10 Novembro 2020
“Biden, que fez dois dos pilares centrais do ensino social católico – dignidade humana e o bem comum – pilares da sua campanha, precisa continuamente estender a mão para os 'eleitores do papa Francisco', e ele pode fazer isso por meio de políticas econômicas progressistas de longo alcance. Na verdade, a situação que ele herda exige nada menos que isso. A economia estará em frangalhos em 20 de janeiro, entraremos em um inverno longo e sombrio de altas taxas de covid-19 e atividade econômica em queda”, escreve Michael Sean Winters, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 09-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Qualquer eleição aponta a nação em uma direção particular: pela eleição de um presidente e membros do Congresso, o povo americano seleciona alguns políticos que tem feito campanha sobre a promessa de priorizar certas questões e alcançar certos resultados políticos.
Cada eleição, também, aponta para dois partidos em novas direções. O partido vencedor deve tentar transformar as promessas em realidade, priorizando alguns temas, decidindo o quanto de capital político gastará para resolver os problemas, como tentar consolidar seu apoio e o expandir. O partido perdedor precisa conduzir um luto que o coloca diante de uma questão fundamental: é o partido que precisa de uma correção de curso ou foram preocupações efêmeras – um mau candidato, um ciclo de notícias falsas, uma pandemia – que causaram a derrota apesar da orientação?
Com os Democratas conquistando a Casa Branca, mas falhando em recuperar o Senado e perdendo assentos na Câmara dos Deputados, o presidente eleito Joe Biden enfrentará um desafio extraordinário diante dessa pandemia com um governo dividido.
Enfrentar o líder da maioria do Senado, Mitch McConnell, deve ser o maior obstáculo de Biden. Não se pode presumir de boa fé por parte do líder da maioria, como ele demonstrou por sua decisão hipócrita de apressar a nomeação de Amy Coney Barrett para a Suprema Corte.
Conforme discuti na sexta-feira, o novo presidente deve demonstrar que foi sincero quando prometeu ser um presidente para todos os estadunidenses, alguém que busca unir o povo americano, e sugeri alguns meios para ele cumprir essa importante tarefa.
Dito isso, nosso governo democrático reflete um país profundamente dividido e, embora seja tentador para Biden buscar algum centro fictício e moderado, é uma tentação que ele deve resistir. Biden, um moderado ao longo da vida em questões sociais e econômicas, deve estar disposto a desafiar o Senado a se apresentar à altura da situação e não se contentar com políticas inadequadas que não atendem às necessidades do povo americano.
É desagradável considerar como a economia ficará ruim após um inverno de covid. Ele não deve ter medo de desafiar McConnell e os republicanos do Senado a dizer não às propostas de estímulo econômico na escala que o povo americano exige.
Ao longo da campanha, Biden tendeu a ir ao centro. Ele se posicionou contra o Medicare for All e o Green New Deal durante as primárias. Depois de alguma confusão verbal no debate final, ele reiterou o fato de que não tinha nenhum plano para banir o fracking, uma indústria que trouxe empregos para regiões rurais economicamente desesperadas da Pensilvânia.
Ele não precisa proibir nada, mas precisa investir em energia sustentável e – adivinhe? Investir em energia sustentável é amplamente popular. Na verdade, a negação do Partido Republicano sobre a mudança climática é um caso discrepante consistente nas pesquisas públicas e tem sido assim há anos, portanto, buscar uma política agressiva de mudança climática ajudará a unir o país.
Biden deve ir mais longe. Ele deve trabalhar com os sindicatos para garantir que todos os trabalhadores sindicalizados que perderem seus empregos na indústria de combustíveis fósseis tenham treinamento prioritário e oportunidades de emprego no setor de energia sustentável. Pode não haver uma maneira de legislar isso, mas a persuasão moral pode ajudar muito.
O importante é que Biden nunca levanta as mãos sobre a perda de empregos e culpa a globalização, as mudanças climáticas ou quaisquer outras forças impessoais, como muitos políticos de ambos os partidos fizeram nos últimos 40 anos. Os democratas precisam recuperar seu status de partido que defende os trabalhadores.
Investir em energia sustentável não é a única política que pode ajudar a unir uma ampla faixa de estadunidenses. É um mistério para mim por que Donald Trump nunca conseguiu aprovar um projeto de infraestrutura no Congresso, mesmo quando seu partido controlava as duas câmaras. Biden não deve cometer o mesmo erro, e um projeto de lei de infraestrutura democrata pode promover a meta de transição para uma rede de energia sustentável.
Nem toda política de que os EUA precisam será aprovada no Senado Republicano. A ideia mais inovadora que surgiu das primárias democratas – um imposto sobre a fortuna – é amplamente popular. Uma pesquisa de fevereiro mostrou que dois terços de todos os estadunidenses apoiam esse imposto, incluindo 47% de todos os republicanos. Biden nunca apoiou a ideia, mas fazê-lo agora ajudaria muito a satisfazer a base liberal do partido.
Além disso, como o racismo estrutural impediu os negros estadunidenses de acumular riqueza, a reestruturação da forma como ela é mantida, combinada com o aumento dos salários, contribuirá em muito para dar poder a negros estadunidenses, como Ellora Derenoncourt e Claire Montialoux argumentaram recentemente no The New York Times. Um imposto sobre grandes fortunas não será aprovado no Senado, mas deixe o povo americano reconhecer o fato de que o Partido Republicano não pensaria em tributar fundos fiduciários, mesmo quando o resto de nós pague nossos impostos.
Biden prometeu algum alívio da dívida estudantil, que está esmagando muitos jovens, atrasando sua capacidade de comprar uma casa ou constituir família. Apoio esse alívio, com certeza. Mas que impacto político isso terá sobre uma família da classe trabalhadora, ao saber que os dólares de seus impostos vão pagar a dívida do empréstimo da faculdade de outra pessoa? Apegando-se à ideia de que as políticas econômicas devem ter alcance universal, cada dólar perdoado do empréstimo deve ser igualado por assistência governamental para estágios ou outros programas de treinamento profissional para aqueles que não vão para uma faculdade. Todo mundo ganha.
O presidente eleito herda a pior economia desde que Franklin D. Roosevelt assumiu na Grande Depressão. FDR forjou uma coalizão política que durou uma geração porque ele focou primeiramente em ajustar a economia. Biden necessita sentar com todos os grupos de interesse especial e explicar que até que a economia volte para os trilhos, ele não poderá gastar qualquer capital político sobre políticas progressistas que sejam a parte das quais são necessárias para reconstruir a economia para produzir uma distribuição mais justa de oportunidades e riqueza. Trazendo a economia de volta para os trilhos, e fazendo de uma maneira que ajudar o meio ambiente e resolve as estruturas desiguais, ajudará todos os estadunidenses.
Isso exigirá uma recalibração de uma estratégia legislativa típica. Normalmente, ambas as partes adicionam emendas à legislação obrigatória que irá satisfazer interesses particulares. Os democratas na Câmara, trabalhando com o governo Biden, precisam aprovar projetos de lei que se concentrem apenas nos desafios econômicos que o país enfrenta. Os republicanos adoram quando os democratas se manifestam, dizendo que queriam votar em um determinado projeto de lei, mas não podiam porque continha disposições sobre o aborto, os direitos dos homossexuais ou outras questões sociais. Os democratas precisam forçá-los a votar pela assistência econômica para os estadunidenses em sofrimento, sem desculpas.
No início de fevereiro, chamei a atenção para a pesquisa do professor de política Lee Drutman. Ele traçou as opiniões dos eleitores em 2016 com base no fato de serem liberais ou conservadores em questões econômicas e o mesmo em questões sociais. Pessoas que são liberais em ambos os conjuntos de questões são a base do Partido Democrata, e pessoas que são conservadoras em ambos são a base do Partido Republicano.
Apenas 3,8% dos eleitores são socialmente liberais, mas fiscalmente conservadores, posição ocupada por pessoas como Michael Bloomberg e à qual uma grande parte da elite democrata é suscetível. Mas impressionantes 28,9% dos eleitores são progressistas em questões econômicas e conservadores em questões sociais. Drutman os chamou de “populistas”, mas eu os chamo de “eleitores do papa Francisco” e me incluo entre eles. Eles, ou melhor, nós, são a chave para construir uma coalizão governamental de centro-esquerda.
Drutman postou um comentário no FiveThirtyEight Elections, na última quarta-feira, em que observa que os cidadãos da Flórida votaram tanto para aumentar o salário mínimo para 15 dólares/hora quanto para reeleger Trump. “Muitos eleitores são socialmente conservadores e economicamente liberais”, escreveu ele, apontando para os quatro quadrantes de eleitores (gráfico dos eleitores está disponível neste link, em inglês).
Qualquer pessoa que diga que o segredo para os democratas criarem uma maioria governante é construída em torno de questões sociais, essa pessoa está errada. Não tão errado, simplesmente errado. Isso pode mudar se a Suprema Corte dos EUA começar a anular casos como Roe vs. Wade. Mesmo nesse caso, no entanto, a capacidade do presidente de aumentar sua parcela de votos no sul do Texas, fortemente católico e tradicionalmente democrata, torna o caso de Drutman não apenas descritivo da situação hoje, mas prescritivo para os democratas no futuro.
Biden, que fez dois dos pilares centrais do ensino social católico – dignidade humana e o bem comum – pilares da sua campanha, precisa continuamente estender a mão para os “eleitores do papa Francisco”, e ele pode fazer isso por meio de políticas econômicas progressistas de longo alcance. Na verdade, a situação que ele herda exige nada menos que isso. A economia estará em frangalhos em 20 de janeiro, entraremos em um inverno longo e sombrio de altas taxas de covid-19 e atividade econômica em queda.
Ele deve governar enquanto faz campanha. Nada fará mais para restaurar a confiança nas normas democráticas violadas nos últimos quatro anos do que o surgimento de uma maioria governante comprometida com a dignidade humana e com a promoção do bem comum. Funcionou para Franklin D. Roosevelt. Pode funcionar novamente para Joe Biden e Kamala Harris.
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Biden precisa expandir o mais longe possível as políticas econômicas progressistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU