13 Agosto 2020
"São Tomás de Aquino diria que aqueles que pedem que os católicos ignorem as medidas de saúde estão promovendo um espírito de imprudência que é a antítese da virtude autêntica. Se quisermos ser razoáveis quanto à ameaça da covid-19, devemos reconhecer que podemos sobreviver ao vírus somente se nos submetermos aos seus termos, não aos nossos", escreve Dawn Eden Goldstein, doutora em teologia (S.Th.D), autora de vários livros, entre eles, My Peace I Give You: Healing Sexual Wounds With the Help of the Saints, em artigo publicado por America, 11-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Qual é a resposta espiritual apropriada à pandemia de coronavírus? Embora muitos católicos estejam buscando fazer deste momento “um tempo de renovação”, como disse um padre recentemente, uma minoria estridente tem se referido à atual pandemia em termos que soariam mais adequadamente entre guerreiros culturais do que entre guerreiros espirituais. Provavelmente, todos os fiéis que passaram alguns minutos nas redes sociais encontraram outros a suspeitar profundamente das medidas de saúde pública. Estes vão admitir que aquelas pessoas particularmente vulneráveis à covid-19 merecem uma proteção especial. Mas resistem, como intromissão governamental excessivamente zelosa, a qualquer medida que possa impedir o direito individual de celebrar os sacramentos.
Essa mentalidade de suspeição leva alguns católicos a ridicularizar aqueles que observam as medidas de saúde pública como sendo fiéis covardes que capitularam diante de um espírito de temor. Em apoio aos ataques pouco caridosos que fazem, eles apontam para o ensinamento de Jesus (como em Mateus 16,26) de que a alma vale mais do que o corpo. Alguns chegam mesmo a afirmar que os católicos que se abstêm de comparecer às liturgias públicas por medo da covid-19 são mornos na fé.
Como, então, responder aos que afirmam que os fiéis seguidores das orientações de saúde pública estão paralisados “por um medo da morte” não católico (Hebreus 2,15)? De minha parte, sugiro consultar São Tomás de Aquino. Em sua Suma Teológica, São Tomás tece observações profundas sobre o temor e sobre a virtude que o remedeia, a coragem. Algumas ideias que ele apresenta são particularmente relevantes para os debates atuais.
Não há pecado em temer a perda desnecessária da própria vida ou saúde. Por definição, um pecado é um ato desarrazoado. Mas, diz Aquino, “os males a que não podemos resistir e cujo sofrimento nenhum bem nos traz, a razão nos diz que devemos evitá-los. Logo, temê-los não é pecado” (Questão 125, art. 1).
A resposta ao temor não é o desafio. É a coragem. O nosso temor deve levar-nos a pedir a Deus por um aumento na virtude cardeal da coragem. Mas a prática da coragem não significa tentar a Deus sendo imprudente. Pelo contrário, diz Aquino, a coragem nos fortalece “coibindo [o temor] e moderando [a audácia]” (Questão 123, art. 3).
As palavras da Oração da Serenidade dão o exemplo de coragem em ação:
“Deus,
Conceda-me a serenidade
Para aceitar aquilo que não posso mudar,
A coragem para mudar o que me for possível
E a sabedoria para saber discernir entre as duas”.
Embora a “sabedoria para saber discernir entre as duas” advenha da virtude da prudência, que direciona as outras virtudes cardeais, a “aceitar aquilo que não posso mudar” e “A coragem para mudar o que me for possível” são, ambos, aspectos da coragem.
O que nos leva ao último ponto que aprendemos com Aquino: O principal ato da virtude da coragem não é atacar. É suportar. Às vezes, é preciso atacarmos de cabeça erguida os nossos temores. Um padre conhecido meu enfrenta o seu temor da covid-19 de forma que, assumindo todas as precauções razoáveis, pode ele levar os sacramentos a pacientes em hospitais que estão a morrer por decorrência do vírus.
Aquino concorda que há momentos em que não temos outra opção senão a de “atacar” – adotar uma ação ousada contra aquilo que pode causar temor. Mesmo assim, ele faz questão de enfatizar que “o ato principal da coragem é suportar, isto é, persistir inalterado nos perigos, mais do que atacar” (Questão 123, art. 6).
Mas São Tomás não para aí. O Doutor Angélico, que viveu num tempo em que a Europa tinha 19 mil lazaretos – hospitais que serviam para isolar as vítimas da lepra e da peste –, dá uma resposta contundente aos que protestariam dizendo que o modo cristão é aquele do “homem valente”. Ele enfatiza que o suportar não é simplesmente mais próprio à coragem do que o atacar; é também mais viril, no sentido autêntico de ser mais humano, do que “valente”.
“Suportar um ataque é mais difícil que atacar”, explica Aquino. Isso faz sentido se considerarmos que, quando lutamos, atacamos porque cremos que temos algum poder sobre o oponente. Mas quando suportamos, assim o fazemos porque cremos que o nosso oponente é mais forte do que somos; “é mais difícil”, observa Tomás, “lutar com o mais forte do que com o mais fraco” (Questão 123, art. 6).
Precisamos, pois, pedir ao Senhor um aumento na virtude da coragem de forma que possamos ter a força para suportar as inconveniências temporárias, sejam grandes ou pequenas, e “corramos com perseverança na corrida” (Hebreus 12,1). Os sacrifícios que fazemos ao limitar a nossa participação sacramental não nos privarão da graça, como alegam os guerreiros culturais. Deus não está vinculado aos sacramentos. “Deem”, diz Jesus; deem a Deus e ao próximo “e será dado a vocês” (Lucas 6,38).
São Tomás de Aquino diria que aqueles que pedem que os católicos ignorem as medidas de saúde estão promovendo um espírito de imprudência que é a antítese da virtude autêntica. Se quisermos ser razoáveis quanto à ameaça da covid-19, devemos reconhecer que podemos sobreviver ao vírus somente se nos submetermos aos seus termos, não aos nossos.
Em Mateus 25, Jesus diz que seremos julgados quanto aos cuidados que prestamos ao outro. Quando o amor ao próximo significar uma renúncia da vida eclesial normal – como os católicos tiveram de fazer durante incontáveis desastres, pestes e perseguições –, poderemos confiar que o Senhor continuará a nos alimentar com o seu Espírito até chegar o momento em que possamos celebrar juntos novamente.
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São Tomás de Aquino usaria máscara para ir à missa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU