10 Dezembro 2020
“Há um ano, levantei-me quando acreditei que as normas da democracia dos Estados Unidos estavam sendo ameaçadas. Acho que é importante agora nos levantarmos novamente. O presidente-eleito Joe Biden deve retirar a indicação de Lloyd Austin para secretário de Defesa. Se o presidente eleito não o fizer, o general Austin deve recusar a indicação”, escreve Peter Lucier, um veterano da Marinha dos EUA e estudante de Direito na Saint Louis University, em artigo publicado por America, 09-12-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em dezembro de 2019, eu viajei com um grupo de veteranos para Washington D.C. Em uma fria manhã de inverno, nós ficamos no gramado de trás do Capitólio e chamávamos por membros do Congresso, tanto Democratas quanto Republicanos, para se levantarem em defesa da democracia estadunidense. Durante o governo Trump, um chocante número de normas sobre segurança nacional e política externa foram violadas. Como veteranos, nós havíamos servido para defender a democracia estadunidense e sentíamos chamados a fazer novamente.
A nomeação do general reformado Lloyd Austin para servir como o secretário de Defesa do próximo presidente Joe Biden é histórica. Se confirmada, ele seria o primeiro secretário de Defesa negro, uma ocasião momentânea para um militar desagregado somente 72 anos atrás e que ainda luta pelo legado de uma injustiça racial. Ademais, muitos católicos podem dar as boas-vindas a um praticante devoto à frente do Pentágono.
Porém, sem esquecer de suas qualificações e a natureza histórica de sua indicação, a nomeação apresenta problemas significantes. Tendo um secretário de Defesa que até recentemente estava em dever ativo (general Austin aposentou-se há apenas quatro anos) também rompe uma importante norma das relações civis-militares, ao mesmo tempo em que ainda estamos recuperando algumas normas que foram destruídas pelo governo anterior.
O controle civil dos militares é uma base fundamental da democracia estadunidense. A Lei de Segurança Nacional de 1947 proíbe autoridades militares de servir em papéis civis no governo por sete anos depois estarem em dever ativo. Não há um processo de “exceção” incluído na lei. Para superar essa proibição, o Congresso deve passar uma legislação que, de fato, temporariamente suspende a proibição para uma pessoa específica. (A proibição foi suspensa duas vezes, pelo general reformado de cinco-estrelas George Marshall, em 1950, e pelo general reformado da marinha Jim Mattis, em 2017). Esse impedimento de sete anos para a nomeação a cargos civis no governo é o princípio chave no controle civil sobre os militares. Já que agora é um tempo para construir normas e restaurar a democracia estadunidense, eu me oponho à nomeação do general Austin.
Um oficial militar que se aposentou recentemente como secretário de Defesa mina o controle civil das Forças Armadas de várias maneiras. Talvez o mais importante seja a expectativa dos militares de se absterem de participar da política. Recentemente, vimos um uso impressionante e decepcionante de militares uniformizados, acompanhando a polícia civil, para abrir caminho para a aparição do presidente Trump na frente de uma igreja em Washington, D.C. Durante a sessão fotográfica, ele estava acompanhado por Mark Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto, de uniforme – uma cooptação da boa vontade que os estadunidenses sentem em relação aos militares para santificar um evento político.
O general Austin, como nomeado direto do presidente, estaria desempenhando um papel político no governo Biden. A nomeação de um general recém-aposentado continuaria a tendência perturbadora de usar militares apartidários para reforçar as credenciais políticas.
Além disso, o general Austin, tendo servido nas Forças Armadas por mais de 40 anos, teria relacionamentos pessoais com muitos dos oficiais que ele agora supervisionaria. As decisões sobre funcionários e servidores seriam inevitavelmente complicadas.
Da mesma forma, uma vida de serviço militar pode não criar as ferramentas mais eficazes para um general reformado servir com sucesso como secretário de gabinete. As habilidades que um secretário de Defesa exige são políticas, escolhendo entre prioridades concorrentes e cultivando relacionamentos com os formuladores de políticas. Esse é o tipo exato de habilidade que exigimos que os oficiais evitem ao servir uniformizados. O serviço como oficial militar simplesmente não é um currículo útil para uma pessoa servir como secretário de Defesa.
Finalmente, a normalização da nomeação de generais para cargos políticos tem um efeito prejudicial sobre o conselho que os generais atualmente em serviço são capazes de oferecer aos supervisores civis. O conhecimento de que generais ativos podem estar se preparando para futuras nomeações atinge a confiança dos líderes civis nos conselhos que recebem de oficiais militares de carreira.
Servi no Corpo de Fuzileiros Navais de 2008 a 2013 como fuzileiro de infantaria da Marinha. Minha condição de veterano não me qualifica como especialista em relações civis-militares. No entanto, ouço quando especialistas no assunto falam. Há um consenso crescente entre acadêmicos e formuladores de políticas com experiência na área, como Jim Golby, Rosa Brooks, Kori Schake, Tom Nichols, Eliot A. Cohen, Stephen M. Saideman, Loren DeJonge Schulman e outros de que essa nomeação teria efeitos significativos e duradouros sobre o controle civil dos militares nos Estados Unidos, especialmente vindo logo após a nomeação do general Mattis.
Há um ano, levantei-me quando acreditei que as normas da democracia dos Estados Unidos estavam sendo ameaçadas. Acho que é importante agora nos levantarmos novamente. O presidente-eleito Biden deve retirar a indicação de Lloyd Austin para secretário de Defesa. Se o presidente eleito não o fizer, o general Austin deve recusar a indicação. Se nenhuma dessas coisas acontecer, o Senado não deve aprovar um projeto de lei especial que anula a Lei de Segurança Nacional de 1947, que efetivamente concederia uma renúncia ao general Austin e desviaria a intenção da lei.
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EUA. Biden escolhe um católico negro para liderar o Pentágono. Uma escolha histórica – e que viola normas civis-militares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU