05 Agosto 2020
Os cidadãos da Nicarágua vivem uma situação cada vez mais difícil, um pesadelo do qual parece cada vez mais difícil encontrar uma saída. Prisioneiros de um governo que eliminou as liberdades fundamentais. Que continua alimentando a hostilidade contra a Igreja e que não impede ou, pior, até favorece ataques que o cardeal Leopoldo Brenes, arcebispo de Manágua, definiu como de “natureza terrorista”, como o perpetrado na sexta-feira, 31 de julho, na capela do Sangue de Cristo, na catedral da capital.
A reportagem é de Bruno Desidera, publicada por Servizio Informazione Religiosa (SIR), 04-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Foi um gesto muito preocupante, que se soma a outros dois ataques sofridos no mês passado por lugares sagrados, precisamente pelas capelas de Veracruz e Nindirí. Nas últimas semanas, aos olhos do regime, a Igreja nicaraguense tem uma “culpa a mais”, além da de defender há anos as liberdades e os direitos humanos e de denunciar as contínuas violações de tais direitos. A “culpa” é justamente a de não se calar sobre a gravidade da situação da Covid-19.
E, nessa situação, a Igreja está cada vez mais sob ataque. Foi exemplar o que aconteceu na catedral de Manágua: um sujeito encapuzado jogou um coquetel molotov na capela do Sangue de Cristo, na catedral da capital nicaraguense, provocando um incêndio na área onde está conservada a imagem do crucifixo e onde o Santíssimo Sacramento está exposto.
A escultura do Sangue de Cristo tem 382 anos e sofreu graves danos, talvez irreversíveis. O Papa Francisco se referiu a esse fato no Ângelus do domingo passado, 2 de agosto, expressando a sua dor e a sua proximidade à Igreja nicaraguense.
E não é a primeira vez nos últimos anos que a própria catedral é atacada, sempre no tenso clima atual entre o regime de Daniel Orega e a Igreja. É muito eloquente que a vice-presidente e esposa de Daniel Ortega, após o incidente, tenha zombado da arquidiocese, dizendo que o incêndio foi provocado pelas velas, quando, pelo contrário, várias testemunhas viram a pessoa encapuzada entrar na igreja.
Nessas semanas, aos olhos do regime, a Igreja nicaraguense tem uma “culpa a mais”, além da de defender há anos as liberdades e os direitos humanos e de denunciar as contínuas violações de tais direitos.
Precisamente nestas semanas, os contágios voltaram a aumentar em toda a América Central. E a Nicarágua, com toda a evidência, não é exceção. Há meses, a Igreja nicaraguense e a própria Arquidiocese de Manágua tentaram advertir e sensibilizar a população. E suspenderam as celebrações com a presença dos fiéis e as procissões, que sempre contam com uma grande participação. A última delas, em ordem de tempo, foi a celebração patronal de São Domingos de Gusmão.
E a própria Igreja está pagando um preço muito alto pela pandemia: na quinta-feira, 30 de julho, um padre da diocese de Estelí, Jaime Valdivia, morreu por Covid-19. É o sexto religioso que morreu por causa do vírus. E algumas perguntas também foram provocadas pela morte do bispo emérito de León, Dom César Bosco Vivas Robelo, embora oficialmente o falecimento não tenha sido associado ao vírus.
Mas qual é a verdadeira consistência da propagação do contágio no país?
Os dados oficiais são muito pouco confiáveis: durante meses, foram fornecidos números irrisórios, depois se começou a atualizá-los semanalmente (em todo o mundo, em vez disso, os números são fornecidos diariamente). O último dado fala de 3.672 casos positivos e 116 mortes.
Leonel Arguello, um dos principais epidemiologistas do país, faz parte da Associação Nicasalud. E explica ao SIR por que há pouco a acreditar nesses números: “Muitos hospitais públicos e privados, até onde sabemos, estão cheios. De acordo com uma pesquisa realizada nas últimas semanas, duas em cada três pessoas conhecem um doente de Covid-19. Além da fonte governamental, ainda existem outras fontes que nos ajudam a entender como as coisas estão indo. Uma delas é o Observatorio Ciudadano, um órgão independente que coleta os relatos de médicos e de outros especialistas e voluntários. Obviamente, não é fácil fazer uma estimativa confiável, pois apenas o governo está autorizado a realizar testes de laboratório e a divulgar os resultados. Só é possível tentar estimar os casos suspeitos. Mas a hipótese do observatório é de que os contágios sejam pelo menos três ou quatro vezes mais, enquanto as mortes são muito maiores do que os números oficiais”.
Ao mesmo tempo, registra-se um forte aumento no número dos funerais, e uma confirmação disso também vem dos fabricantes de caixões.
O último relatório, do dia 29 de julho, relata 9.044 casos suspeitos de contágio e 2.537 mortes com sintomas suspeitos, um número até 20 vezes superior ao dado oficial.
Arguello continua: “A Nicarágua é provavelmente o único país do mundo que não levou em consideração as recomendações da OMS, não predispôs medidas de distanciamento físico, o uso de máscaras, as escolas continuaram normalmente, não se fez nada. Os próprios médicos são proibidos de usar máscaras e luvas para não gerar alarmismo, e, em todo o caso, os dispositivos de proteção são muito caros”.
Já existem cerca de 1.000 profissionais da saúde infectados e cerca de 100 mortos.
O governo também provocou obstáculos à Igreja. A Diocese de Matagalpa, uma das cidades mais afetadas pelo coronavírus, planejava abrir um ambulatório médico às suas próprias custas, mas foi impedida de fazê-lo. Nesse contexto, a escolha de restringir a participação nas atividades litúrgicas e pastorais, ação comum no restante do continente, parece ser algo inaceitável ao governo.
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Nicarágua: Igreja sob ataque. De quem é a culpa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU