21 Outubro 2020
Deixou seu belo vilarejo de Xeixalbo (Ourense), para se encarnar como missionário xaveriano na imensidão da Amazônia brasileira. Adolfo Zon custou um pouco para aprender o idioma. Custou um pouco mais para assumir a mitra e se converter, sem esperar, no bispo de Alto Solimões em 2014. A pandemia, que arrasou seu território, o manteve recluso, porém não de mãos-atadas para socorrer os pobres em meio “ao terror ocasionado pelas numerosas mortes”. Agradece às ajudas de diversas partes, entre elas, sua diocese originária de Ourense e, sobretudo, de Manos Unidas, e denuncia que “a economia atual não salva ninguém, nem os próprios economistas e, menos ainda, os pobres”.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 18-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Os missionários estrangeiros ainda são necessários ou, como alguns defendem, sua presença induz a um novo colonialismo clerical europeu?
É claro que eles são necessários aqui e em todas partes, na Europa também. O mundo tornou-se uma aldeia e, como discípulos e missionários de Jesus, devemos humanizar a globalização junto com todos os homens e mulheres que habitam a Casa Comum, isto é, como nos exorta o Papa Francisco na Encíclica “Fratelli Tutti”: globalizar a fraternidade, a fraternidade que se constrói com o diferente.
O perigo e a tentação de um novo colonialismo sempre existe, apesar de que, há mais de 100 anos, Bento XV e todos os papas posteriores nos alertaram para esse perigo. Porém, a evangelização e o encontro com os povos devem ser realizados tendo em conta o paradigma da Encarnação, como o próprio Jesus nos ensinou, de que veio para servir e não para ser servido. Assim, os missionários, convivendo com as pessoas em que se encontram inseridos, procuram colaborar na busca e realização da vida plena para todos, onde ninguém fica de fora.
Hoje a missão “ad gentes” e “inter gentes” é muito atual e seu caminho, como nos mostra a Exortação Apostólica “Querida Amazônia”, passa pelo diálogo intercultural e inter-religioso entre a diversidade dos povos que povoam o mundo, nossa Casa Comum: o diálogo não permite neocolonialismos e menos ainda o colonialismo clerical!
O que você deu e o que recebeu nestes mais de 25 anos como missionário no Brasil?
O que eu dei? Não sei. Você tem que perguntar isso às pessoas com quem convivi ao longo dos anos. Da minha parte, tentei e procuro estar presente no meio das pessoas com quem convivo e nos enriquecemos mutuamente com a vivência de várias experiências. É um enriquecimento mútuo. Essa convivência está me ajudando a ser o que sou, e também contribuiu para enriquecer minha experiência de fé, ajudando-me a viver uma síntese entre fé e vida.
A mitra o separou ou o aproximou das pessoas?
A confiança e a responsabilidade que o Papa Francisco me deu como bispo desta Igreja Local do Alto Solimões me colocou em contato com experiências que nunca havia pensado viver tão de perto. Mais do que me afastar, me deu e me dá a oportunidade de conhecer outras pessoas e outras experiências religiosas, que me ajudam a aprofundar e purificar a minha.
Como você e seu povo estão vivendo a pandemia?
Depois de um período de medo e nervosismo, nos acostumamos a conviver com a covid-19. Embora as autoridades municipais tenham tomado medidas de prevenção, após várias semanas a covid-19 entrou em nossos territórios, sendo no Peru e na Colômbia os locais mais afetados. Desde 19 de março estamos em isolamento social, ficando em casa. Apenas os supermercados funcionavam por algumas horas. Além disso, toda a programação pastoral foi suspensa. Ao longo dos meses de abril e maio nosso povo foi bastante obediente às rotinas sanitárias decretadas pelas autoridades sanitárias.
Os momentos de maior nervosismo foram a última semana de abril e a primeira quinzena de maio, onde os casos positivos foram mais numerosos e também as mortes. Mortes que criaram um clima de terror, já que os falecidos não podiam ser velados ou despedidos por seus familiares. Tivemos que improvisar um Cemitério, porque o da cidade não tinha espaço suficiente para tantas mortes seguidas. Tornamo-nos o 4º município com maior taxa de mortalidade no Estado do Amazonas e com maior índice de letalidade do que Itália e Espanha.
Desde junho as autoridades municipais começaram um relaxamento gradual no isolamento social e no dia 14 de junho pudemos reabrir nossas igrejas para o culto com capacidade de 30% e com os procedimentos de saúde pertinentes: três pessoas por banco, um banco vazio, máscara, álcool em gel...
Apesar de fecharmos nossas igrejas para o culto, uma grandíssima ação caritativa-assistencial foi realizada por meio de nossa Caritas diocesana e paroquiais. Começou com um apelo ao nosso povo à solidariedade local: “Quem tem algo partilha com quem não tem”. Começou assim, ajudando as famílias que mais precisavam. A ajuda de diversas entidades do Brasil e do exterior também nos alcançou rapidamente. O Papa Francisco ajudou-nos por meio da Nunciatura Apostólica e, também, as Pontifícias Obras Missionárias do Brasil colaboraram nesta ação emergencial.
Aproveito este espaço para agradecer a ajuda que veio da Espanha da Delegação da Missão da Diocese de Ourense e das Manos Unidas, que acaba de aprovar um Projeto de Emergência para 850 famílias carentes das 8 paróquias que formam nossa diocese do Alto Solimões.
O que os indígenas de sua diocese pensam de Bolsonaro?
Graças a Deus os povos indígenas que vivem no Alto Solimões são muito fortes em sua organização social, pois possuem associações que os ajudaram a se defender, a serem respeitados, após terem conquistado a demarcação de seus territórios. Existem alguns povos que ainda lutam pela demarcação de seus territórios. Nossos povos indígenas esperam que o governo lhes ofereça as condições necessárias para sua sobrevivência por meio da implementação de políticas públicas. Melhorando as já existentes, como de educação, saúde e assistência social, e criando outras políticas públicas no campo de sua organização econômica.
Compartilha da ideia do Papa Francisco em Fratelli Tutti de que no capitalismo não há salvação para os pobres?
Ainda não li a Encíclica Fratelli Tutti. Parece-me estranho que a Fratelli Tutti retome a palavra capitalismo, pois desde a “Caritas in veritate” essa palavra foi silenciada pelo Ensino Social da Igreja, já que o capitalismo nos últimos séculos adquiriu significados muito diversos.
O que estamos sofrendo é essa economia que vivemos aqui e agora, sempre criando crises para os outros, entre os quais estão os pobres, e que muitos governos estão implementando seguindo seu roteiro, uma economia baseada na atividade financeira e não produtiva, manipulada pela “mão invisível” de quem manda... essa economia não salva ninguém, nem os próprios economistas e muito menos os pobres.
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“A economia atual não salva ninguém, nem os próprios economistas e, menos ainda, os pobres”. Entrevista com Adolfo Zon - Instituto Humanitas Unisinos - IHU