06 Outubro 2020
Antonio Turiel (León, 1970) é possivelmente uma das pessoas que mais conhece a crise energética global. Conhecido por suas publicações no blog The Oil Crash, este pesquisador do Instituto de Ciências del Mar de Barcelona (CSIC) e doutor em Física Teórica se lança no mundo editorial com “Petrocalipsis” (Ed. Alfabeto), um ensaio sincero sobre a crise sistemática derivada da queda do petróleo.
É possível que as energias renováveis salvem a humanidade do colapso? Por que ninguém fala do impacto ambiental das energias renováveis? O que acontecerá quando a era do petróleo chegar ao fim? Estas são algumas das perguntas que Turiel busca abordar em sua nova publicação.
A entrevista é de Alejandro Tena, publicada por Público, 03-10-2020. A tradução é do Cepat.
Seu livro fala do desabastecimento do petróleo. Quando chegará a seu fim?
O Peak Oil ocorreu em dezembro de 2018. As grandes companhias do mundo já estão, desde 2013, desinvestindo na busca e exploração de novas reservas. O único lugar onde o investimento estava crescendo era nos Estados Unidos, com o fracking, que resultou ser uma bolha de especulação da qual não se retira mais nenhum lucro. De fato, a maioria destas companhias já está quebrando.
Quais podem ser as consequências do fim do petróleo?
Digamos que o petrocalipse já pode vir, se não fizermos nada. Neste cenário, as consequências são conhecidas. Em primeiro lugar, haveria um decrescimento energético geral que provocaria um aumento de preços em quase tudo, devido à dependência que temos do petróleo. Isto nos colocaria em uma crise econômica profunda, em um cenário com preços voláteis, com quedas e altas bruscas.
Se não fizermos nada, teremos uma crise continuada e uma espiral de degradação da economia que só poderá acabar em algo rupturista, em uma revolução ou algo semelhante.
Você fala de um cenário distópico, com cortes de luz, falta de combustíveis para o transporte de pessoas e produtos.
É um cenário possível. O que vai acontecer também dependerá de cada lugar do planeta e da forma como o problema for enfrentado. Haverá territórios que desenvolverão boas estratégias para nos adaptar à crise, mas também haverá governos que não farão nada.
Claramente é possível ocorrer disrupções no sistema de abastecimento de luz, de combustível para o transporte e, inclusive, de abastecimento de alimentos e água. Se nada for feito, é um cenário possível. Se medidas não forem tomadas, chegará um momento em que a realidade nos alcançará e nos esmagará.
Parece que os governos não estão sabendo reagir.
No momento, não. Mas acredito que ainda há tempo para agir e compensar a inação. Isso, sim, quanto mais demorarmos, mais difícil será o futuro.
Em seu livro, demonstra-se muito crítico às possibilidades das novas energias satisfazerem a demanda mundial energética. Por quê?
Falamos de novas energias, mas realmente não são novas. Ou seja, todas as fontes de energia que se apresentam como novas, na atualidade, possuem um percurso de ao menos cinquenta anos.
No caso concreto dos biocombustíveis de primeira geração, ainda que dedicássemos todos os campos do planeta para produzir cereais destinados à sua produção, só conseguiríamos gerar 15 milhões de barris diários. É um número pobre, caso consideremos que, nesse exato momento, consumimos uma média de 95 milhões diários.
Os combustíveis de segunda geração também não funcionam e os de algas não são rentáveis porque ficou demonstrado que controlar ecossistemas aquáticos não é nada simples.
Esquivando-se do impacto ambiental, há quem pense que é possível continuar apostando no carvão...
O pico máximo do carvão também passou. Apostar nele seria substituir uma fonte em declínio por outra que também está. É verdade que ainda há certa margem para reduzir o ritmo de sua queda, mas não faz sentido, há tempo que chegou ao fundo.
Em seu livro, você disse que o mundo não pode ser abastecido apenas com energia renovável. Por quê?
As energias renováveis têm limites. Quando se analisa com cuidado qual é o potencial máximo que a hidrelétrica, a eólica e a solar podem nos oferecer, verifica-se que só podem produzir cerca de 30% do total de energia que, hoje, está sendo consumida no mundo. E isto, em um cenário pouco realista, em que todos os países concordassem em se alimentar apenas de energia renovável.
Além disso, há problemas de materiais, já que as energias renováveis precisam de matérias-primas que não são abundantes. Um sistema como o nosso, baseado no crescimento, não é adaptável às energias renováveis. Temos que lidar com isso.
As energias renováveis também possuem implicações ambientais, apesar de ser consideradas energias limpas. Acredita que é algo que as pessoas sabem?
Qualquer atividade humana tem um impacto ambiental, isso é algo que devemos ter claro. O que é necessário fazer é dizer bem as coisas, não enganar as pessoas, sem tanta propaganda, e apontar qual é o verdadeiro impacto ambiental que estes projetos possuem. As instalações hidrelétricas podem mudar o clima local, os aerogeradores podem ter impacto em espécies de aves... A energia fotovoltaica também tem seus problemas, já que para fabricar os painéis são necessários fornos de carvão.
Existe muito marketing enganoso fazendo acreditar que as renováveis são limpas quando não são. Tudo o que fazemos tem um impacto e isso é o que deve ser contato e quantificado. De qualquer modo, está correto que os sistemas de energia renovável têm um impacto ambiental menor que outros sistemas de produção de eletricidade baseados em carvão.
Parece que sempre existe algo inovador que pode nos salvar da crise energética. Agora, por exemplo, fala-se do hidrogênio. Considera que a sociedade está pecando por ser ‘tecno-otimista’?
Coloca-se muita ênfase em que as soluções serão técnicas, quando na realidade as soluções deveriam ser de tipo social. É preciso mudar a maneira de produzir, a maneira de nos relacionarmos com o planeta. A ciência trouxe grandes êxitos à humanidade, também fracassos, e agora continuamos apostando nesta via.
O tema do hidrogênio tem um fundo de colonialismo energético. Ou seja, como a África tem um grande potencial em hidrelétrica, pretende-se construir instalações lá para trazer a matéria para a Europa. O que não muda muito a forma como até agora se vem agindo.
A crise energética também atinge o modelo de mobilidade. É possível transformar o parque automobilístico para que só existam veículos elétricos nas estradas?
Evidentemente, no futuro haverá carro elétrico porque já existe. O que não se pode esperar é que tenhamos veículos deste tipo na mesma escala dos automóveis de combustão interna que temos atualmente. Há um montão de razões. Por exemplo, onde todos os carros serão carregados? Seria preciso adaptar todas as moradias para que as pessoas possam carregar seu carro e isso não parece viável. Se tiver que carregá-lo em uma estação de carregamento, terá que aguardar meia hora. Se houver dois carros aguardando antes de você, já precisará esperar uma hora.
Também não funcionaria com os carregadores de alta potência, porque as baterias não os suportariam, a menos que fossem feitas com materiais muito bons, o que elevaria o custo do carro. Portanto, já estamos falando de veículos de alto padrão, carros de 100.000 euros ou mais.
A isto, é preciso acrescentar que existe uma crise econômica com uma clara diminuição da renda dos cidadãos, razão pela qual as pessoas não vão querer, nem terão condições para comprar um carro. Tudo isto nos leva a um cenário futuro em que a frota de veículos será reduzida em torno de 95%. Não invento esta porcentagem, é considerada pelas próprias empresas.
Então, as empresas e os governos estão mentindo com o carro elétrico?
É uma quimera e eles sabem. Estão apostando em um modelo alternativo. Querem acreditar que conseguiremos, que nós, cientistas, descobriremos algo para chutar a bola e seguir em frente, mas não são idiotas. As empresas têm informação de qualidade e sabem o que vem. O problema é que a natureza não negocia, mesmo que queiramos, é impossível continuar mantendo este modelo de mobilidade. Já estamos em uma fase de desaceleração do setor automobilístico. Não pensávamos que pudesse acontecer, mas está sendo assim.
Seu livro rejeita a ideia do ‘Green New Deal’ ou transição verde. Considera que a solução para esta crise é o decrescimento?
Não. O que considero é que o decrescimento é inevitável. Simplesmente teremos que decidir se o fazemos por bem ou por mal. Podemos tomar medidas proativas, antes que surjam os problemas para nos adaptar, ou podemos nos enganar e pensar que o problema não existe, até que venha a realidade que nos deixe de joelhos.
Sempre dou o exemplo de um senhor que sobe algumas escadas, enquanto o teto do edifício cai. Possui duas possibilidades: pode voltar antes que caia em sua cabeça ou continuar até colidir e rolar pelas escadas. O final é o mesmo: o senhor acaba no chão, a questão é como chega lá. A chave destes anos que vivemos gira em torno de decidir em que ponto vamos parar, porque o decrescimento não significa parar toda a economia, mas encontrar um nível de pausa em que possamos nos manter.
Dá a sensação que a sociedade está condenada: se aposta nos combustíveis fósseis entrará em colapso e, caso contrário, também.
Não é verdade. O colapso é sempre uma decisão da sociedade, é um dano autoinfligido. Temos muitos exemplos na história da humanidade de sociedades que estavam à beira do colapso e foram capazes de virar o jogo.
A única coisa que sabemos é que decresceremos. Claro, se nossa forma de ver a vida gira em torno do crescimento, isto que digo pode parecer pessimista, mas penso que é preciso ser muito ingênuo para continuar pensando que podemos continuar crescendo, sabendo que temos um planeta finito. Se decidirmos mudar as coisas, poderemos manter um nível de vida semelhante ao atual, inclusive melhor para todas as espécies que vivem no planeta.
Avalia que é possível adaptar o modelo capitalista a esta situação de crise ou devemos começar a apostar em desmaterializar mais a economia?
O tema da desmaterialização da economia é uma falsa opção. Nunca ocorreu. É possível que o capitalismo se adapte, transformando-se em uma coisa diferente. O que está claro é que a lógica de crescimento exponencial do sistema atual nos leva ao fracasso e é por isso que devemos superar o atual modelo de capitalismo hiperfinanceirizado.
O capitalismo em si, não é bom e nem ruim, é uma opção. Acredito que princípios capitalistas como a propriedade privada não são incompatíveis com a eliminação do crescimento. Mas, para mim, mais que o modelo econômico, que acredito ser importante, o que mais preocupa é o problema social e, sobretudo, se é possível preservar a democracia. Penso que nesta crise a democracia está em perigo.
Por quê?
Esta é uma crise sistêmica e isso torna muito fácil cair em postulados autoritários como o ecofascismo. Ou seja, impor normas que em princípio são boas, mas com métodos autoritários e não igualitários.
Olhe a situação que temos nesse momento com a pandemia e a crise. Há uma grande instabilidade social que é um terreno fértil para o fascismo. Convém reconhecer diante do que estamos, o quanto antes, para evitar que apareça um salvador da pátria que dê respostas simples a problemas tão complexos. Isto é um risco real e o florescimento destas formas de movimentos autocráticos já está sendo uma realidade na Europa.
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“O decrescimento econômico é inevitável, teremos que decidir se o fazemos por bem ou por mal”. Entrevista com Antonio Turiel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU