27 Agosto 2020
“Se a covid-19 aumenta seus surtos e intensifica as desigualdades econômicas injustas e atinge os trabalhadores próximos ou abaixo da linha da pobreza, devemos lutar para mudar este mundo. O papa Francisco disse que uma economia pode crescer sem recorrer a um vírus moral que ataca até a morte a dignidade do trabalho”, escreve Juan Fernández de la Cueva Martínez-Raposo, padre e secretário diocesano da Pastoral do Trabalho em Madrid, em artigo publicado por Religión Digital, 24-08-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O impacto desta triple crise (sanitária, econômica e laboral) será muito duro para todos, porém especialmente golpeará espanhóis com trabalhos mais precários, próximos ou abaixo da linha da pobreza, agravando-se a desigualdade e o empobrecimento de milhões de pessoas.
O coronavírus provocou a destruição de mais de um milhão de empregos no segundo trimestre, e a taxa de paralisação disparou a 15,3% segundo os dados da última pesquisa de população economicamente ativa. Ao final deste ano, certamente alcançaremos quatro milhões de desempregados, os ERTES produzirão mais demissões e mais jovens estarão desempregados: os jovens da geração da covid-19.
Pois, se fosse pouco, o reaparecimento de surtos do coronavírus nestes últimos meses poderiam agravar ainda mais o desemprego depois do verão e da recuperação da paralisação não se recuperará até final de 2021, a não ser que apareça uma vacina antes.
Segundo as últimas estatísticas levantadas pelo vice-conselheiro de Saúde madrileno, apresentadas em 17 de agosto, os distritos onde o vírus está castigando sanitariamente com maior força são os de Carabanchel, Usera, Puente de Vallecas, Vilaverde na capital, e os municípios de Alcobendas y Móstoles.
O distrito de Usera multiplicou por 100 a taxa de incidência acumulada, com 818 por cada 100 mil habitantes em comparação aos núcleos urbanos mais favorecidos, como são os de Moncloa Aravaca, que tem um número de apenas 58,8, ou de Chamberí com 60,27.
Todos os distritos de Madrid onde aparecem mais surtos da covid-19 tem um denominador comum: seu contexto socioeconômico é de rendas baixas, maior precariedade, e mais incidência de desemprego. Ainda que seja verdade que não é a paralisação que defina exclusivamente a pobreza severa, já que os trabalhadores em exercício são 30,3% do total em pobreza severa. As condições de trabalho hoje já não são suficientes para sair da pobreza.
O papa Francisco dedicou várias catequeses a esta situação. “A pandemia expôs a difícil situação dos pobres e a grande desigualdade que reina no mundo”, disse ele na Audiência Geral na quarta-feira, 19 de agosto. Prosseguindo com a catequese semanal sobre como consertar esses desequilíbrios desumanos no mundo, afirmou: “O vírus, embora não faça exceções entre as pessoas, encontrou, de maneira devastadora, grandes desequilíbrios econômicos e discriminação humana. E os aumentou!”.
O papa Francisco reconhece a preocupação que todos nós temos com essas consequências catastróficas da pandemia. Mas ele acrescenta que uma crise não surge para repetir o pior, como legitimar e até aumentar as desigualdades sociais injustas. “Hoje temos a oportunidade de construir algo diferente”.
“Por exemplo, podemos fazer crescer uma economia de desenvolvimento integral dos pobres, e não de bem-estar. Com isso não quero condenar a assistência, as obras assistenciais são importantes. Vamos pensar no voluntariado, que é uma das estruturas mais bonitas que a Igreja italiana tem. Mas temos que ir mais longe e resolver os problemas que nos levam a ajudar. Uma economia que não recorre a remédios que realmente envenenam a sociedade, como os rendimentos dissociados da criação de empregos decentes” (Evangelii Gaudium, 204).
Todos queremos retomar o “novo normal” e as atividades de antes: circular e viajar livremente, abraçar entes queridos, celebrar festas com os amigos… Porém, este “novo normal” não deve consistir em reproduzir ou aumentar injustiças degradação social e ambiental que o consumismo traz consigo. Assim, a covid-19 transformaria a crise de saúde em uma pandemia social mais arraigada.
Para o Pontífice, “a resposta à pandemia é dupla”. Por um lado, “é indispensável encontrar a cura para um vírus pequeno, porém terrível, que deixa todo mundo de joelhos”.
Por outro, “curar um grande vírus, o da injustiça social, da desigualdade de oportunidades, da marginalização e da falta de proteção dos mais fracos”. Citando a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (195), Francisco afirma que “nesta dupla resposta de cura, há uma escolha que, segundo o Evangelho, não pode faltar: a opção preferencial pelos pobres”. “A opção preferencial pelos pobres, esta exigência ético-social que provém do amor de Deus, dá-nos o impulso para pensar e desenhar uma economia onde as pessoas e, sobretudo, os mais pobres estejam no centro” (Laudato si’, 158).
Se a covid-19 aumenta seus surtos e intensifica as desigualdades econômicas injustas e atinge os trabalhadores próximos ou abaixo da linha da pobreza, devemos lutar para mudar este mundo. O papa Francisco disse que uma economia pode crescer sem recorrer a um vírus moral que ataca até a morte a dignidade do trabalho.
Alguns pensam erroneamente que este amor preferencial pelos pobres é tarefa de poucos, mas na realidade é missão de toda a Igreja, disse São João Paulo II (Sollicitudo rei socialis, 42). “Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus para a libertação e promoção dos pobres, para que se integrem plenamente na sociedade” (Evangelii Gaudium, 187).
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O coronavírus e o programa de reconstrução do papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU