14 Mai 2020
O geneticista Axel Kahn, também presidente da Liga contra o Câncer, foi muito ativo durante o confinamento na informação e proteção dos pacientes com câncer. Para ele, essa crise de saúde nos compromete a “viver e não apenas evitar a morte”.
A entrevista é de Olivia Elkaim, publicada por La Vie, 12-05-2020. A tradução é de André Langer.
Com o fim do confinamento [na França], os cientistas levantam temores relativos a uma segunda onda da epidemia. Você compartilha desse medo?
Sua pergunta deve observar que “cientistas” temem uma segunda onda da epidemia, não “os” cientistas. De minha parte, sou bastante otimista. Cauteloso, mas otimista. Em todo caso, no que diz respeito a uma segunda onda rápida, antes do próximo inverno. Por três razões.
A primeira é que, mesmo em territórios onde, dadas as condições sociais, o confinamento é relativo – como em Seine-Saint-Denis –, a epidemia está em declínio muito claro.
A segunda é que, durante as epidemias de doenças virais do século XX (gripe espanhola de 1917-1919; gripe asiática de 1957; gripe de Hong Kong de 1968-1970, nota da redação), as segundas ondas, quando ocorreram, aconteceram no ano seguinte, e não na sequência da primeira. Finalmente, o confinamento de dois meses trouxe a circulação viral de volta ao patamar em que estava no início da epidemia, em fevereiro.
Com muito menos recursos do que hoje, o estudo epidemiológico para identificar os casos de contato impediu a propagação da doença a partir dos focos de Haute-Savoie, Morbihan, Montpellier e Oise em fevereiro passado. Essa estratégia realizada em um nível muito mais alto na Coreia do Sul produziu maravilhas. A política de rastreamento, detecção, identificação de contatos e isolamento direcionado deve, em princípio, se o isolamento físico e os distanciamentos também forem respeitados, possibilitar que se evite um rápido reinício da epidemia.
E se a segunda onda não for a que acreditamos, mas sim uma afluência de pacientes de outras patologias não tratadas por causa do confinamento?
Sim, é claro, durante dois meses, muitas pessoas desistiram de fazer consultas por medo de serem infectadas, perturbando seus médicos sobrecarregados, ou não conseguiram consultas ou até mesmo entrar em contato com escritórios e consultórios. É urgente que, como a calmaria é muito clara, a prática da medicina volte ao seu curso normal.
Você teme uma afluência de pacientes de câncer não detectados e/ou não tratados durante esse período?
Muitas pessoas que deveriam ter consultado sobre uma mancha na pele que se modifica, um nódulo na mama, um emagrecimento de peso e/ou um cansaço inexplicados – sinais que podem sugerir um câncer – não o fizeram: durante esse período, os médicos diagnosticaram metade do número de cânceres que em períodos normais, um déficit de 32 mil casos em comparação aos casos esperados (400 mil novos cânceres são diagnosticados a cada ano, nota da redação). Esses atrasos podem ser responsáveis pela perda de algumas chances de cura.
No que diz respeito às pessoas em tratamento para o câncer, a regra tem sido evitar ao máximo o risco de serem infectadas pelo vírus, principalmente porque se presume que sejam mais frágeis à Covid-19. Sem comprometer a eficácia do seu tratamento anticâncer. Como resultado, terapias de quimioterapia, sessões de radioterapia, intervenções programadas foram adiadas, os protocolos foram adaptados e, algumas vezes, modificados. No geral, acho que não foi em detrimento do prognóstico do câncer. No entanto, precisamos agora compensar todos esses atrasos, e devemos temer a formação de filas.
Paradoxalmente, o confinamento nos protegeu de doenças leves (gastroenterite, rinofaringite etc.), mas levanta temores de um recrudescimento de doenças graves, psíquicas e físicas.
O confinamento tem sido um revelador de distúrbios psiquiátricos ainda não catalogados e, acima de tudo, um fator na descompensação às vezes grave de psicoses conhecidas. Provavelmente não é a sua causa. Isso vale para outras doenças, não causadas pelo confinamento, mas cujo diagnóstico pode ter sido adiado.
A epidemia de Covid-19 revela coletivamente nossas fragilidades. Mas uma vida livre de vírus é possível?
Nunca existiu vida sem vírus; eles são contemporâneos do aparecimento da própria vida. Nenhuma espécie bacteriana, vegetal ou animal, está livre disso. A espécie humana é apenas uma delas. No século XX, houve quatro pandemias virais, três mais graves que a Covid-19: a gripe espanhola, que provocou a morte de entre 20 e 40 milhões de pessoas em todo o mundo; a gripe asiática, dois milhões de mortes; a gripe de Hong Kong, um milhão; a Aids, 40 milhões de mortos desde o seu aparecimento. A Covid-19 é apenas a primeira pandemia do século XXI; haverá outras. No entanto, a anterior (a gripe de Hong Kong) tem 50 anos, e nós a esquecemos.
O esquecimento foi facilitado por dois fenômenos psicológicos. O primeiro é que em 1968-1970, não tínhamos feito uma história completa – é um outro acontecimento que a memória coletiva retém quando falamos sobre o ano de 1968! O segundo é que os incríveis progressos científicos e técnicos realizados em 50 anos levaram as pessoas a acreditar que tais episódios haviam se tornado impossíveis, quando na realidade eram inevitáveis, pois permanecerão no futuro, e que de fato os especialistas anunciaram.
A fragilidade das nossas sociedades não se deve tanto ao agente viral em si, mas ao fato de o homem do século XXI estar disposto a dedicar meios e esforços dantescos para conter um agente infeccioso responsável por uma pandemia bastante banal em comparação com as do passado. Então, pela primeira vez na história da humanidade, o mundo congelou. Em termos globais, é claro, os danos e mortes das consequências sociais e econômicas da pandemia vão superar em muito aqueles ligados à própria Covid-19.
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“Nunca existiu vida sem vírus”. Entrevista com Axel Kahn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU