14 Mai 2020
"Tudo isso não foi suficiente para me converter. Se eu o tivesse feito, teria me parecido pura hipocrisia para salvar minha pele. Silvia Romano, ao contrário, em 18 meses terá tido muito tempo e modo de refletir. Mergulhar no Islã e adotá-lo. Havia todas as condições para fazê-lo. Se ela usa o jilbab hoje, insiste em usá-lo, é porque ela está convencida de sua conversão. Ela fez sua escolha. Eu fiz a minha. E isso nos torna ambos livres", escreve Daniele Mastrogiacomo, em artigo publicado por La Repubblica, 13-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Daniel Mastrogiacomo, jornalista, foi sequestrado pelos talibãs, no Afeganistão, em 2007.
Consigo entender Silvia Romano, também vivi essa experiência. Ser mantido em cativeiro por um grupo de jihadistas, isolado do mundo por 18 meses, envolto pelo vazio, pela ideia de que eles podem te matar a qualquer momento, é mais do que um pesadelo. É a expectativa constante de uma sentença que nunca chega. Aquela que decide o seu destino. Não há futuro, só existe o presente. E o presente é composto de muitas pequenas coisas, sentimentos, emoções, pensamentos que se sobrepõem, que você agarra como se fossem os últimos. Eu fiquei nas mãos dos talibãs do mulá Dadullah Akund, um cruel comandante militar no sudoeste do Afeganistão, por duas semanas. Pareceu uma eternidade. Só posso imaginar como foi para Silvia passar um ano e meio nessas condições. Isso muda a sua vida. E seu espírito muda. Sempre em contato com uma realidade que não é sua, com pessoas que você não conhece, muito diferentes de você, que o sequestraram, que mantêm você como um tesouro a ser trocado, mas que o desprezam por você ser um takfir, um descrente. De quem, no fundo, têm medo e ódio. A religião domina o ambiente que o cerca, marca seus dias, marca os 5 momentos de oração, quando e como você come, quando fala, quando dorme, quando você se desloca com milicianos de uma prisão para outra.
Em todo sequestro dos jihadistas, há o momento da conversão. Aconteceu com Silvia, aconteceu comigo também. Para os talibãs, como qualquer outro grupo de fiéis wahhabitas, intérpretes rigorosos do Alcorão, obter adesão ao Islã por um não-muçulmano é uma vitória. Muito mais do que o sequestro e o resgate que eles recebem. O dinheiro é frequentemente a última parte de uma operação cujo objetivo é bem diferente. Uma troca de prisioneiros, como no meu caso, mais relevante do ponto de vista político. Portanto, conseguir uma conversão de prisioneiro é o cetro que você pode agitar diante de seus companheiros de batalha e do resto do mundo. Ninguém te obriga, mas há pressões psicológicas muito fortes. A fé religiosa é um assunto sério, especialmente para aqueles que a sentem, praticam e fazem dela um fundamento de sua existência.
Uma semana após o nosso sequestro, com Sayed Agha, o motorista, que permanece separado, Ajmal Nasqbandi e eu somos levados perante o vice comandante Ali. Tem um presente para mim, ele diz. Fale sobre o Islã, como fazemos com o xeique, o guia espiritual com o qual enfrentamos nossas discussões religiosas cotidianas. Impostas. Ele me explica que eu tenho que fazer uma escolha. Nasci no Paquistão e o fato de ser, em teoria, meio muçulmano e meio agnóstico, pode favorecer minha conversão. Existem todas as condições prévias para eu me tornar um bom crente. Ele fala isso com entusiasmo. Respondo com prudência à insistência do vice comandante. Temo uma armadilha, mais do que uma lavagem cerebral. Pergunto-lhe se ele acha certo que minha conversão ocorra agora que me vejo isolado e em condição de cativeiro.
Ele fica agitado, chega ainda mais perto, está convencido de que minha disponibilidade revela os primeiros sinais de uma rendição. Ele ainda insiste. "Para ele", traduz para mim Ajmal, "seria um enorme sucesso. Ele diz que isso lhe daria honra; e que os líderes, os helder, talvez estivessem dispostos a nos deixar ir. Vou chama-los imediatamente, vamos ver o que eles respondem". Ele some. Em seu lugar aparece o chefe, Haji Lalai. "Pegue isso", diz ele, entregando-me um pequeno gravador, um daqueles com tela e fones de ouvido. Os Talibãs não têm livros. Existe apenas o Alcorão. Mas no meio do deserto, eles usam esse dispositivo sem conexão à Internet, para ouvir o livro sagrado durante horas. Eles estão sempre disputando por um. As 114 suras estão gravadas em árabe. A tradução para o inglês aparece na tela. O comandante me convida a usá-lo e seguir o texto no visor. Fiquei ouvindo isso a tarde toda, enquanto os jovens milicianos, com fuzis na mão, companheiros fiéis da vida e da batalha, me observam de longe. Eles ficam intrigados e fascinados por um presente que consideram um privilégio.
Ouvirei as suras muitas outras vezes. Aquele gravador vai me acompanhar durante a maior parte do sequestro.
Ele me ajudará a superar os momentos de pânico e durante a angústia que me tomava, pensando que estava a um passo da execução de uma sentença, já que tínhamos acabado de ser condenados à morte. Tudo isso não foi suficiente para me converter. Se eu o tivesse feito, teria me parecido pura hipocrisia para salvar minha pele. Silvia Romano, ao contrário, em 18 meses terá tido muito tempo e modo de refletir. Mergulhar no Islã e adotá-lo. Havia todas as condições para fazê-lo. Se ela usa o jilbab hoje, insiste em usá-lo, é porque ela está convencida de sua conversão. Ela fez sua escolha. Eu fiz a minha. E isso nos torna ambos livres.
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O Alcorão em áudio durante horas. Quando os sequestradores talibãs tentaram me converter - Instituto Humanitas Unisinos - IHU