18 Agosto 2020
O protestantismo não dividiu em duas a Igreja herdada da Idade Média: a fez desaparecer. Porque os católicos realizaram um grande trabalho, que não é apenas uma reação, mas também uma renovação radical, escreve Yves Combeau, dominicano, historiador e consultor editorial do Jour du Seigneur (TV France 2), em artigo publicado por La Vie, 13-08-2020. A tradução é de André Langer.
Não foi em 1517, em uma pequena cidade da Saxônia, que a Reforma começou. Ela começou muito mais cedo. A Igreja quase sempre falou de reforma. A Reforma Gregoriana no século XI, a reforma que se seguiu ao 4º Concílio de Latrão no século XIII, o desejo de reforma no século XV... Uma reforma a cada dois séculos? Talvez não, mas o padrão é mais ou menos o mesmo: mal-estar, propostas de adaptação da instituição, ritos que procuram responder às necessidades da época; a oficialização, geralmente na forma de um concílio; um período de aplicação, muitas vezes brilhante, às vezes difícil; a estabilização ao longo do tempo... em seguida, o surgimento de um novo mal-estar. Assim, a Igreja se reforma regularmente, e cada reforma eclipsa o período anterior. Dizer que a Igreja é una e imutável é verdade do ponto de vista místico, crente – a Igreja é o corpo de Cristo – mas, do ponto de vista histórico, as instituições, as formas da Igreja conheceram mudanças profundas.
E a Igreja se reforma sob a pressão de movimentos internos e externos. Ela não se reforma porque errou de caminho ou porque o clero se dissipou; ela se reforma porque “as coisas estão mudando” dentro dela e ao seu redor: novas mentalidades, novo contexto político, nova linguagem e desafios históricos. Curiosamente, porém, é o “antes era sombrio, feio e malfeito” que acabou prevalecendo entre os fiéis. Daí a lenda sombria sobre o clero medieval, cujas telenovelas ainda hoje são marcantes. Não era pior do que o nosso. Era diferente. É o olhar dos reformados, dos protestantes, dos católicos após a Reforma Católica que o tornou mau.
As causas das reformas do século XVI são conhecidas; entretanto, a reação católica é menos conhecida. Porque o choque do protestantismo – e é um grande choque – apenas acelerou um processo já anunciado. Na verdade, desde o grande cisma do Ocidente e seus dois papas (1378-1417), está evidente que a Igreja deve reformar sua instituição, mesmo se o como permanece obscuro: mais poder para o papa? Menos? Às assembleias de bispos? Aos padres? Aos leigos? Como responder às novas demandas espirituais voltadas para a interioridade, o indivíduo, em um tempo em que a piedade ainda é amplamente coletiva? Como podemos dar um sentido mais profundo às expressões espontâneas de sede religiosa? Há também uma crise moral (temos muita fé, mas pecamos mais!), a irrupção da imprensa, o progresso das ciências e o apetite renovado pelos textos; enfim, a perda de sentido das velhas instituições, construídas para uma época que todos sentem que já passou, sem, por outro lado, esperar muito dos novos tempos.
O choque protestante ocorre em uma Igreja fervilhante. Mas não é porque se quer a reforma desejada pelo protestantismo. Ou não queremos isso – pensamos que os reformadores estão fundamentalmente errados –, ou não queremos a ruptura – eles estão formalmente errados. Assim, muitos luteranos da Alsácia, nos anos 1530-1540, aceitariam de bom grado compromissos. Não queríamos que o capítulo da Catedral de Estrasburgo fosse misto, cânones católicos e protestantes? Na França, muitos bispos, assessorados por uma equipe de teólogos formados em Paris ou em outros lugares, procuram reformar sua diocese. Conhecemos Briçonnet, em Meaux, e o seu “cenáculo” claramente inovador; ele não está sozinho. Aqui, lemos e comentamos as Escrituras em francês. Acolá, planejamos celebrar a missa em francês. O Concílio de Constança (1414-1418) havia autorizado, sem que houvesse continuidade, a missa em tcheco na Boêmia para os partidários de Jan Hus. As ordens religiosas começaram sua reforma por conta própria: retorno à regra, ascetismo, caridade, pregação. Católicos moderados, como Montaigne, esperam a reforma católica e podem ser mordazes em certas palavras, sem querer romper.
Para além das iniciativas locais, é de Roma que esperamos o impulso. Os papas não são indiferentes; são humanistas, às vezes de alta qualidade, como Pio II (papa de 1458 a 1464). O que muitos querem, porém, é o concílio. Os concílios sempre acompanharam as reformas, porque reúnem todos os bispos. Infelizmente, o século XV mostrou que isto pode tornar-se um fiasco: o interminável Concílio de Constança (que teve sua abertura em 1414, continuou em Basel, Ferrara, Florença e até ser concluído em Roma em 1441), dedicado à reforma e à união das Igrejas do Ocidente e do Oriente, gerou apenas frustração e, em última análise, desconfiança.
Tendo se tornado um instrumento nas mãos dos príncipes, o concílio ficou desacreditado. O Concílio de Pisa (1511) reuniu-se contra o Papa Júlio II! Este último convoca um concílio em Latrão, no ano seguinte, e consegue reunir os pisanos. Mas em 1516, de Latrão V saíram o fortalecimento da autoridade do papa e uma tímida reforma da Cúria. Isso é bom, mas insuficiente. Então veio o grande choque protestante, imediatamente duplicado pela turbulência política e logo mais pela violência. Roma condena. O aparato católico, pastores e teólogos, é unânime: as condenações são apenas remendos, a verdadeira resposta será uma reforma católica. Mas um novo concílio não corre o risco de acabar como os anteriores?
No início da década de 1540, a Igreja Católica já não fervilhava de iniciativas: estava atormentada. No confronto geral, os moderados sofrem para se fazerem ouvir. Os príncipes aumentam a confusão apoiando um ou outro partido ou confiscando o debate em seu benefício. O Papa Paulo III decide, em 1534, convocar o concílio. A guerra entre Francisco I e Carlos V impossibilitaram a abertura dos trabalhos em 1536; será aberto apenas em 1545, em Trento, uma pequena cidade episcopal italiana, bem situada nas vias de comunicação europeias. Ele se estende até 1563.
O início é difícil – Calvino ironiza o número de bispos presentes, parecendo ignorar que Francisco I e Carlos V, preocupados em perder o poder sobre as Igrejas de seus Estados, fizeram de tudo para reter os padres conciliares. Os debates são lentos e os papas, hesitantes – o concílio parece-lhes muito independente ou muito ardente: durante o debate sobre a justificação, em 1547, Paulo III teria gostado de textos mais matizados. As guerras religiosas e a incessante guerra europeia trazem novas complicações para cada sessão. A reforma do clero esbarra nos privilégios dos príncipes, cúmplices de uma certa degradação; as culturas nacionais desenvolvidas nos últimos dois séculos da Idade Média são praticamente ignoradas; a lentidão do concílio leva alguns a esperar uma solução local mais rápida. Na França, em particular, durante o colóquio de Poissy (1561), que, se foi um verdadeiro concílio nacional unindo protestantes e católicos, não teve sucesso. Finalmente, em 1563, o concílio foi declarado concluído.
O Concílio de Trento fez literalmente o que pôde. Ele não reformou tudo e não respondeu a todas as questões. E aquilo que tanto preocupou o século XV, a união com os ortodoxos, foi abandonado rapidamente. As decisões do concílio são, na maioria das vezes, respostas aos protestantes. Muita ênfase foi colocada na natureza frontal e simétrica dessas respostas: os protestantes negam ou limitam os sacramentos? O concílio reafirma os sacramentos, todos os sete, em sua totalidade. Os protestantes negam a salvação pelas obras? O concílio reafirma a salvação pelas obras. E assim por diante.
Isso não é exato. Os padres conciliares muitas vezes mostraram moderação. Assim, o concílio opõe às traduções livres da Bíblia o texto oficial em latim de São Jerônimo, a Vulgata, mas não o declara perfeito e autoriza outras traduções. Ele regula o culto dos santos tentando encontrar um lugar apropriado para este culto. Insiste no ensino da fé, também aos leigos, pelo catecismo – um tratado completo a ser declinado livremente segundo o público –, assim como aos clérigos, que doravante terão de passar por seminários. Vários pontos de debate são deixados discretamente abertos. A Tradição (dos Padres da Igreja, dos grandes santos, dos grandes místicos, dos concílios, do magistério) se mantém como autoridade ao lado da Escritura, mas sem especificar seu conteúdo ou seus limites. A justificação é obtida pela graça de Deus e pelas obras, prevalecendo a graça, mas a boa vontade do homem é requerida; esta é uma declaração equilibrada, mas também muito flexível; é claro que não é protestante, mas mesmo assim deixa espaço para muitas interpretações que podem conflitar durante vários séculos dentro da própria Igreja Católica.
Para além dos seus textos, para além mesmo do seu contexto – um conflito cada vez mais cruel –, o Concílio de Trento deu aos católicos os meios para uma dupla reconquista. Reconquista dos protestantes, mas também de si próprios. Ou seja, os reformadores católicos agora têm os meios para agir sobre sua própria Igreja, sem o obstáculo de um direito ou de um corpus de hábitos ultrapassados, mas bem consolidados. Quem quer agir, na verdade já está trabalhando. A história da aplicação do Concílio de Trento é surpreendente. Aqui vemos que o concílio nem mesmo começou antes do nascimento de novas ordens religiosas. Elas serão a ponta de lança da Reforma Católica, como os capuchinhos (1525) ou os jesuítas (1540). Na sequência vêm os carmelitas e os carmelitas descalços (1562), a congregação do oratório (1575), os cistercienses (1577)... Acolá podemos observar sobrevivências medievais duradouras. Na França, o rei só admitiu totalmente as disposições disciplinares do concílio no século XVIII.
Mas um fato prevalece: em tempos extremamente sombrios, pelo menos na França e nos Países Baixos, a reforma é rápida e vigorosa. Um exemplo: São Francisco de Sales. Nascido em 1567 em uma diocese amplamente conquistada para o protestantismo, Genebra, ele mesmo experimentou um sério debate interior sobre a salvação. Um jesuíta francês o ajuda a equilibrar sua piedade. Tendo se tornado sacerdote, iniciou missões em sua diocese. Tem um estilo: a doçura, o bom senso, a simpatia, a pobreza pessoal. Os meios: a Escritura, o catecismo, as Controvérsias, do cardeal Belarmino, que respondem às posições protestantes. Um método: a pregação, as celebrações públicas, a proposição de uma vida de fé que é acima de tudo uma adesão de amor.
Muitos bispos, especialmente na França, tornaram-se pregadores itinerantes. Até Richelieu, que, antes de ser o ministro que conhecemos, foi um bispo de Luzon ativo e inteligente. Tem início um florescimento de seminários, asilos, conventos e congregações locais, embora as guerras religiosas ainda não tenham acabado. Paradoxo de uma época em que, enquanto os sinistros cavaleiros de Monluc e de Guise [o cardeal Carlos de Lorena-Guise] devastavam os campos, os bispos iam a pé de casa em casa.
No início do século XVII, o impulso foi alcançado. Seminários são fundados e o clero agora está melhor formado. As congregações missionárias percorrem cidades e campos. O catecismo é dado a adultos e crianças. Apela-se à confissão frequente, com manuais inteligentemente elaborados. Os jesuítas e outras congregações abriram faculdades brilhantes onde ensinavam todo o conhecimento da época, do grego à astronomia. A piedade um tanto desordenada e febril dos séculos passados é enquadrada. Os penitentes, por exemplo, não se contentam em desfilar pelas ruas: recebem aulas e cuidam de asilos. Entre a burguesia urbana e a nobreza florescem místicos leigos de alto escalão, que têm à sua disposição manuais, conselheiros espirituais e locais de retiro.
E espera-se “vencer” o protestantismo – esperança cuja realização será limitada. A Igreja tridentina é forte, mas o protestantismo continua vivo. Talvez porque os reformadores católicos não entenderam inteiramente o protestantismo, seu dinamismo, seus desenvolvimentos; talvez porque a ruptura emocional já fosse muito profunda. Em todo caso, a Igreja Católica fez sua reforma, e essa reforma foi longe. Fértil, permitiu uma poderosa renovação espiritual, pastoral e artística. Desenvolvida nas adversidades, continha em si ambiguidades ou durezas, que logo precipitariam novas crises. Assim é com toda reforma, e assim é com toda a história da Igreja.
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Das reformas à contrarreforma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU