18 Agosto 2020
Cientista político diz que benefício concedido a milhões de brasileiros ajuda a explicar aprovação recorde de Bolsonaro. Mas alerta que será impossível mantê-lo sem comprometer economia. "Ele está refém disso", afirma.
Um levantamento divulgado pelo Datafolha na última quinta-feira (13/08) apontou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atingiu a melhor avaliação desde o início do seu mandato. Para 37% dos brasileiros, o governo é ótimo ou bom – na pesquisa anterior, divulgado no fim de junho, o índice de aprovação era de 32%. Foi registrada também queda na rejeição: foi de 44% para 34% a porcentagem de cidadãos que consideravam a gestão ruim ou péssima.
Para Cesar Zucco, PhD em Ciência Política pela Universidade da Califórnia em Los Angeles e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os números se devem, em muito, ao auxílio emergencial estipulado para o período da pandemia do coronavírus, pois nunca se distribuiu dinheiro a tantas pessoas quanto agora. Para o pesquisador, entretanto, "pensar que Bolsonaro é um gênio que descobriu a fórmula para ganhar a eleição está errado”.
Em entrevista para a DW Brasil, Zucco também comenta sobre um eventual segundo turno em 2022 disputado entre Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro, opina sobre a manutenção do discurso antipetista por parte do presidente e julga perigosa a opção de Bolsonaro de romper com antigos apoiadores, como os governadores João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ), pois alianças são necessárias quando se busca uma reeleição. Por fim, Zucco afirma: "Bolsonaro está se preparando, muito provavelmente, para ejetar Paulo Guedes".
A entrevista é de Murilo Basso, publicada por Deutsche Welle, 17-08-2020.
O que explica essa aprovação do presidente no auge da pandemia da Covid-19 no Brasil?
A explicação mais simples, que não é necessariamente completa e única, é que a aprovação do presidente está fortemente associada à variação no bem-estar econômico das pessoas. Isso não é surpresa, tampouco inédito, vem acontecendo em vários países do mundo e afetando eleitores de todos os tipos, que tendem a responder às variações em suas condições econômicas. Estamos tendo a maior transferência direta de renda da história. O valor mensal do auxílio emergencial é maior do que o valor anual do Bolsa Família e atinge um número muito maior de pessoas, que foram protegidas dos impactos econômicos da pandemia. Tivemos redução das desigualdades sociais, saída da linha da pobreza, além de um aumento de renda.
Porém, a resposta das pessoas não é, necessariamente, um movimento consciente. Sentindo-se melhor, elas tendem a avaliar melhor o presidente. E não são só as pessoas que se beneficiam diretamente, mas as que também foram afetadas de forma indireta, como lojistas. Não é surpreendente essa melhora. Tivemos um aumento grande no número de mortes, mas pesquisas mostram que pessoas tendem a ficar anestesiadas em situações de catástrofes. Bolsonaro até perdeu um pouco de apoio entre os mais ricos, porque foi esse pessoal que mais sentiu a crise econômica. Mas em relação a quem está protegido, de fato, pelo benefício, faz sentido que essas pessoas avaliem positivamente o presidente.
Há algumas similaridades aparentes entre a situação de Lula, que por muito tempo se considerou o "pai” do Bolsa Família, e a de Bolsonaro? Isso sugere que esse seja o modelo que o atual presidente espera emular?
O Lula, quando implantou os programas sociais anteriores, fez com que, ao longo dos anos, as pessoas o recebessem até muito perto das eleições. Assim identificamos um efeito eleitoral, mas que, no caso do Bolsa Família, não foi gigantesco a ponto de definir uma eleição. O governo que distribui dinheiro tem a cotação mais forte entre as pessoas que recebem a quantia, isso é uma coisa regular.
Lula alcançou 85% de aprovação no final do segundo mandato e um pouco menos no final do primeiro, mas não foi só por causa do Bolsa Família. Desde 2004 foi registrado um crescimento muito forte econômico geral. E, em particular, foi um crescimento que chamamos de "pró-pobre": aumento de salário mínimo, mais emprego, mais crédito... Uma série de fatores que iam além do Bolsa Família. Se fosse apenas o auxílio, Lula provavelmente não teria sido reeleito. Os eleitores que votam guiados pela questão econômica não são eleitores particularmente fiéis. Se a situação econômica piorar, elas tendem a votar contra, sem saber necessariamente o porquê.
No caso do Bolsonaro, temos agora um benefício [auxílio emergencial] que é enorme, que aumenta a popularidade do presidente, mas que não tem como ser mantido. Se o objetivo do Bolsonaro é imitar o Lula, ele está enrascado. Em 2004, Lula pegou o começo do superciclo de commodities, que não dependia dele. Todos os presidentes estrangeiros que governaram no período em que o Lula governou foram os presidentes mais populares dos seus países na história, especialmente na América Latina. Você poderia fazer quase qualquer coisa que seria popular. Em um cenário desses, criar um programa como o Bolsa Família e distribuir dinheiro para as pessoas era possível, sem arriscar a responsabilidade fiscal e sem precisar tirar de nenhum outro lugar. O Bolsa Família era muito menor que o auxílio emergencial.
Hoje, o Brasil não tem dinheiro, o mundo não está favorável para nenhum país, os preços das commodities estão baixos. Lula, hoje, não poderia ter feito o Bolsa Família como fez na sua época. Pensar que o Bolsonaro é um gênio que descobriu a fórmula para ganhar a eleição está errado. Só se ele imprimir dinheiro – e se ele fizer isso, já sabe no que vai dar. Não tem como o auxílio ser mantido. De repente, ele criará um outro Bolsa Família e chamará de Renda Brasil. Pode ser, só que isso, em um nível próximo ao que era o Bolsa Família na época do Lula, não ganha uma eleição por si. Se o Brasil estiver com altíssima informalidade, alto desemprego, pode chamar o benefício do que quiser, mas não será suficiente para ganhar uma eleição. As condições de hoje não são favoráveis e arrisco dizer que Bolsonaro não é o presidente mais competente do mundo.
O senhor acabou de mencionar que, em 2010, a popularidade de Lula estava muito acima do patamar da popularidade de Bolsonaro. A votação da sucessora de Lula, Dilma Rousseff, porém, foi mais acanhada. Isso sugere que pode haver um limite na capacidade de conversão de avaliação em votos?
A partir de 2003, o mundo, no geral, estava mais favorável ao Brasil. As coisas melhoraram muito até 2011. A Dilma foi muito popular. Quando as condições internacionais pioraram, a popularidade de todos os presidentes da América Latina despencou.
Então, olhando para frente, é provável que, devido ao auxílio, Bolsonaro fique mais popular entre os mais pobres do que entre os mais ricos. Ele pode ser um candidato preferencial para as pessoas que estão recebendo o benefício, mas a média geral vai ser baixa se a crise econômica continuar e ele não puder dar dinheiro para todo mundo. E, claro, não há como fazer isso. O que lhe garantiria uma reeleição, eventualmente, seria uma melhora geral da economia. O benefício é necessário neste momento, mas é uma dívida que precisará ser paga lá na frente. Trata-se de uma sinuca; ele está refém disso e não será possível dar continuidade ao benefício, o que é um problema.
Em 2018, Bolsonaro se elegeu com um discurso antipetista. É viável repetir isso em 2022? Até quando esse discurso se sustenta?
Uma coisa é você se eleger antipetista quando está vindo de fora, sendo um verdadeiro outsider. Outra é se candidatar à reeleição fazendo um discurso "anti” contra um partido que já saiu do poder há mais de seis anos. Não está claro que isso vá funcionar e, na verdade, diria que é muito provável que não funcione. Bolsonaro está apostando que é possível repetir a estratégia de "todo mundo contra o PT”, só que até lá vai ter muita gente contra o próprio Bolsonaro.
Em eleições em países presidencialistas como o Brasil, o ponto focal da discussão é o governo. Não foi assim na eleição passada porque o governo não tinha candidato – Michel Temer chegou a ensaiar concorrer, mas desistiu. Tivemos uma eleição aberta, então, sem candidato do governo para servir de vidraça. Se o Bolsonaro ficar com essa de "o PT isso, o PT aquilo”, ele pode até trazer o debate para isso. Imagino que faça, porque foi o que ele fez a vida inteira: ele nunca teve que defender nenhuma realização. Mas após quatro anos, ele vai ser muito mais vidraça. E não é nem por essa questão de corrupção, rachadinha. Se focarmos só em termos de governo, terá muita coisa para tentar defender e muita coisa para dizer. Se ele está apostando todas as fichas no auxílio emergencial, não vai funcionar, porque não há dinheiro para isso.
Claro, muito provavelmente ele terá uma votação suficiente para ir ao segundo turno, mas dificilmente é um candidato viável para ganhar a eleição. A não ser que tenhamos, vindo de algum lugar que não sabemos de onde, um crescimento muito forte em 2021, último ano da atual gestão. Isso é possível.
Uma pesquisa divulgada recentemente pelo portal Poder360 mostrou que num eventual segundo turno com o ex-ministro Sergio Moro, Bolsonaro e o jurista empatariam tecnicamente. O senhor acredita que Moro deve sair candidato? E qual seria o capital político do ex-juiz?
Temos um fenômeno muito forte, que é a tendência de as pessoas preferirem o que é conhecido. E isso não só na política. Reconhecimento de nome é muito importante nessas pesquisas feitas com muita antecedência. Acredito que essa presença do Moro é um "recall”: as pessoas o têm na cabeça por muito ouvirem falar.
O melhor guia do que vai acontecer na próxima eleição é a popularidade no momento. Só para lembrar: o Brizola e o Lula se revezavam como líder nas pesquisas dois ou três anos antes das eleições, quando o Fernando Henrique Cardoso era presidente. Eram nomes conhecidos, posicionavam-se contra o governo, etc. Mas perto da eleição, perdiam. Falar em nomes agora é mera especulação.
Bolsonaro também tem se mostrado um pouco mais "moderado”, evitando conflitos que antes alimentava sem hesitar. Esse aceno à moderação ajudaria a apaziguar a relação do presidente com a classe média brasileira?
É uma movimentação política, que não sabemos nem se é genuína. Se olharmos o histórico dele até agora, ele já oscilou tanto, teve momentos em que estava mais quieto e outros nos quais falava mais. É difícil dizer que agora tudo andará só porque ele apareceu com o Rodrigo Maia (DEM-RJ) e com o Davi Alcolumbre (DEM-AP) duas vezes. Ele está se preparando, muito provavelmente, para dispensar o Paulo Guedes. Ele é tático, não estratégico. É uma reação de curto prazo. Ele está querendo ter uma, não digo base, mas uma defesa contra o impeachment para aguentar até o final do mandato e tentar uma reeleição. Não é uma agenda que ele queira implementar. Ele quer é ficar ali.
Então o senhor acha que o "divórcio” de Bolsonaro e Guedes está próximo? Quais seriam as consequências?
Essa discussão da "bomba fiscal” por causa do auxílio emergencial é uma sobre a qual o Bolsonaro talvez não tenha uma visão clara. Até agora, o mercado foi bastante generoso com o Bolsonaro, e o Paulo Guedes é o fiador disso. Sem ele, haveria uma situação clara de abandono da austeridade por parte do governo, o que poderia gerar um problema de crise no mercado, de capital e investimentos.
Quando o Bolsonaro se desfez do Moro, não houve prejuízos imediatos porque o auxílio emergencial entrou logo em seguida. Mas uma saída do Guedes hoje não seria sustentável. Chamaria de "fogo de palha”; está queimando, mas não há combustível suficiente para manter o fogo acesso. Especula-se que a perda do Guedes pode ser relevante para um lado, que é o mercado, um ator mais duro e mais rígido com o Bolsonaro.
Recentemente, Bolsonaro rompeu sem hesitar com antigos apoiadores, com destaque para os governadores João Doria (SP), Eduardo Leite (RS), Ronaldo Caiado (GO) e Wilson Witzel (RJ). Do ponto de vista estratégico, o que representa essa ruptura?
Significa que Bolsonaro não sabe o que está falando e fazendo. Ele foi uma aposta, e ganhou a eleição como um outsider. Minha leitura aqui é que poderia ter sido qualquer outro outsider no lugar dele, mas ele foi a pessoa certa no lugar certo. Agora ele deve ler isso como uma indicação da estratégia, de não se aliar com ninguém e fazer tudo sozinho, o que não é trivial quando você passa a ser janela, como ele passará a ser na próxima eleição. Pode ser que Bolsonaro busque uma reaproximação agora, o que terá custos para ele. Ele precisará avaliar opções: perderá apoiadores de um lado, mas poderá ganhar de outro.
Então a eleição de 2022 tendem a não ser tão atípicas como em 2018?
Tudo indica que será uma eleição "mais normal”. Há dois anos, não tínhamos um candidato do governo. O candidato que era líder das pesquisas foi proibido de concorrer, porque estava preso, uma situação bem atípica: ele era candidato até o início da campanha. Se somarmos esses elementos, temos um nível de estranheza nas eleições de 2018 enorme.
Em 2022 teremos um cenário fragmentado, mas teremos um candidato do governo, que é o próprio presidente e teremos vários candidatos de oposição. Esse é o cenário mais normal. No primeiro turno, serão vários candidatos disputando. Bolsonaro deve ir ao segundo turno, e aí sim teremos uma catalização de forças contrárias ao presidente. Enfim, uma eleição mais normal. Em uma eleição normal, essa estratégia atípica de queimar pontes com todos os outros atores relevantes, fazer tudo sozinho, joga contra, pois só funciona em uma eleição atípica. Claro, hoje, tudo é hipótese, mas temos razão em esperar uma eleição mais tradicional. Sendo assim, ele precisa de alianças. Caso contrário, não irá vencer.
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“Auxílio emergencial não é suficiente para ganhar eleição”. Entrevista com Cesar Zucco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU