeda, derrubar as democracias, impor um acompanhamento personalizado da boa cidadania à la chinesa ou ainda instaurar um regime em breve comunista, fascista, nazista ou os três ao mesmo tempo. Tantas afirmações que vão desde a extrapolação desonesta à pura invenção.
Em sua comunicação, que começou em maio de 2020, o Fórum Econômico Mundial fala sobre um plano de ação de três pontos, que retoma algumas das principais considerações gerais do livro. Mas este último não tem nada de um kit de políticas pronto para ser aplicado. Em vez disso, é uma revisão cautelosa das mudanças previsíveis, positivas e negativas, área por área. Em suas próprias palavras, “é obviamente muito cedo para dizer com alguma precisão quais mudanças significativas a Covid-19 trará, mas o objetivo deste livro é fornecer algumas diretrizes sólidas e consistentes sobre o que pode acontecer”.
Eles próprios reconhecem que cada país reagirá de maneira diferente à pandemia e que as consequências graves são imprevisíveis. Por fim, parte das previsões consiste apenas em identificar as mudanças já visíveis em junho de 2020, no momento da redação do livro.
No nível geopolítico, Klaus Schwab e Thierry Malleret contam – sem querer – com uma eclosão dos nacionalismos, um declínio do multilateralismo e da globalização, bem como com uma concorrência frontal entre os Estados Unidos e a China e um mundo sem liderança clara. “Com, efeito colateral, o risco crescente de tensões nacionais, de concorrência pelo acesso a recursos e de guerras”, alertam os autores.
No nível econômico, eles preveem um bom momento para os setores da tecnologia, saúde e bem-estar, mas de crise para o setor recreativo, o turismo e os restaurantes. Os estudantes, os profissionais dos serviços e os trabalhadores cujos empregos podem ser substituídos pela robotização serão os mais afetados.
No plano político, segundo eles, esta crise vai levar – o que se observa desde a primavera de 2020 – a um retorno do Estado de bem-estar, com mecanismos inéditos de proteção social e de assistência às famílias e empresas em dificuldade.
Corolário monetário dos dois pontos anteriores: uma política de “dinheiro helicóptero” já amplamente em curso, que consiste em que os bancos centrais abastecem as economias sem contar com liquidez. Esse “dinheiro mágico” vai levar, e já está levando, a uma explosão da dívida pública. Esta, por sua vez, pode gerar uma hiperinflação, ou seja, uma forte alta dos preços e uma desorganização da economia.
Ironicamente, eles também preveem, em resposta à pandemia, uma desconfiança crescente entre indivíduos, lógicas de demonização e, como em toda pandemia, a explosão da retórica da conspiração.
Schwab e Malleret promovem uma visão que é ao mesmo tempo internacionalista, liberal e reformista. Citando Kishore Mahbubani, um pesquisador e ex-diplomata de Cingapura, eles julgam que “os 7 bilhões de habitantes do planeta Terra não residem mais em mais de cem cabines separadas [países]. Em vez disso, eles residem em 193 cabines de um mesmo barco”, como ilustrou a Covid-19. Nesse sentido, eles convidam para apoiar iniciativas e estruturas transnacionais, como a Organização Mundial da Saúde.
Outro ponto central é a consideração das questões ambientais. Segundo eles, a pandemia de Covid-19 prefigura muitas dificuldades ligadas ao aquecimento global. No entanto, a população mundial agora está ciente da questão ecológica, e empresas e governos têm interesse em promover o crescimento eco-responsável. Um compromisso interessado, pondera Jean-Christophe Graz: “Há um interesse de classe, que é preservar o capitalismo no longo prazo, e para isso é preciso preservar o meio ambiente”.
Finalmente, longe do ultraliberalismo que era a questão central do Fórum de Davos nas décadas de 1980 e 1990, os dois economistas também encorajam a mudança em direção a mais proteção social e a luta contra as desigualdades. Os motins que se seguiram à morte de George Floyd, em 25 de maio de 2020, em Minneapolis, dizem eles, mostram que uma sociedade desigual necessariamente traz violência e caos.
Quatro explicações podem ser apresentadas. O Fórum de Davos, um clube fechado de elites dirigentes, é frequentemente criticado por incorporar uma visão antidemocrática e transnacional de governança. “Um livro coescrito por seus fundadores é pão abençoado para os conspiradores”, sintetiza Jean-Christophe Graz, que lembra que os procedimentos de ratificação de cada Estado limitam a influência real do Fórum.
A ideia de uma grande “reinicialização” alimenta o imaginário conspiratório, embora paradoxalmente não diga muito. “Klaus Schwab tem a arte das fórmulas, ele sabe captar coisas complicadas com fórmulas fortes, que também podem ser muito vazias”, comenta Jean-Christophe Graz. Trata-se de uma expressão já vista: em 2010, Richard Florida, um professor de geografia da Universidade de Toronto, já havia intitulado um livro de forma semelhante após a crise dos subprimes de 2008.
As teses globalistas desenvolvidas em Covid-19: a grande reinicialização também são o oposto da retórica isolacionista de Donald Trump, que é muito influente nos discursos conspiratórios. Além disso, o livro critica de maneira velada o ex-presidente dos Estados Unidos por abandonar o multilateralismo e por sua imprevisibilidade. Ele também defende o movimento Black Lives Matter e assume a defesa do clima, dois grandes espantalhos do trumpismo.
Por fim, os autores aderem à ideia de que o resgate da economia deve passar pelo controle prévio da pandemia e, para isso, consideram as restrições à liberdade justificáveis, senão desejáveis. Por fim, suspendem o fim da crise com a chegada das vacinas, ao contrário dos discursos “covidocéticos”.
Essas acusações proliferam em sites de conspiração de extrema direita, mas não correspondem às palavras dos autores. Certamente, Klaus Schwab foi o autor, em 2017, de A Quarta Revolução Industrial (Edipro, 2016), um livro entusiasmado sobre as possibilidades oferecidas pela internet das coisas e os progressos das tecnologias médicas.
Esse entusiasmo pode ser encontrado em parte aqui, quando o livro aplaude os avanços da telemedicina e projeta a democratização dos banheiros conectados. Mas também alerta contra “o risco de distopia” ligado ao encontro do capitalismo de vigilância e a implantação de ferramentas de vigilância contrárias à privacidade.
Essa expressão é típica da retórica da conspiração. Ela defende a ideia de uma mudança radical na geopolítica do mundo e nas liberdades das populações, desejada por um grupo conspiratório secreto.
Exceto que Covid-19: a grande reinicialização não promove nenhuma “nova ordem mundial”: a única vez que a expressão aparece no livro é na forma de uma citação do economista Jean-Pierre Lehmann, para quem “não há nova ordem mundial, apenas uma transição caótica para a incerteza”. Além disso, em termos de geopolítica, Covid-19: a grande reinicialização é bastante conservador: defende o modelo existente de multilateralismo, apesar de sua desintegração.
Por definição, o Fórum Econômico Mundial reúne poderosos tomadores de decisão: é até condição para fazer parte deste seleto grupo. Mas apresenta duas faces contraditórias, analisa Jean-Christophe Graz: “Por um lado, um discurso que defende uma certa visão de mundo, próximo de um internacionalismo liberal, e por outro os serviços que o Fórum se reserva, a saber: a vantagem de poder se reunir em um lugar fechado entre grandes líderes para ajustar seus interesses no curtíssimo prazo. Aqui não estamos mais no plano ideológico, mas no plano transacional”. Uma maneira de dizer que este programa público, que em última análise é muito consensual, não envolve todos os membros de Davos, devido a muitos interesses particulares divergentes.
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O que é “Covid-19: o grande Reset”, o livro que virou teoria da conspiração? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU