20 Janeiro 2021
Para os estadunidenses, esta quarta-feira, 20, é o dia da posse do novo presidente. A mudança política está no ar aqui na Itália também, embora não exatamente da mesma forma – mais uma vez um governo italiano pode estar prestes a cair, pela 67ª vez desde a aurora da República Italiana em 1946 e pela espantosa 17ª vez desde 1994.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 19-01-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Derrubar governos é basicamente o esporte favorito da Itália. Desde 1994, o período médio que um governo italiano aguentou foi 617 dias, o que significa cerca de um ano e oito meses. Apenas dois primeiros-ministros desde 1948 completaram seus mandatos de cinco anos, e ambos tiveram que sair e, depois, formaram uma nova coalizão pelo menos uma vez.
E, mais uma vez, sem nem mesmo dizer nada em voz alta ou fazer nada abertamente, o Vaticano é um jogador no drama que está se desenrolando.
O que desencadeou a crise atual foi o ex-primeiro-ministro Matteo Renzi, que, desde então, saiu do principal partido de centro-esquerda italiano, o Partido Democrático, para formar seu próprio partido Italia Viva. Embora seja pequeno, tem membros suficientes nas duas casas do Parlamento da Itália para ameaçar a maioria do primeiro-ministro, Giuseppe Conte.
Ostensivamente, Renzi desistiu de uma disputa referente aos planos de recuperação pós-Covid-19. Conte se recusou a utilizar totalmente os fundos oferecidos pela União Europeia, sob o argumento de que são empréstimos, e a dívida relativamente alta da Itália tornaria as obrigações de reembolso insustentáveis, enquanto Renzi acredita que o país precisa de toda a ajuda possível.
Além disso, os opositores de Conte o acusam daquilo que é conhecido aqui como “transformismo”, mais ou menos aquilo que os estadunidenses chamariam de “mudar ao sabor do vento”. Ele chegou ao poder em um acordo com o partido populista de extrema direita Lega, mas agora governa com o apoio da principal coalizão de centro-esquerda.
No início, Conte pareceu amigável com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que o elogiou por ter feito um “trabalho fantástico” em 2019; nessa segunda-feira, 18, durante um discurso ao Parlamento italiano, Conte descreveu um telefonema “longo e amigável” que acabara de receber de Joe Biden e declarou: “A agenda de Biden é a nossa agenda”.
Para os críticos, isso é trapaça e hipocrisia; para os apoiadores, é precisamente a falta de uma identidade ideológica fixa de Conte que o torna ágil e capaz de enfrentar os problemas sem os preconceitos políticos habituais.
Nessa segunda-feira à noite, Conte levou a melhor em uma votação de censura na Câmara dos Deputados e de fato obteve um punhado de votos a mais do que o previsto. Hoje, porém, ele enfrenta um desfecho menos certo no Senado italiano. Mesmo que ele consiga sobreviver, não está claro se ele terá os números para governar com eficácia.
É aí que o Vaticano entra em cena.
Conte desfruta há muito tempo de uma forte relação com a Igreja. Ele é ex-aluno da Villa Nazareth, uma residência para estudantes universitários em Roma originalmente fundada em 1946 pelo cardeal Domenico Tardini, o secretário de Estado do Vaticano com São João XXIII, como um lar para órfãos de guerra. Ela evoluiu para um campo de procriação para as melhores mentes do catolicismo italiano socialmente consciente e conta, entre seus veteranos, seja como alunos ou professores, com figuras como o ex-primeiro-ministro Romano Prodi; o fundador do jornal de esquerda La Repubblica, Eugenio Scalfari (hoje famoso por suas conversas com o Papa Francisco); e o atual presidente da Itália, Sergio Mattarella.
Enquanto Conte frequentava a Villa Nazareth, um de seus professores era um jovem monsenhor chamado Pietro Parolin, que hoje é o cardeal secretário de Estado do Vaticano.
Conte vem de uma devota família católica, e um de seus tios, Fedele, era frade capuchinho e ajudante do Padre Pio no famoso santuário de San Giovanni Rotondo. Conte nasceu na mesma pequena cidade de Puglia, no Sul da Itália, que Maria Gargani, conhecida na vida religiosa como Maria Crocifissa del Divino Amore, considerada a primeira “filha espiritual” do Padre Pio, beatificada em 2018 (coincidentemente, foi em junho de 2018, o mesmo mês em que Conte se tornou primeiro-ministro).
Em momentos importantes, Francisco e o Vaticano deram um importante apoio a Conte, mais proeminentemente em abril, quando parecia que os bispos italianos estavam prontos para um confronto Igreja/Estado em torno das restrições relacionadas ao coronavírus no culto público. O pontífice interrompeu esse movimento ao usar sua missa diária transmitida ao vivo para pedir “obediência” às medidas governamentais de saúde pública, poupando Conte, de fato, de uma luta de que ele não precisava.
Poucos dias depois, Conte e os bispos italianos fizeram um acordo silencioso, e a celebração pública da missa não foi questionada desde então.
Agora, ao que parece, a Igreja também pode ser um ingrediente-chave na receita de sobrevivência de longo prazo de Conte.
Politicamente falando, o principal problema de Conte parece ser que ele é um moderado sem uma base natural própria, não conservador o suficiente para agradar a base da direita italiana, mas insuficientemente liberal para a esquerda ativista. Muitos observadores acreditam que seu objetivo final é costurar uma nova coalizão de fato do centro (quer ela se cristalize ou não em um partido), separando os colegas moderados de ambos os lados, com duas características definidoras: a coalizão de Conte seria pró-União Europeia, portanto não nacionalista ou isolacionista, e seria “católica”, entendida aqui como inspirada na doutrina social católica e respeitadora da tradição moral da Igreja.
É amplamente aceito na mídia italiana que o projeto tem as bênçãos do Vaticano, e ninguém fez nada para desfazer essa noção (no entanto, a Comunidade de Santo Egídio, um movimento católico próximo ao papa, foi forçada a emitir uma declaração negando que esteja tentando influenciar os políticos a apoiar Conte. Seja qual for a realidade, o simples fato de as pessoas suporem isso é relevador).
Consideremos o que está em jogo para o Papa Francisco.
Se Conte tiver sucesso, mesmo que em parte, o pontífice pode contar com um aliado razoavelmente confiável comandando o país. Se Conte fracassar, o resultado mais provável seriam novas eleições, o que poderia resultar em um retorno ao poder de Matteo Salvini, líder da Lega e uma significativa pedra no sapato para o papado de Francisco. Tendo suportado os anos de Trump em Washington, o papa poderia ver a mesma agenda básica dirigindo o espetáculo em seu próprio quintal, com toda a tensão e o drama que isso implicaria.
Conte deve se dirigir ao Senado italiano na manhã dessa terça-feira, 19, às 9h30, horário de Roma, e a votação é esperada para o fim do dia, com resultados previstos para cerca das 20h30, hora local.
Embora o Papa Francisco reitere que não assiste televisão, é possível que ele abra uma exceção nesta noite – porque, embora não tanto quanto o próprio Conte, Francisco também pode sentir que tem algo que lhe diz respeito em jogo.
Nota da IHU On-Line: Conte venceu o apoio de maioria simples no Senado italiano nessa terça-feira, depois de ter garantido a confiança da Câmara dos Deputados, por maioria absoluta, na segunda-feira. No total, 156 senadores dos 161 necessários para obter a maioria absoluta apoiaram o executivo de Conte, enquanto 140 votaram contra, segundo a agência EFE.
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Vaticano tem algo em jogo no atual drama político da Itália - Instituto Humanitas Unisinos - IHU