14 Julho 2020
Entre as várias discussões que a emergência sanitária da covid-19 (a doença causada pelo coronavírus SARS-Cov-2, detectada pela primeira vez em Wuhan, China, no final de 2019) suscitou, uma das mais recorrentes é a que relaciona as condições socioeconômicas de uma população com os meios que seus membros dispõem para enfrentar tanto a doença em si, como as diferentes situações derivadas desta (que podem ser de índole econômica, familiar, emocional, etc.).
A reportagem é publicada por PijamaSurf, 12-07-2020. A tradução é do Cepat.
Vários pesquisadores e intelectuais destacaram a desigualdade que a covid-19 tornou inegável e evidente. Dado que se trata de uma pandemia (isto é, de uma doença que afetou praticamente todo o mundo), a covid-19 revelou as formas muito diferentes como cada governo do mundo reagiu, as maneiras como cada uma das sociedades afetadas responderam à doença, mas, acima de tudo, como dissemos, as limitações - e, em alguns casos, carências francas - que cada país teve que enfrentar e até descobrir no processo de tentar conter a onda de contágios e falecimentos em seus respectivos territórios.
Nesse sentido, uma análise preliminar publicada recentemente sobre a situação no México produziu números que confirmam a natureza eminentemente seletiva desse novo coronavírus. Embora tenha sido dito que o patógeno pode atacar qualquer pessoa, independentemente da idade e do sexo, na realidade, essa afirmação é apenas parcialmente verdadeira, porque, a julgar pelos números deste estudo, as condições socioeconômicas de uma população podem também ser um fator decisivo para se contagiar, adoecer e até falecer por causa da covid-19.
O estudo em questão tem como título "Mortalidade por Covid-19 no México. Notas preliminares para um perfil sociodemográfico", e foi elaborado por Héctor Hernández Bringas, doutor em ciências sociais e pesquisador no Centro Regional de Pesquisa Multidisciplinar (CRIMM), da Universidade Nacional Autônoma do México.
Neste, o pesquisador encontrou alguns indicadores interessantes (e preocupantes) que, neste momento, permitem esboçar um perfil de pessoas que estão morrendo de covid-19 no México, com base na análise das informações estabelecidas nas estatísticas de mortalidade do Subsistema Epidemiológico e Estatístico de Óbitos da Secretaria de Saúde Federal, que por sua vez se alimenta de atestados de óbito emitidos em nível nacional.
Em sua análise, Hernández Bringas observou as seguintes tendências:
• 7 de cada 10 mortes por covid-19 no México são homens;
• Desses, 7 em cada 10 mortos tinham entre 40 e 69 anos de idade;
• 7 em cada 10 mortos por covid-19 no México tinham uma escolaridade primária ou inferior (primário incompleto, pré-escolar ou sem escolarização);
• Quase 9 em cada 10 mortes por covid-19 no México pertenciam a um desses setores de ocupação: donas de casa não remuneradas; não empregado, aposentado ou pensionista; empregados do setor público; condutor ou ajudante de veículo; ocupações não especificadas; profissionais desempregados; ajudantes, peões e afins; artesãos e trabalhadores de fábricas, reparação e manutenção.
Sobre este último ponto, pode-se concluir, mesmo provisoriamente, que as pessoas que morreram no México devido à covid-19 não foram necessariamente por sair para se divertir ou por visitar uma praça comercial, mas apenas por sair para trabalhar e procurar seus meios de subsistência.
Da mesma forma, dadas as precárias condições de seguridade social do país, é possível supor que boa parte dessas pessoas, em vista da ocupação exercida, não contavam com algum tipo de cobertura médica garantida no momento da doença, portanto, isso também deve ter gerado algum tipo de gasto econômico imprevisto para si mesmos e para suas famílias.
Nesse sentido, Hernández Bringas também constatou que mais da metade das mortes relatadas pela covid-19 ocorreram em instalações médicas destinadas à população em geral, ou seja, aquelas que recebem pessoas que não possuem nenhum tipo de seguro médico derivado de um emprego legalmente formalmente.
Qualquer pessoa que conheça as condições socioeconômicas do México poderá pensar justificadamente que esses números são consistentes com o perfil do setor majoritário do país. No entanto, segundo o pesquisador, certas diferenças nos permitem assumir uma certa “seletividade” em pessoas que contraíram o coronavírus e morreram por sua causa.
Em particular, Hernández Bringas ressalta que a estrutura etária das pessoas mortas pela covid-19 é muito diferente da população nacional, razão pela qual, no momento, essa presunção parece factível.
O pesquisador conclui seu artigo dizendo que, no momento, esses dados são apenas um rascunho de uma análise que precisa ser muito mais completa. Como se sabe, a epidemia no México ainda não encontrou um ponto de estabilização, e diversos fatores - vários deles socioeconômicos - tornam um tanto imprevisível seu comportamento.
No entanto, uma análise desse tipo pode nos ajudar a entender melhor a situação em que vivemos e as medidas que podemos tomar, pessoal e coletivamente, para enfrentá-la.
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Pobres, com educação elementar e sem trabalho formal: 7 de cada 10 falecidos por covid-19 no México - Instituto Humanitas Unisinos - IHU