08 Janeiro 2021
Nove indígenas da etnia Caiová, dos quais dois adolescentes de 14 e 15 anos, foram resgatados de condições análogas às de escravo em uma fazenda de pecuária bovina em Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul.
A reportagem é de Leonardo Sakamoto, publicada por Uol, 04-01-2021.
A ação, que contou com a participação da Polícia Federal, que havia recebido uma denúncia, da Polícia Militar Ambiental e de auditores fiscais do trabalho, encontrou também seis paraguaios e dois brasileiros, todos em situação degradante - um dos elementos que caracteriza o trabalho escravo contemporâneo.
Segundo o auditor fiscal Antônio Maria Parron, que coordenou a ação, eles estavam alojados em barracos de lona precários, não contavam com instalações sanitárias e faziam suas necessidades fisiológicas no mato, usando a água do córrego para cozinhar, lavar as roupas, tomar banho e matar a sede. Atuando na construção de cercas e na limpeza do pasto, aplicavam agrotóxicos sem equipamento de proteção individual, contaminando-se.
Após a operação, eles ganharam as diárias de serviço a que tinham direito, mas apenas quatro, todos paraguaios, compareceram para receber as verbas rescisórias. Agora, a fiscalização está entrando em contato com os outros para entender o que ocorreu.
Assim que o processo de fiscalização for encerrado, este texto será atualizado com a identificação e o posicionamento dos proprietários.
O poder público também está atuando para garantir acesso das vítimas às três parcelas do seguro-desemprego ao qual os resgatados da escravidão têm direito desde 2003.
Para tanto, os órgãos envolvidos na operação estão atuando para buscar a emissão da documentação dos paraguaios. O Brasil é signatário de tratados internacionais que priorizam a emissão desse tipo de documentação para vítimas de tráfico de pessoas e de escravidão contemporânea.
De acordo com auditor fiscal, um dos estrangeiros resgatados já havia sido escravizado em outra fazenda em Mato Grosso do Sul, em 2013, e retirado da fazenda por uma equipe de fiscalização do governo federal.
Paulo Douglas Almeida de Moraes, procurador do Ministério Público do Trabalho da 24ª Região, responsável pelo caso, afirma que houve uma audiência preliminar com os proprietários da fazenda. E que, com base no cálculo de dano moral definido pela Reforma Trabalhista, cada trabalhador pode ter direito a receber em torno de R$ 140 mil (50 vezes o salário combinado) de indenização por se tratar de um caso gravíssimo.
As vítimas podem firmar acordos com a fazenda, caso prefiram, com exceção dos dois adolescentes - esse tipo de trabalho realizado por ambos é proibido para suas idades. Nesse caso, o MPT vai mover uma ação.
"A fronteira com o Paraguai tem sido palco de muitos casos de submissão de indígenas e estrangeiros ao trabalho escravo. É bater e encontrar", afirma o procurador.
Ele também alerta para o crescimento do trabalho de crianças e adolescentes na região. "É o recrudescimento de algo que víamos na década de 1990, na exploração de carvão vegetal. É sintomático do agravamento desse crime contra a humanidade. Não há mais pudor", afirma Moraes.
A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade. Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
As mais de 55 mil pessoas foram em sua maioria resgatadas por grupos especiais de fiscalização móvel, coordenados por auditores fiscais do trabalho em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições. Ou por equipes ligadas às Superintendências Regional do Trabalho nos estados, que também contam com o apoio das Polícias Civil, Militar e Ambiental.
Trabalhadores têm sido encontrados em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordeis. A pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada com trabalho escravo desde 1995.
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MS: Nove indígenas caiovás são resgatados da escravidão em fazenda de gado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU